Como criar uma Jornada do Usuário?

O passo a passo para utilizar uma das ferramentas mais poderosas de Design

Fabio Michelan
DogHero Brasil
8 min readSep 26, 2019

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Dentre as principais ferramentas de Design, certamente está, entre elas, a Jornada do Usuário. Faz todo o sentido: a Jornada está intimamente ligada à Experiência do Usuário. Quando falamos em “criar uma UX”, o mais próximo que podemos chegar é criar uma Jornada do Usuário.

Pois bem, apesar de ser verdade, não é tão simples assim utilizar essa ferramenta.

Na DogHero, pude conduzir um processo completo de criação da Jornada, especificamente para os usuários do novo serviço de Passeios (Dog Walking). Aproveito agora para compartilhar o modelo utilizado.

1. Definição da Persona

Antes de iniciar a criação da Jornada, definimos as Personas da DogHero. Foi um processo completo que demandou um discovery pesado, entrevistas em profundidade, cruzamento de dados e pesquisas online.

O ponto que interessa aqui é: para se pensar nas etapas de uma Jornada, é fundamental que se pense em quem é a pessoa que atravessa essa Jornada.

No caso de não se ter uma Persona, recomendo fortemente desenvolver ao menos uma ideia inicial dela que possa servir a este trabalho. Uma protopersona ou algo do tipo já ajudaria muito nesse processo.

Algumas frases apontadas pela Persona de Dog Walking

2. Definição das etapas da Jornada

Quando pensei nas etapas da Jornada, achei que seria uma boa ideia usar o modelo das métricas piratas: Awareness, Acquisition, Activation, Revenue, Retention e Referral.

No entanto, ao tentar aplicar esse modelo, fiquei com muita dificuldade de encaixar a Jornada comportamental às métricas que são mais usadas para entender seu momento de consumo.

Em uma primeira busca por alternativas, li este artigo da Emily Christensen, que amplia o conceito das etapas para Awareness, Consideration/Research, Evaluation, Purchase/Commit, Onboarding/Out-of-box experience, Retention e Advocacy. Já achei mais interessante esse tipo de abordagem.

Customer journey maps are usually — though not always — based on a timeline of events that may be linear or cyclical. Throughout the timeline, customers go through several different stages as they progress from initial touchpoints to purchase and beyond. Often these stages are reflected in your company’s sales funnel and will vary significantly based on your company’s business model and targeted personas. — Emily Christensen

Foi quando caí neste excelente artigo do Andy Sontag, que apresenta o modelo dos 5 E’s, e tudo se encaixou. Pelo menos para o meu desafio da DogHero. Abaixo trago um pouco do meu entendimento sobre o artigo, os 5E’s e como os utilizei no processo.

Modelo dos 5E’s da Kaospilot apresentado no artigo

O modelo dos 5E’s:

1. Excitement

O despertar do interesse de uma pessoa por algo. Essa etapa se dá quando ela sente uma necessidade, uma dor a ser sanada, uma ausência, uma angústia. Aqui também vale explorar como a pessoa se dá conta de que existe uma solução para o problema dela, e como essa solução pode ser seu produto.

2. Entry

O primeiro contato da pessoa com o produto. Etapa de grande importância e famosa pela máxima, “a primeira impressão é a que fica”.

3. Engagement

O momento de uso, de fato, do produto ou serviço. Como se dá esse uso? Quais são os canais em que a interação acontece? Como a experiência principal é realizada?

4. Exit

O momento final do uso dessa experiência. Como ela se encerra? Como a pessoa sabe que encerrou? Também pode ser considerado como o momento do churn de um usuário.

5. Extension

O prolongamento do uso do produto ou serviço. O reuso, a recorrência, a continuidade, a retenção.

No entanto, antes mesmo de mapear os E’s, o autor sugere utilizar um High Concept para se definir o sentido da Jornada.

The first step in ‘designing’ the experience is to create a High Concept — the easily pitched premise of an experience. — Andy Sontag

High Concept:

Nada mais é que uma frase, um statement capaz de resumir a experiência. Deve ficar claro o contexto e o propósito da jornada. É um conceito muito utilizado como ferramenta chave em processos de storytelling. Esse conceito pode ser pensado de diversas maneiras diferentes. Por exemplo, veja essas três descrições para o mesmo livro:

  • Um livro que advoga a busca pela independência financeira através da tese de se possuir o sistema ou os meios de produção.
  • Um livro de finanças que aborda a história de contraponto entre dois homens, um que conseguiu alcançar prosperidade financeira, e outro que não.
  • Um livro sobre finanças pessoais que compara a história de dois homens, o pai rico e o pai pobre, e as decisões que tomaram na vida para chegar onde chegaram.

Qual das 3 frases acima é a mais direta? Qual é mais vendedora? Qual ataca o ponto principal de forma mais interessante?

Esse mesmo modelo de High Concept é muito usado por produtores, roteiristas e diretores para apresentarem suas ideias para os estúdios em Hollywood. Algo como:

  • Um filme em animação sobre a relação de uma criança e seus brinquedos, pelo ponto de vista dos brinquedos.

A frase deve conter em si própria o resumo da história e algo que mostre seus principais diferenciais. Outro exemplo?

  • O maior serviço de delivery de refeições do Brasil.

Com frases como essas acima, fica claro o propósito do produto. Também fica claro o seu diferencial e sua proposta de valor.

Proposta de valor? Foto de Simone Bertuzzi

Por fim, para garantir que esse modelo faria sentido, cruzei com outra ferramenta usada em Produto. O Jobs to be done (JTBD).

JTBD:

A tarefa

Qual é a tarefa que o usuário pretende resolver em sua vida ao usar seu produto?

Aspectos funcionais

Qual problema funcional ele está tentando resolver com essa tarefa?

Aspectos emocionais pessoais

Qual problema emocional interno a pessoa pretende sanar?

Aspectos emocionais sociais

Qual problema emocional externo?

JTBD de Dog Walking

Contrariando o artigo de Andy, preferi mapear as etapas da Jornada antes de definir o High Concept. Achei que o JTBD já daria conta de encaminhar o fluxo e as etapas da experiência. Parece ter funcionado.

Depois de definidas as etapas principais, quebrei em passos menores dentro dessas etapas. Passos que representavam as ações em si.

Etapas e passos da Jornada do Usuário de Dog Walking

3. Alimentando as etapas com tarefas, dores e oportunidades

Ao definir as etapas da Jornada, o desafio agora era alimentá-las com o olhar da Persona.

Dentre algumas possibilidades, a forma como encontrei para resolver isso foi montar uma dinâmica com o time. Pessoas da área de Design, Marketing, Tech, Operações e Dados participaram.

Dividi os participantes em 5 times com 3 ou 4 pessoas em cada. Um para cada etapa da Jornada.

No início da dinâmica, retomei a Persona com um resumo de ações e o seu JTBD completo. A orientação foi para que todos na dinâmica olhassem para cada etapa pelos olhos da Persona.

A primeira dinâmica foi um White Box (a propósito, aproveito para recomendar esse Tool Kit com diferentes dinâmicas profissionais). O objetivo, então, era definir o High Concept de nosso produto de Passeios.

Sugestões de High Concept

10 minutos para que cada time pensasse em uma única frase que descrevesse o serviço e qual seria sua proposta de valor, acompanhados por apresentação e abertura para votação. Eis o High Concept vencedor:

Um serviço de passeios personalizado e exclusivo que auxilia no bem estar do cachorro se adaptando à rotina de seu tutor.

A segunda dinâmica foi voltada para enriquecer a Jornada.

10 minutos para que cada time pensasse e escrevesse quais eram as principais dúvidas e dores da Persona em cada etapa. Mais 10 minutos para que cada time pensasse e escrevesse oportunidades para que a DogHero trabalhasse em cada uma dessas etapas. 5 minutos para que cada time apresentasse suas ideias para os demais e as confrontasse com outros pontos de vista.

Ao final, uma Jornada se apresentava em forma de post-its na sala.

No vidro, oportunidades. Abaixo, dores e angústias.
Post-its agrupados por etapa da Jornada

Agrupamos as ideias similares e, depois da dinâmica, passei as ideias para uma planilha compartilhada com a empresa.

Terminei de mapear ainda os Sentimentos e Pontos de Contato, com base nas informações que os participantes submeteram na dinâmica.

Planilha final da Jornada de usuários de Dog Walking

4. Aplicação da Jornada na rotina da empresa

A aplicação da Jornada deve se dar de forma contínua na rotina da empresa. Ao se pensar em novas features, é comum olharmos para a Jornada para entendermos o impacto delas na experiência atual do usuário. Ela nos auxilia a montar o Roadmap de Produto. Entendermos também onde estão as principais dores, os momentos WOW, canais que estamos subestimando e sentimentos que estamos ignorando.

Além disso, a dinâmica em grupo tem valor em si própria: passar uma tarde pensando em como poderíamos fazer as coisas melhor e, definitivamente, resolver os problemas de nossos usuários. Em reuniões posteriores à dinâmica, foi comum trazer aspectos observados pelos participantes, encurtando algumas discussões sobre o usuário. Também foi importante para consolidar os dados da Jornada como evidências e hipóteses para novos desenvolvimentos.

O desafio agora é manter o documento vivo e relevante para consulta. Como diversos entregáveis, este também deve ser atualizado constantemente para responder às mudanças da empresa e dos próprios aprendizados e iterações que temos com o Produto.

Agradeço pela leitura!

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Fabio Michelan
DogHero Brasil

Design & Innovation Lead at Google, Founder at DesignerTrack, Mentor at ADPList and UX Certified by NN/g