Artistas do não fazer, uni-vos!

ftatey
Dois Efes
Published in
4 min readAug 20, 2020
Foto de Pixabay em Pexels

Procrastinar o que deve ser feito e optar por não fazer nada é uma arte. Não é modo de dizer não. É uma arte. Acreditem, um dia esse movimento artístico será estudado, e esse risinho sarcástico no canto da boca de vocês será transformado em uma belíssima cara de espanto e uma longínqua memória desse texto será trazida à tona pela sua consciência. Acompanhem o raciocínio que irei apresentar, e espero que até o final desse texto eu consiga tê-los feito concordar comigo. Caso não alcance tal façanha, já deixo aqui meu humilde pedido de desculpas e uma pequena prece para que Deus tenha piedade dessa sua alma incrédula e fazedora de coisas, incapaz de apreciar a beleza da vida em seus momentos mais sublimes. O não fazer.

Acredito que por muitos seguidores desse movimento artístico, eu possa ser considerado um grande artista, um dos principais representantes desse movimento atemporal. Ok, devo ter exagerado no muitos seguidores pois ainda sou um pouco desconhecido do grande público. Apresento minha arte apenas em pequenos espaços. Agradeço todos os dias ter sido abençoado com essa dádiva divina, esse talento de apreciar, aguardar a vontade do fazer ativo passar… O fazer nada é um dom. O esperar a vontade de fazer algo passar é uma das mais belas formas de expressão artística. Perceba: algumas pessoas passam anos e anos meditando, tentando esvaziar a mente, não pensar em nada, deixar os problemas de lado ou do lado de fora de si, nem que seja por alguns instantes, vivenciar aquela doce experiência de apenas deixar os problemas passarem pelo cérebro. Esse dom já me foi dado. Eu já nasci com esse dom. Domino essa arte de não fazer nada, ou de deixar algo para depois como ninguém. Procrastinar é viver o momento. Plenamente. Sem pensar nem se preocupar com o futuro. Estar ali, presente na sua cama, apenas deitado e admirando a beleza e a perfeição do teto que paira sobre sua cabeça. As nuances da pintura, a lâmpada que ilumina o recinto, a pequena sombra que as texturas fazem quando a lâmpada esta acesa… Ou assistir a imagens aleatórias em sua TV e reparar em seu colorido, nas suas formas, sem prestar muita atenção no que esta sendo dito.

Mas como toda arte, essa também tem os olhares tortos e a incompreensão dos céticos para com os artistas. O fazer nada acontece por alguns instantes, deve ser apreciado ao máximo naquele momento pois quando menos se espera ele se vai e a provocação daquele instante seguirá imortalizado apenas na memória de quem vivenciou ou de quem teve a oportunidade de apreciar esses artistas incompreendidos em ação. Arte abstrata. Arte efêmera. Um happening.

Já cheguei até ao ponto de pensar em dar aulas com minhas técnicas favoritas de como postergar resoluções de problemas. Todos tem um artista postergador e incompreendido dentro de si e o que nos prende são as amarras e os estímulos loucos dessa sociedade trabalhadora e sempre atrasada pelo próximo compromisso. Artistas do não fazer, uni-vos! Não perca mais tempo com problemas, viva o agora! Para que resolver isso correndo se pode esperar e planejar a melhor forma de encontrar essa solução. Aproveite a vida, descanse!

E aí meu caro e cético leitor, eu aposto que nesse momento você deve estar pensando: que texto sem sentido. Não acredito que cheguei até aqui pra ler essa teoria absurda. Bem, eu vos digo: Quando o primeiro quadro de arte abstrata foi pintado, aposto que ele também foi considerado absurdo e nem por isso ele deixou de ser considerado arte. Rá! Aposto que você não esperava essa cartada quase no final dessa dissertação, certo?

Sei que será difícil para você, querido companheiro de leitura, que foi treinado a sempre se colocar à disposição de tudo e todos, sempre responder que está cansado quando na verdade você não está. A sociedade te obriga a isso. Então, para finalizar, proponho uma provocação ao meu caro e, pelo visto, disposto leitor: Sugiro que você experimente e vivencie essa arte. Durante os próximos 10 minutos, encontre a posição favorita onde quer que você se encontre, pare e encontre um local que seu olhar possa repousar. Fique apenas ali, parado sentindo a brisa bater, admirando o passar das horas. Uma coisinha gostosa para comer harmoniza bem com esse momento. Aposto que seu interior ficará preenchido da paz do não fazer nada e a sensação inundará seu sistema nervoso.

De nada.

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