Dois lados do Amor e a subjetividade dos fatos

Projeto de Ned Benson propõe dois olhares sobre o mesmo amor

Maria Catarina Mazzitello
Cinema
3 min readJun 5, 2019

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Por Maria Catarina Mazzitello

Enxergar dois lados de uma separação é quase impossível para quem está dentro do relacionamento e incomum para quem observa de fora. Isso porque quando um amigo ou familiar nos conta a história de seu término, normalmente, ela vem filtrada por sentimentos, ego e tudo que o ser humano carrega dentro de si. Obviamente, que estou falando de uma relação saudável, sem abuso físico e intimidação emocional por nenhuma das partes — algo que estamos desconstruindo aos poucos, hoje em dia, ouvindo relatos e tentando aprender com eles.

Pois bem, o projeto de “Dois Lados do Amor”, escrito e dirigido por Ned Benson, lançado em 2013 como dois filmes complementares e em 2014 como uma edição única (e comercial) das duas obras, busca mostrar versões distintas de um amor interrompido por uma fatalidade da vida. O nome original é “The disappearance of Eleanor Rigby”, em uma tradução livre seria “O desaparecimento de Eleanor Rigby”. Com isso, o espectador é apresentado, primeiramente, ao “ Desaparecimento de Eleanor Rigby — ELE”, cuja trama é desenrolada pelo ponto de vista de Conor Ludlow, vivido por James McAvoy, que após a tragédia culminante para o fim de seu casamento com Eleanor, esforça-se para se recuperar emocionalmente e entender o “sumiço” dela. Já “O desaparecimento de Eleanor Rigby — ELA”, é uma resposta a todas as perguntas de Conor que, consequentemente, são as do público, cuja principal é “Onde esteve Eleanor?”. Interpretada por Jessica Chastain, Eleanor Rigby também vai atrás de readquirir forças e resgatar um caminho para sua vida.

É uma narrativa caracterizada como “paraquel” (uma história que se passa simultaneamente a outra, formando um paralelo temporal). Por isso, permite que tenham pontos de convergência. No caso de The disappearance of Eleanor Rigby, há cenas iguais nos dois longas, porém filmadas de ângulos diferentes e com pequenas alterações nos diálogos. Afinal, no filme “ELE”, estamos assistindo a percepção de Connor sobre Eleanor e vice-versa.

A narrativa não é linear. O tempo presente prevalece em tela, mas é entrecortado, de forma inteligente, por alguns flash backs. Como o foco é o pós-trauma, o recurso do flash back acha propósito pelo fato de expor as memórias positivas do casal. É por meio dessas cenas que a química surreal entre os atores é transmitida para o público.

É interessante notar que o flash back não é utilizado de forma explicativa. O espectador só fica sabendo mais detalhes do que houve entre eles no filme “ELA”, ainda que seja capaz de deduzir no último ato do “ELE”. Contudo, essa dedução e explicação acontecem no presente narrativo e não nos flash backs. O passado entra apenas para mostrar a face mais generosa do amor — a paixão.

Como já mencionada, a química entre Chastain e McAvoy é genuína. Os atores entregam performances de gerar suspiros e lágrimas. Mérito da qualidade dos atores, assim como do diretor que sabe contemplar seu elenco movimentando pouco a câmera, e da edição e montagem que evita sequência de cortes brusca e entrada de música desnecessária. A cena de maior de tensão entre Conor e Eleanor, no ato final de ambos filmes, consegue ser profundamente melancólica só com trabalho de ator. Toda a atmosfera já foi construída durante o filme, e o principal reencontro entre eles se torna apenas diálogo.

O elenco secundário tem nomes relevantes como Viola Davis (professora de Eleanor), Isabelle Huppert (mãe de Eleanor), Ciarán Hinds (pai de Conor), Bill Hader (amigo de Conor), Jess Weixler (irmã de Eleanor), William Hurt (pai de Eleanor). São personagens que servem de muletas na jornada dos protagonistas, mas não são desperdiçados. A despeito de não desenvolverem seus próprios arcos, eles representam figuras importantes da jornada heróica de Conor e Eleanor, entre elas: mestres (quem guia), sombras (o oposto do herói) e amigos dos heróis.

O terceiro filme

“The disappearance of Eleanor Rigby — THEM”, “O desaparecimento de Eleanor Rigby — ELES” ou Dois Lados do Amor (como é encontrado nas plataformas de streaming) é uma reedição lançada em 2014. A proposta foi combinar os dois filmes paralelos em apenas um para se enquadrar na linha mais comercial. Porém, a melhor experiência é assisti-los separados para fazer a montagem na sua cabeça.

Dois lados do amor (ELA e ELE) aborda com maestria as diferentes perspectivas humanas, pela sábia decisão de desmembrar em duas obras uma história de amor e dor. Ademais, sabe trabalhar as multifaces do amor: paixão, luto, desgaste, solidão, carência, raiva, incompreensão etc.

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Maria Catarina Mazzitello
Cinema

Atriz e jornalista. Fã de diálogos e subtextos. Membro do canal 16mm no youtube. Metida com arte em geral.