Creative Framework — Parte V

Thiago Baron
DOJO.do
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10 min readSep 6, 2019

People Map é exercer o máximo da empatia, é ter certeza de saber como eu seria se eu fosse você”.

E aí está o grande estudo sobre o nosso protagonista, é o momento em que se age de uma forma mais empática possível com quem se está falando. Devo fazer uma ressalva quanto à forma comum com a qual se é denominado este protagonista: target. Creio que é um termo um tanto quanto pejorativo, porque é um jargão de guerra. Ou seja, sendo literal, é um alvo sobre quem se despeja algo e este alvo não tem muita escolha, está lá pronto para receber isso sem ressalvas nem questionamentos. Eis nosso desafio, olhar esse alvo, essa pessoa, de um modo mais humano possível, e o que deveria ser tranquilo, para mim, é o item — dentre os 13 que aqui serão discutidos — mais difícil de todos. Se sua intenção é a de criar um produto, isso não significa que necessariamente ele vai existir no mercado, pois pode não cumprir necessidade humana alguma. Por outro lado, se você compreende o comportamento, bem como essa necessidade humana, e cria um produto que atenda bem a estes dois itens e os compreenda, é uma garantia de sucesso. Temos aqui, então, uma junção do que o meu cliente possui com o que realmente as pessoas necessitam no dia a dia. Exemplo: “eu preciso de um carro de cinco rodas?”. Não, justamente porque todos hoje em dia querem coisas que simplifiquem a sua rotina. Colocar uma roda a mais no automóvel que eu fabrico significa que todas as minhas intenções estão voltadas ao meu produto e não à necessidade das pessoas, e isso é uma inversão. Quando eu começo a entender o mapeamento das pessoas, que é o meu público em questão, que é a minha audiência em questão, eu também começo a entender o que posso levar a eles que lhes agregue valor e, ao mesmo tempo, faço o meu produto prosperar. O People Map nada mais é do que tratar sobre pessoas no mais profundo âmbito humano, englobando antropologia, sociologia, política geoeconômica, economia, educação, o contexto social em que a pessoa está inserida, uma vez que tudo isso interfere na forma de como vamos reproduzir a realidade delas empaticamente. Então acabamos abrangendo várias questões em alinhamento: pesquisas sobre audiência, sobre a faixa-etária, sobre a geração e o que de fato essas pessoas têm em comum para que suas necessidades sejam supridas pelo nosso produto. No momento em que eu consigo compor tudo isso, eu apliquei o People Map de modo eficiente. Isso resulta em um match entre a minha indústria, a minha marca e o meu problema sendo resolvido para esse target. Eu sei qual é o problema, eu sei como a minha marca está posicionada, o que meus competidores estão falando e o que o meu consumidor espera. Assim que eu consigo olhar para tudo isso à minha frente, de uma forma organizada e estruturada, eu faço a ligação de pontos e só então meus caminhos ficam mais certos e sei para onde seguir. Eu literalmente saio do abstrato e ponho contornos reais, visíveis, em meu projeto.

Ressalto que toda essa pesquisa tem uma data de validade, porque o ser humano e seu comportamento não ficam estagnados. E toda essa movimentação é imprevisível. Há um termo em inglês, do que eu gosto muito, ‘fast paced”, ou seja, existe uma aceleração contínua e rápida em pensamentos, ações, comportamentos. Quando se vive nessa mutação, é praticamente impossível fazer uma projeção de negócios com duração de 5 anos, por exemplo, porque esse período é suficiente para que grandes mudanças aconteçam. Para mim, essa rotação frenética sempre existiu, mas acredito que a maneira exponencial com que a tecnologia avançou fez tudo ficar ainda mais veloz. Endosso a Lei de Moore, afirmando que, a cada dois anos, toda capacidade tecnológica de um dispositivo eletrônico dobra o seu potencial reduzindo o seu custo pela metade. Ao colocarmos isso numa escala, o 0,01 se torna 0,02. Quando ele vira 1, o 1 vira 2, que vira 4, que vira 8, que vira 16 e assim por diante. Atingimos essa escala agora, pois a aceleração é mais rápida, pois deixou de ser fracionada. E não se pode negar que a tecnologia tem muita influência sobre o ser humano, vide nosso lema, da Dojo, em que vivemos num mundo hiperconectado. Se pegarmos a pirâmide de Maslow, que é um conceito utilizado para explicar melhor as necessidades humanas, a internet tornou-se uma necessidade básica hoje, ela é como energia, ninguém vive sem ambas, ninguém mais consegue viver desconectado, o mundo atual nos faz mais acelerados. E não se pode negar que, por causa disso, há pessoas mais preguiçosas, mais ineficientes e menos cultas, porque as máquinas acabam decidindo o que e quando consumimos algo. Também toda essa análise se encaixa nos estudos de pessoas.

Dizer que a propaganda acompanha essa velocidade é muito complexo e não se pode afirmar que sim nem que não, já que cada país tem uma característica diferente. Os europeus gostam muito do non-sense, e saber que uma propaganda de um gorila tocando bateria fez muito sucesso por lá já se justifica. Já o brasileiro adora um humor, um jingle que grude em sua memória. Antigamente a propaganda era puro entretenimento, tanto que era muito fácil não se lembrar de seu propósito, facilmente você se esquecia de que estava diante de um anúncio. Isso mudou um pouco, as propagandas ficaram mais pragmáticas e muito mais orientadas ao resultado. E existe um fator humano nisso tudo, a baixa aceitação de humor nas campanhas, os consumidores começaram a achar menos graça nas coisas, ficaram mais chatas. Hoje, se falarmos sobre o ‘baixinho da Skol” soaria como uma ofensa. Como podemos nos dias atuais abordar esse tema? Seria um fracasso. Ou se retomarmos o icônico “Bonita camisa, Fernandinho”, o funcionário que se vestia tal qual seu chefe, hoje seria um desastre. Também o lendário “Meu primeiro sutiã”, teríamos um entrave com as feministas mais ferrenhas, que certamente abordariam o fato de que esse gesto não representaria todas as mulheres. É uma lógica explícita, a propaganda muda porque as pessoas mudam e as agências, campanhas, têm de se adaptar nesse aspecto. E essa geração, na casa dos 20 anos, vem com um pensamento diferente, eles são mais ligados no mundo, tomam mais facilmente para si as causas latentes, são menos consumistas e mais experimentalistas, eles são diferentes e por isso requer uma rápida e eficaz adaptação na comunicação para atingi-los. Fórmulas prontas às gerações hoje dos 30, 40 ou 50 anos pode ter uma conotação agressiva a eles. Um exemplo, o slogan “Não é uma Brastemp”. A geração eu vivenciou esse slogan tinha uma aceitação menos questionadora, talvez, porque, mesmo que se rotulasse algo que não fosse da Brastemp como ruim, não seria motivo para uma avaliação pejorativa. Hoje, certamente, esse slogan não funcionaria. Nos dias atuais, a preocupação é muito mais no teor da comunicação aos tantos tipos diferentes de pessoas que trazem um imenso potencial de argumentação e de informação, com um talento nato de verbalizar suas opiniões. Diante disso, chega-se à conclusão de que a criação publicitária, hoje, trabalha com uma triangulação do que faz sentido pra marca, o que faz sentido para as pessoas e o que não faz mais sentido para o mundo atual. Começamos a ter outros meios de intepretação dos consumidores a respeito, o que, resumindo, é muito bom, pois sabemos que muitas minorias foram atacadas nesse contexto. As pessoas e seus comportamentos mudam, o que não significa que não possa a voltar tudo como era, porque o ser humano é imprevisível. Um exemplo dessa mudança se vê num programa do SBT, chamado “Cocktail”. Nele, havia mulheres mostrando os seios, e isso hoje com certeza não faria mais sentido, assim como outros com o mesmo viés, como “A Banheira do GUGU”.

A importância do People Map e sua relação com o que se deseja do produto ao consumidor, se não bem elaborada, pode ser desastrosa, por isso é muito importante que se busquem com este conceito as tensões veladas ou tudo o que gera uma tensão, porque, descoberto isso, teremos uma direção. Um exemplo real é o que aconteceu com a Avon, que contratou a Pablo Vittar para ser garota-propaganda de sua revista interna, com uma tiragem mensal de 4 milhões de unidades. E há um fato que poucos têm ciência, a de que a Avon é formada por uma bancada evangélica. O resultado foi desastroso. Quando as revendedoras se apresentavam à porta de suas clientes, carregando essa revista, porque tal periódico é uma ferramenta de venda — dessa vez com a Pablo Vittar na capa — as pessoas pararam de comprar Avon, o que gerou uma reviravolta na campanha, substituindo a garota-propaganda, ou seja, uma atriz da Globo no lugar da Pablo. Quando se olha para o Brasil de hoje, com todas essas bandeiras levantadas, onde as pessoas estão querendo mais espaços diversificados e com um olhar mais atento às minorias e diferenças, acaba sendo um choque incoerente diante desse fato lamentável. Analisando esse fracasso, eu não teria feito a campanha com a Pablo Vittar, porque bastaria olhar para a marca e seu público. Não estou dizendo que não haja consumidores da Avon que estejam abertos a isso, mas possivelmente sejam em menor quantidade do que o contrário. O risco foi grande. E é diferente ter o risco do que ser arriscado. Creio que até 20% de risco é válido, mais do que isso as chances de um desastre são imensas. Toda marca possui um legado. Se a intenção da Avon é inovar, mudar, comece rejuvenescendo sua base. Troque suas consultoras sexagenárias e evangélicas por uma garota descolada, que estudou comunicação, sociologia. A Avon tinha uma pretensão grande, conquistar os millenials e pegaram um dos ícones deles, porém desconsideraram que existe uma transição no meio do caminho. Não se pode ser nem ao céu nem à Terra.

Ainda no conceito do People Map, a Subway lançou um comercial muito criticado, mundialmente. Aliás uma campanha linda, exibindo todos os problemas de decisão que passamos na vida: a escolha da carreira, a escolha da namorada, o momento de casar, de ter filhos etc. Após isso, a cena cortava para um rapaz em frente a um balcão, com a mesma dificuldade em escolher os ingredientes que comporiam o seu sanduíche. O resultado foi desastroso. Críticas de todas as partes, as ações caíram, pessoas foram demitidas e a propaganda foi retirada do ar. Justamente porque julgaram um absurdo comparar os problemas das escolhas da vida com o das escolhas dos ingredientes do seu lanche. Particularmente, eu achei genial, porque o indeciso sempre acentuará sua indecisão em qualquer situação. O indeciso é aquele que, se estiver apertado para ir ao banheiro e vir duas cabines livres, ele vai se borrar inteiro. Não se pode prever esse tipo de reação numa campanha tão bem-feita como essa.

Outro exemplo, dessa vez bem diferente do que vimos até aqui, indo de encontro às reações do público: uma propaganda belíssima, que trazia um astro do futebol americano, Colin Kaepernick. O atleta, conhecido também pelo seu ativismo contra movimentos racistas nos Estados Unidos, durante a execução do hino nacional, antes de um dos jogos, imitou o gesto que os antigos Panteras Negras — uma organização norte-americana socialista revolucionária, formada apenas por negros, nos anos 1960 — faziam, ajoelhou-se e levantou a mão com o punho cerrado. Um gesto típico e característico em retaliação a um episódio racista que ocorreu na NFL. Resultado, Colin foi expulso da liga pela entidade, alegando que a NFL não tinha ambições ou propagações políticas, senão um esporte para entreter os cidadãos. Kaepernick tinha vários patrocínios e foi criticado até pelo presidente Trump. Três meses depois, a Nike, uma das patrocinadoras do atleta, fez uma campanha com Colin protagonizando o filme, sob o slogan “Risk everything”, ou seja, “Arrisque tudo”. Por algo que eu busque, por algo que eu acredite, eu arrisco tudo que eu possa ter. Kaepernick ganhava milhões jogando e arriscou tudo por um movimento racial e perdeu tudo. Houve uma violenta retaliação de pessoas. Houve até quem resolvesse queimar os tênis da Nike e postar essa ação no Youtube. A Nike se posicionou e comprou a briga, lançando tutoriais de como queimar seus tênis. Endossaram a posição de seu representante e desconsideraram o momento de críticas, de quedas de ações etc. Uma semana depois, a Nike reverteu esse ambiente hostil, suas ações começaram a subir e eles retomaram sua posição. Um claro exemplo de People Map, “se querem queimar nossos produtos, vamos ajudar a fazer isso da maneira mais eficaz e fornecer ferramentas para tal”.

As tensões veladas me fascinam e nosso “ultimate goal” é nos conectarmos à cultura pop, fazermos parte dela. Por isso a propaganda no Brasil foi tão forte por muito tempo, haja vista a herança dos inúmeros jargões em nosso dia a dia. Isso é entrar na cultura pop e fazê-la ser enaltecida, para que nós façamos parte da vida das pessoas. Enquanto não se chega a isso, a publicidade está fadada a trocadilhos e a frases pobres. Atualmente, temos de criar entretenimento, criar conteúdo e não ser uma interrupção na diversão das pessoas.

O que acontece hoje em dia, e não se pode ignorar pela sua importância, é que há mais “clusters” de pessoas. Ou seja, pessoas que têm gostos parecidos, interesses em comum, mas não em tudo. A internet conseguiu moldar um conceito que atinja vários tipos de pessoas, usando uma mensagem só. O que faz sentido a pessoas tão distintas e que estas possam se reconhecer mesmo com suas diferenças? Quando isso é solucionado, cria-se uma propaganda segmentada que seja interessante a todos que consomem um mesmo produto. A comunicação certa, no meio certo, com a mensagem certa para um determinado tipo de pessoa. “Meio certo + mensagem certa + local certo = propaganda vitoriosa”. Porque se começou a tratar pessoas como tal e não como grupos de pessoas. Antes, fazia-se uma propaganda e se alcançariam todos os brasileiros. Criava-se um jingle, e todos cantavam, pois a mágica da propaganda era frequência e alcance: repete-se essa informação à exaustão para o maior número de pessoas. A única variável é quanto se consegue gastar com isso. Hoje o guaraná compete com inúmeras bebidas que estão também com vendedores ambulantes nas esquinas, nos faróis, e todos eles estão nas redes sociais. E isso deixa tudo mais democrático, e não se pode negar quanto a internet ajuda a propaganda.

Diante de todos esses casos e da importância do People Map, não há como usar esta ferramenta sem realmente conhecer a quem seu produto se destina E o segredo é exercer o máximo da empatia, é ter certeza de saber como eu seria se eu fosse você.

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