Domingadas #5 — Pílulas de uma volta triunfal

Guilherme Peixoto
Domingadas
Published in
3 min readApr 16, 2018

O futebol profissional, quando jogado sob o sol escaldante das 11h da manhã, certamente traz alguns prejuízos aos atletas. Para torcedores e jornalistas, no entanto, o horário é uma dádiva. De manhã estão todos mais dispostos, não há a necessidade de apressar o almoço e a tarde fica livre para outros afazeres.

Em função disso, tive a ideia de ir ao Independência assistir à estreia do América na Série A do Campeonato Brasileiro, contra o Sport. Acompanhar uma partida do Coelho no estádio é sempre uma experiência interessante. Por isso, resolvi contar em pílulas alguns dos momentos que presenciei no caldeirão do Horto.

Uma bandeira com o rosto de Marielle Franco chamou a atenção de quem compareceu à estreia do América na Série A. (Foto: Guilherme Peixoto)

Futebol e política, uma velha mistura

Nem todos os portões do Indepa são abertos em dia de jogo do América. Os setores superiores só são liberados em partidas de grande apelo, assim como o lado oposto às câmeras de TV. Atrás de um dos gols fica a Barra UNA — composta por jovens que se inspiram no modo argentino de torcer.

Na tradicional rua Pitangui, fica a simpática Torcida Desorganizada Avacoelhada que, apesar do nome incomum, é a principal organizada do clube. A festa dos americanos é enfeitada por bandeiras que carregam, sobretudo, o rosto de grandes ídolos do Coelho, como os folclóricos Jair Bala, Satírio Tabuada e Juca Show.

No meio do emaranhado de bandeiras verdes, pretas e brancas, uma prendeu a minha atenção. Era uma bandeira simples, feita com um pano branco, mas bastante significativa, pois estampava o rosto da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada a tiros no Rio de Janeiro.

A presença de uma homenagem a Marielle me causou uma sensação positiva. Surpreso, comentei com o amigo que me acompanhava sobre o simbolismo daquela bandeira A tal sensação positiva, no entanto, foi logo substituída por uma espécie de apreensão.

Em tempos de ódio e intolerância, não seria difícil ver por ali alguma reação mais exaltada e contrária à presença de Marielle. Os estádios de futebol geralmente são espaços que refletem os comportamentos de uma sociedade cuja insensibilidade é cada vez mais latente. No fim das contas, fiquei aliviado por não ter presenciado nenhum tipo de manifestação negativa ou hostil.

Um mar de crianças

Costumo ver muitos pequenos assistindo aos jogos do América no estádio. Há sempre uma criança americana por influência do pai ou da mãe que carrega consigo um amiguinho, torcedor de Atlético ou Cruzeiro.

Nas últimas partidas da equipe, no entanto, é possível perceber a presença de grupos de alunos de escolas municipais de Belo Horizonte. Misturadas aos torcedores comuns, as crianças podem desfrutar da experiência de ver um jogo de futebol in loco.

Práticas do tipo são fundamentais em um contexto de elitização do esporte. Afinal de contas, não fosse por meio de excursões, os pequenos dificilmente teriam a oportunidade de conhecer um estádio. E, de certo modo, tais idas ao estádio podem fazer nascer futuros torcedores americanos.

O tradicional “camisão” verde e preto deu o tom das comemorações dos gols americanos. (Foto: Guilherme Peixoto)

O mistério dos ternos

Comandado por Enderson Moreira, o América não teve dificuldades para fazer 3 a 0 em um combalido Sport de Nelsinho Baptista. Carlinhos e Serginho, duas vezes, deram forma ao resultado ainda no primeiro tempo.

Com o placar já consolidado, os 45 minutos finais tornaram-se mera formalidade. O América poupava energias, enquanto a bola parecia queimar no pé dos pernambucanos. O jogo não parecia mais tão interessante. Ao meu lado, um grupo vestindo roupas de festa fazia uma grande algazarra.

“Será que vieram direto da farra?”, pensei. Mas eis que, de repente, um dos rapazes começou a vibrar como se comemorasse o quarto gol americano. Seu entusiasmo era acompanhado por palmas vindas dos torcedores ao seu redor.

Era, muito provavelmente, um pedido de casamento bem-sucedido. O mais curioso é que, logo após o provável “sim”, a turma subiu as escadas da arquibancada e se mandou. Provavelmente foram ao Horto apenas para pedir a bênção de Givanildo Oliveira, que mesmo estando no longínquo estado do Pará, tem o seu espírito impregnado nas estruturas do Independência.

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