Domingadas: proposta/manifesto de textos experimentais dominicais, quinzenais, que esperamos sejam demais

Raul Andreucci
Domingadas
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3 min readMar 18, 2018

Como se escreve a crônica de uma partida de futebol? Depende. Do veículo de comunicação para quem se escreve a crônica, de sua linha editorial e do tamanho da cobertura. Do prestígio das equipes envolvidas, se gigantes mundiais, grandes nacionais, coadjuvantes, inexpressivos ou da várzea. Da circunstância que envolve o duelo, se numa rodada de primeira fase de torneio estadual, clássico, mata-mata ou decisão. Da localização do estádio, próximo da Redação, no interior, na altitude ou além-mar. E do dinheiro para custear a logística de deslocamento e, eventualmente, estadia.

Esses fatores, isolados ou combinados, influenciam a decisão de enviar ou não um repórter a campo. A frequência com que alguém é designado para ficar o mais próximo da ação, portanto, vem diminuindo. A maioria dos textos acaba produzido por pessoas a quilômetros da entrada desleal do xerife de um time sobre o azougue rival. Pode-se acompanhar por uma tela, vendo e revendo no replay, por zilhares de ângulos, se foi falta. O calor daquele momento, não. Talvez dê para escutar a vibração dos torcedores mandantes com a atitude temerária, ríspida e, ao mesmo tempo, estratégica, mensagem de imposição de respeito e sinalização de dominação territorial. A troca de olhares enquanto trotam em direção à área, a cuspida ameaçadora no chão, também não. As câmeras não captam tudo, nem sentem ou interpretam.

Em algum ponto da trajetória da crônica esportiva, perdeu-se (o direito, inclusive) ou esqueceu-se (da beleza, aliás) de acompanhar um jogo de perto. E de verdade. Como repórteres de rádio ou TV à beira do campo. O mais próximo possível disso. Seja aonde for. Desde que com o peito aberto, sem conceber teorias antes do que virá a acontecer ou querendo enquadrar situações em clichês; com o coração leve, pronto para deixar as cenas se apresentarem, no campo, na arquibancada antes, durante, depois, com um, dois ou milhares; com os sentidos apurados, pronto para focar no ponto e na hora certa, ao sussurrar dos deuses do futebol no ouvido.

Atualmente, se alguém quiser saber como foram os 90 minutos de uma pelada, está lá, em mais de um site, quase uma peça científica, fria e asséptica, ou, como virou moda, em blocos. Placar, destaque positivo ou negativo, local e as consequências na classificação, no avanço de fases ou mesmo em termos de status para o time ou o treinador e, claro, a descrição, por vezes como episódios separados e nunca ligados a um mesmo acontecimento, de lances perigosos e de gol. Se não há um apelo maior, como um torneio famoso, uma fase decisiva ou alguma peculiaridade e se o leitor não é um aficionado por futebol de forma geral, não vai ler tudo, não vai se interessar. A não ser que seja a crônica do time por que torce. Os colegas que nos desculpem. Só há uma justificativa para isso: os textos andam maçantes, sem graça.

Nossa tentativa aqui, apesar da corneta que acaba de soar, não é desenvolver um método de acompanhamento sistemáticos das crônicas esportivas para analisá-las. Nada de caça às bruxas ou apontar o dedo. Já basta o momento político do país. Queremos experimentar novas formas de contar a história de jogos de futebol. E isso significa experimentar mesmo. Sem interferências em forma, tamanho ou conteúdo. Vamos ao sabor do vento, das possibilidades que pintarem, das ideias que criarmos. Apenas uma regra: viver, de fato, o duelo — o que significa acompanhar do estádio, in loco. O resto é com cada escritor. Quem sabe resgatamos um pouco daquela magia dos domingos, de abrir o jornal e se deliciar com um texto saboroso sobre o jogo que só aquele autor viu, em seu mundo especial e único, capaz de se tornar de todos.

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Raul Andreucci
Domingadas

Editor e Idealizador da @dolores_editora ⚽ 📕 ✍🏼 | Colaborações editoriais com Eita, Grande Área e Ludopédio 🙌🏽 | Jornalista 📰 | Mestre em Sociologia 📓