Domingadas # 3 — O trabalho, a chuva, o desencontro e a bola

Guilherme Peixoto
Domingadas
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4 min readApr 9, 2018

Escreve, edita, finaliza. Corre, volta, confere. “Pode ir”, diz o colega de trabalho. O relógio aponta: são 18h43. Faltam exatos 47 minutos para o início do jogo entre Atlético e os cearenses do Ferroviário, a contar pela 4° fase da Copa do Brasil.

Sair do centro da cidade rumo ao Horto é sempre uma missão árdua. Peço um carro por aplicativo e, mentalmente, calculo o tempo necessário para chegar ao estádio. O motorista é sincero e diz que o GPS aponta complicações no trânsito. “Essas áreas em vermelho estão muito congestionadas”, explica ele, apontando para o celular preso ao para-brisa do veículo.

Tento falar com o meu pai, que estava com os ingressos para o cotejo. Metódico, ele dissera horas atrás que, caso eu não chegasse antes das 19h30 à porta do estádio, entraria sem mim. “Não gosto de perder o começo dos jogos”, ele havia sentenciado, em tom enfático.

Preciso ligar para ele. Avisar que já estava à caminho é o objetivo. Não consigo. Tento de novo, de novo e de novo. Caixa postal. No meio de uma das tentativas, o celular toca. É minha mãe, em casa, querendo saber se vou ao jogo. Digo que sim e ela se surpreende. “Uai, seu pai tinha dito que você desistiu de ir”, exclama. Procuro acalmá-la e falo que ele certamente está me esperando em frente ao Independência.

Desligo o celular e me dirijo ao motorista. “Logo hoje tinha que dar tudo errado”, reclamo. Nem dá tempo dele responder. Ainda estamos na região central de Belo Horizonte e, do nada, começa a chover. A intensidade dos pingos aumenta rapidamente e as marquises começam a ficar povoadas. Nada é tão ruim que não possa piorar.

O rapaz continua guiando o carro e, mentalmente, vou pensando se devo pedir para que a rota seja alterada. Já eram quase 19h10 e ir para a casa talvez fosse mais prudente naquele momento.

Compartilho a minha angústia em um grupo de WhatsApp. Ao mesmo tempo, um amigo diz, por mensagem, que o ônibus do Ferroviário havia chegado ao estádio quase às 19h. “O jogo vai atrasar?”, devolvo, em uma pergunta cheia de esperança que fica sem resposta.

Curiosamente, a chuva se transforma em temporal quando entramos no bairro do Horto. As estreitas ruas que cercam o Independência estão impraticáveis. Alguns indivíduos trajados de alvinegro correm, enquanto outros parecem conformados e procuram abrigos até a chuva cessar. “O seu pai ligou de um orelhão e disse que está te esperando”, diz minha mãe, que ligara novamente. Comemoro discretamente.

É dia 4 de abril, mas as águas de março parecem dar um adeus tardio. A chuva vai passando e, no morro que dá acesso ao Indepa, já é possível caminhar sem a necessidade de sombrinhas ou capas. Peço ao motorista para encostar o carro. Seria bobagem, afinal, fazê-lo seguir até o fim de uma das íngremes ladeiras que rodeiam o Indepa.

Olho para o celular e descubro: são 19h28. O jogo começa em dois minutos. Desço do veículo e aperto o passo em direção ao estádio. Chego ao topo do morro e começo a procurar por meu pai. Grito pelo seu nome, mas não obtenho sucesso. Tento chamá-lo por alguns de seus vários apelidos, mas ninguém responde.

Eis que, num movimento quase involuntário, avisto-o gesticulando e falando ao orelhão. Estou perto o suficiente para ouví-lo dizer “ele chegou aqui” e, automaticamente, encerrar a ligação com minha mãe. “Consegui!”, digo animadamente, ao passo que ele quase me pega pela mão rumo à entrada do estádio.

Epílogo

19h31. Após uma breve luta contra a catraca, pisamos no Horto. De cara, ouve-se uma grande vibração. “O atraso do Ferroviário fez os times entrarem em campo um pouco mais tarde”, penso com meus botões.

Ledo engano. Desfaço a confusão ao olhar para o telão, que aponta: “GOL! Ricardo Oliveira!”. O Atlético, todo de preto, abriu o placar no primeiro minuto de jogo. “Eu avisei que não ia dar a tempo de você chegar”, comenta meu pai. Não ligo, afinal de contas ainda restam 89 minutos de desfrute futebolístico.

Escolho um lugar para sentar e logo pergunto a alguém que estava ao meu lado sobre a jogada do gol. O rapaz relata, empolgadamente, que Ricardo Oliveira aproveitara cruzamento para abrir o placar. Passados alguns segundos, recorro ao celular para conferir as escalações.

Enquanto busco as informações, constato que a assistência havia saído, na verdade, do pé direito do lateral Samuel Xavier. Meu pai duvida do que acabo de dizer, mas um vídeo que logo pipoca nas redes confirma: o contestado camisa 2 foi de fato, o autor do cruzamento. A chuva que caíra alguns minutos antes, então, estava explicada. Tratava-se de um sinal profético, que antecipava a raridade prestes a ocorrer.

Epílogo do epílogo

A vitória do Galo foi construída com naturalidade. Além de Ricardo Oliveira, Otero — duas vezes — e Erik deram forma ao 4 a 0 alvinegro. O terceiro gol, anotado pelo venezuelano, merece destaque especial. Para fazer o camisa 11 ir às redes, o time trocou impressionantes 102 passes, em uma jogada que contou com a participação de 9 jogadores de linha.

Ida da Quarta Fase da Copa do Brasil de 2018 (4 de abril)
Atlético-MG 4 x 0 Ferroviário-CE
Independência / Horto — Estádio Raimundo Sampaio — Belo Horizonte (MG)

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