A arte de rua em umas das cidades de maior visibilidade do país

Donos da Rua
Donos da Rua
Published in
3 min readJun 20, 2018

Desde 2015, Gramado conta com uma legislação para artistas de rua, que ainda gera controvérsias

Lago Negro é local de referência para os artistas de rua. (Imagem: Igor Mallmann)

Igor Mallmann

“Hoje a temperatura está boa, mas esses dias tive que abortar a apresentação: meus dedos estavam congelando”, conta Gabriel Boelter, com o saxofone descansando sobre o peito. Ele é um dos artistas de rua que se apresenta no Lago Negro, um dos principais pontos de visitação turística no município de Gramado.

Tocando em um paradouro de madeira logo na entrada do Lago Negro, com os pedalinhos ao fundo, eventualmente ele recebe a contribuição de algum transeunte. À sua frente, ficam expostos CDs de seu trabalho. Além de se apresentar na rua, também é contratado para tocar em restaurantes, casamentos, homenagens e pedidos especiais de matrimônio.

Ser saxofonista era um sonho de menino, que começou a tomar forma aos 14 anos. Nesta idade, trabalhou como marceneiro, afim de comprar seu primeiro instrumento. Aos 15, fez sua primeira apresentação na Festa da Colônia de Gramado, logo após a criação da Rua Coberta. Hoje, com 35 anos, Gabriel garante que todas as apresentações são gratificantes, independente do local — na rua ou em uma festa.

Gabriel é um dos diversos artistas que se apresentam no local. (Imagem: Igor Mallmann)

“Eu toco essencialmente covers, mas o que gosto mesmo é de compor trabalhos autorais. Meu objetivo enquanto músico é que alguma composição minha chegue em um ouvido certo e eu possa viver com a composição como principal atividade”, explica. Suas principais inspirações vêm da MPB, e, por onde passa, interpreta diversos gêneros da música popular nacional e internacional.

Lei dos Artistas de Rua

Considerado um dos principais destinos turísticos do Brasil, a cidade de Gramado oferece aos artistas de rua a possibilidade de apresentar suas obras a um vasto e diversificado público. Desde 2015, existe uma legislação municipal que visa organizar as atividades nos principais pontos turísticos do município.

No Projeto de Lei 036, aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo prefeito, fica estabelecido que o artista de rua interessado em apresentar seu trabalho deve se dirigir à Secretaria de Cultura do Município para a obtenção de um alvará. Além da autorização, também é permitido que o artista aceite contribuições financeiras do público e comercialize seu trabalho, desde que não aborde ninguém para tal. Não há restrição para a cidade de origem do artista. Mas mesmo em prática, as regras para as apresentações contidas na lei ainda gera debates.

O músico, compositor e produtor musical Roger Coicev também apresenta seu trabalho no Lago Negro. Ele explica que artistas itinerantes já circulam pelas ruas da cidade há mais de duas décadas. Alguns cartunistas e caricaturistas já haviam conseguido autorizações do poder público para ficarem na rua. Ele próprio, Roger, apresentou um projeto de música instrumental ambiente, de um projeto autoral que buscava harmonizar com as belezas naturais do Lago Negro, obtendo a autorização, em 2010, da então Secretaria de Turismo. Isso porque Gramado possuía um Plano Diretor fechado à comércio nas ruas.

Músico Roger Coicev também obteve alvará de licença para realizar suas apresentações. (Imagem: arquivo pessoal)

Foi em 2014 que tiveram início os encontros entre artistas e poder público para elaboração de uma lei municipal. “Já nessas reuniões eu tive a visão de que artistas de fora estavam participando e que poderiam acabar tomando espaço dos artistas locais. Claro que o artista é um ser do mundo, que não conhece fronteiras, ainda mais se tratando de uma cidade que gera tanta visibilidade. Mas acho que é complicado ter muita gente de fora em uma cidade de menos de 40 mil habitantes, com alguns poucos espaços para apresentação”, argumenta Roger.

Por outro lado, Roger também se diz contra o monopólio do espaço por parte de determinado artista. Deve haver, para ele, um equilíbrio e um bom senso para que se diversifiquem as apresentações. Ele também crê que as apresentações devam ser mais de cunho de divulgação e menos comerciais.

--

--

Donos da Rua
Donos da Rua

Das ruas emergem narrativas que merecem ser contadas por 16 estudantes de jornalismo curiosos em descobrir boas histórias. Aqui, você encontra os Donos da Rua.