A rua como liberdade

Willian vive há quatro anos no Viaduto Otávio Rocha, em Porto Alegre, e afirma que a rua tem mais pontos positivos do que negativos

Donos da Rua
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5 min readApr 4, 2018

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Willian, 27 anos, está há quatro anos na rua e, hoje, é um entre tantos a fixarem residência nas ruas de Porto Alegre. (Foto: Artur Colombo)

Por Anderson Guerreiro e Artur Colombo

Ele estava deitado quando começamos a conversar com sua esposa, Débora. Ela sinalizava para os carros que desciam a avenida Borges de Medeiros, em direção à Zona Sul, de que poderiam estacionar ali. A manhã de sábado mesclava 18 graus com chuvas espaçadas, um convite a não sair à rua. Willian e Débora, no entanto, têm na rua não um local de passagem, mas de fixação. O Viaduto Otávio Rocha, conhecido como Viaduto da Borges — um dos pontos mais fotografados de Porto Alegre -, é, para o casal, local de moradia.

O colchão de solteiro onde dormem fica sob um pedaço de madeira, formando o padrão de abrigo de quem vive na rua e, especialmente, naquele viaduto. Uma poltrona cinza e uma cadeira de plástico amarela, além de um fogareiro improvisado, ajudam a preencher os cerca de três metros quadrados em que passam os dias. Naquela manhã de sábado, 14 barracas estavam armadas nos dois lados do viaduto. O vento e a chuva fizeram com que muitos não saíssem de dentro delas.

Débora não queria deixar a guarda do estacionamento da avenida. Continuou, durante todo o período em que ali estivemos, tentando atrair novos veículos e correndo atrás daqueles que estavam saindo na esperança de receber algumas moedas. Esta é a principal fonte de renda do casal, além das doações feitas por pessoas que cruzam o viaduto. Segundo as regras definidas para a “exploração” do local, eles podem trabalhar no viaduto por cinco horas diárias. Outro período fica com um tio de Willian e sua namorada.

Willian se levanta e aceita conversar conosco. Conta que tem 27 anos e está há quatro na rua. “Pra mim a rua é liberdade, é poder ir onde eu quiser, usar o que eu quiser, não ter hora pra dormir, não ter hora pra acordar”, afirma. A parte ruim é a violência, segundo ele, tanto da polícia quanto de pessoas que simplesmente não os toleram. “Mas a rua tem mais coisa boa. Eu não faço mal pra ninguém, pra ninguém fazer mal pra mim”. Willian já passou por abrigos da prefeitura, inclusive quando menor de idade, mas hoje não os frequenta mais.

Um desses abrigos, contudo, abriga Riana, filha do casal. Ela nasceu no dia 22 de setembro de 2017, às 14 horas, no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre. O nome homenageia a cantora Rihanna. Willian tem, além dela, um filho de nove anos, que mora com uma de seus irmãs na Zona Norte de Porto Alegre.

O Viaduto da Borges funciona quase como um condomínio. Há moradores de ambos os lados e regras definidas a seguir. O tamanho das barracas e demais pertences não podem, por exemplo, ultrapassar um limite pré-estabelecido a ponto de impedir a passagem dos pedestres. Os espaços também devem ser limpos e esta é uma das preocupações de Willian. Segundo ele, nem todos seguem as normas, fixadas no bom senso e não em leis propriamente ditas.

A Prefeitura de Porto Alegre já afirmou publicamente, através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Esporte, que estuda um plano de ação mais amplo para o caso das pessoas em situação de rua. Em dezembro de 2016, no final da gestão de José Fortunati, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana, o DMLU, realizou uma ação de “higienização” do Viaduto da Borges. Quem ali estava teve de sair às pressas e os pertences que não conseguiu levar, como colchões e móveis, foram jogados em um caminhão de lixo. Willian estava no viaduto naquela tarde e recorda que “no outro dia a gente estava de volta porque não tinha pra onde ir”.

Willian e Débora não têm planos. Vivem, unicamente, dia após dia. No entanto, acompanham processos de auxílio que chegam, principalmente, da Defensoria Pública. Enquanto nada muda em suas vidas, os prazeres são buscados em coisas simples, como algumas idas à Cidade Baixa e, claro, visitas à filha Riana. E o Viaduto da Borges, para a maioria mero local de passagem, se fixa, para eles, como local de abrigo e sustento.

Viaduto Otávio Rocha, no Centro de Porto Alegre, é um tradicional ponto de fixação de pessoas em situação de rua. (Fotos: Artur Colombo)

Comentário dos repórteres:

Nosso objetivo, ao irmos para o Viaduto da Borges, não foi o de expor, ainda mais, quem lá vive, jogando luz sobre aspectos que já são amplamente difundidos pelos mais diversos meios. Ao contarmos a história de Willian, através desta breve matéria e do vídeo, procuramos não direcionar a pauta estritamente para o viés negativo de se estar na rua. Quando estipulamos uma separação entre nós e eles e, automaticamente, nos projetamos num local de superioridade, caímos num perigoso espaço de objetificação da vida alheia como mero case a ser contado e explorado.

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