Brasileiros por escolha

Mais do que buscar melhores condições de vida, a migração permite que as pessoas possam ser protagonistas de suas próprias histórias

Donos da Rua
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5 min readJun 27, 2018

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Venda de aparelhos eletrônicos é um dos meios de buscar melhores condições de vida. (Imagem: @Maria Carolina de Melo)

Por Lorenzo Panassolo e Maria Carolina de Melo

Logo pela manhã o sol apareceu timidamente prenunciando que a tarde do dia 2 de junho seria um sábado típico de outono. Ideal para assistir uma partida de futebol ou fazer compras pela cidade. Quem optou pelo primeiro programa, não encontrou no Estádio Passo D’Areia uma partida do São José, mas sim os jogos da Copa dos Refugiados. Por meio da paixão pelo futebol, o evento buscou integrar as nações e tornar os migrantes protagonistas de suas próprias histórias. Justamente isso é o que a rua também provoca na vida das pessoas, seja aproveitando um final de semana em compras ou ocupando uma calçada com produtos expostos para venda.

Encostado em um parquímetro da Avenida José Loureiro da Silva, em Gravataí, o senegalês Babakar Niang, 27 anos, aguardava que algum interessado comprasse uma roupa ou aparelho de som. “No sábado venho para Gravataí até às 17h, pois rende mais. Durante a semana o movimento em Sapucaia é muito bom”, explicou o morador da cidade, que vive no Brasil há dois anos.

Entretanto, não é sempre que você encontra Niang pela região metropolitana de Porto Alegre. Em determinados períodos, ele precisa retornar para sua cidade natal Touba, no Senegal, pois ainda não está regularizado no Brasil. Apesar da situação, ele não vê problemas em transitar a todo momento entre os dois países. “Visito a família, tenho pais, irmão e irmã, mas é muito cara a passagem: três mil reais por pessoa”, reclamou.

O trilíngue tímido — fala português, francês e wolof — não insiste quando um cliente lhe pergunta os preços dos moletons, calças ou cadarços. O que deseja mesmo é estar trabalhando, pois, segundo ele, não tem oportunidades em seu país. Esperar por uma venda ou pela regularização dos documentos não fazem Niang admirar menos o Brasil, ao contrário. “Eu gosto de tudo!”, exclamou fazendo menção às festas e comidas típicas brasileiras.

Legenda: Além das roupas, Babakar Niang também vende aparelhos eletrônicos. (Imagem: Maria Carolina de Melo)

Poucos passos depois, conhecemos o senegalês Balla Dione, 25 anos, proveniente da capital Dakar, que tem uma risada muito mais aconchegante que os caóticos sons dos centros urbanos. “Eu saí de lá para trabalhar e ajudar a minha família. Ficaram o meu pai, irmãos, esposa e a filha de cinco anos”, contou com saudades. Porém, depois de quatro anos migrando, Dione conseguiu o visto e sua vida se tornou mais fácil. “Posso ir e voltar mais tranquilo”, disse.

Atualmente o seu endereço é o tradicional Centro Histórico de Porto Alegre. Em seu novo endereço, a vida boa e as novas amizades o fazem se sentir em casa: “Eu sou gaúcho e gremista!”. Conversar com novos amigos, jogar bola quando possível, comer churrasco e trabalhar na rua é o que mais destaca como positivo no Brasil.

Legenda: A alegria e amor de Dione pelo Brasil superam as dificuldades de uma migração. (Imagem: Maria Carolina de Melo)

Conterrâneo de Balla Dione, Mohamed Dia, 24 anos, trabalha como comerciante na Avenida Getúlio Vargas, em Porto Alegre. Ele escolheu o país verde e amarelo há três anos, mas ainda não conseguiu o visto permanente, pois precisa comprovar que possui residência fixa ou trabalho remunerado durante quatro anos. “Esse é o maior problema que os migrantes enfrentam no Brasil e é muito difícil conseguirmos a autorização para morar legalmente e voltar para a nossa cidade quando quisermos”, explicou.

Enquanto isso, Dia vive com outros cinco migrantes em um apartamento na capital e levanta todos os dias às 6 horas da manhã para trabalhar. Assim, ele pode enviar dinheiro para a família que ficou no Senegal. “Vendo tênis, eletrônicos, relógios, óculos de sol e até mochilas”. Quando questionamos sobre estar na rua como comerciante, afirmou que assim consegue juntar muito mais dinheiro. “As pessoas querem saber porquê a gente fica nas ruas. Para mim, é melhor trabalhar desse modo, pois recebo por dia e consigo administrar, guardar e gastar no que preciso”, declarou.

Impressões sobre o Brasil

Em dados momentos da história, podemos ter a impressão que o Brasil é um lugar de fácil acesso aos migrantes. Porém, segundo o pesquisador Dr. Efendy Maldonado, “o fato é que no país as legislações de controle, repressão e vigilância não têm os graus de exclusão de normativas como as estadunidenses. Então, isso serve para que os setores xenofóbicos das elites conservadoras fabriquem discursos sobre as supostas facilidades de ingresso para os migrantes”, afirmou.

Legenda: O movimento para o Brasil nos séculos. Fonte: Dr. Pesquisador Efendy Maldonado. (Imagem: Lorenzo Panassolo em Infogram)

Se pensarmos em nossos primeiros ancestrais, todos somos migrantes, reflete Maldonado. Também destaca a diversidade cultural dos povos muito vista em pesquisas da área. Entretanto, é pouca valorizada por causa do etnocentrismo difundido especialmente pelos meios de comunicação, elevando o modo de vida americano como sinônimo de modernidade e sucesso. “As coberturas jornalísticas dos grandes meios comerciais apagam as diversas qualidades do processo migratório e salientam sistematicamente aspectos negativos”, ressalta como sendo um gerador que prejudica a convivência entre as várias culturas, assim fortalecendo preconceitos.

Entretanto, o pesquisador enxerga um aumento no número de pessoas flexíveis, abertas ao diálogo e cidadãs. Consideramos nesse contexto, por exemplo, os amigos mencionados por Balla Dione, que o fizeram sentir-se muito abraçado pelo país. O brasileiro por escolha reconhece. “E eles (brasileiros) gostam muito de nós, da migração e dos que entram e ficam na rua para trabalhar. Eu adoro e amo o Brasil!”.

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