Mesma crise, mesma saída

A recessão econômica recente do Brasil inflou o número de motoristas em plataformas como a Uber

Donos da Rua
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5 min readApr 24, 2018

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Motoristas de aplicativos geralmente têm rotinas de 12 horas de trabalho diárias. (Imagem: Anderson Guerreiro)

Por Anderson Guerreiro e Artur Colombo

N a tarde do dia 19 de novembro de 2015, quem circulava por Porto Alegre passava a ter mais uma opção de transporte. Alvo de polêmicas em outras cidades onde já operava, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, o Uber era, a partir daquela quinta-feira, parte do cotidiano porto-alegrense. Hoje, são mais de 100 cidades brasileiras atendidas e cerca de 500 mil motoristas cadastrados, segundo a própria plataforma. A crise econômica, que acarretou em milhões de desempregados, fez com que muitos cidadãos passassem a transportar estranhos em seus próprios carros.

Celso Machado, Sandro Sena e Paulo Sérgio Silva são três deles e os encontramos nas ruas de Porto Alegre na manhã do dia 12 de abril, uma quinta-feira de sol. A rua passou a ser não apenas local de passagem para eles, mas, também, de sustento. Dois anos e meio após as primeiras corridas na capital gaúcha, a demanda cresceu junto à oferta de motoristas. A empresa tem como política não divulgar o número de parceiros por cidade.

Míni-documentário feito a partir das conversas com Celso, Sandro e Paulo. Suas histórias, anseios e preocupações estão neste vídeo. (Imagens: Artur Colombo | Entrevistas: Anderson Guerreiro | Edição: Victoria Lima)

Celso Machado, 48 anos, está quase desde o início na plataforma. Com cabelo e barba já brancos e fala mansa, ele costuma trabalhar de 10 a 12 horas na rua. Deixou para trás a ocupação de representante comercial e passou a ter no transporte de passageiros seu ganha-pão. “Vim pra plataforma e criei uma metodologia de trabalho. Eu já vinha de um trabalho autônomo. Então pra mim foi fácil essa adaptação”, afirma. Dirige de maneira tão calma quanto fala. Dificilmente excede os 50 km/h. Olha atento aos três retrovisores e diz que a pressa no trânsito nunca é sua.

Sandro Sena, 46 anos, era motorista do Uber há duas semanas quando o encontramos. De volta a Porto Alegre depois de seis anos morando em Guaporé, na Serra, ele tenta se adaptar novamente à rotina estressante e rápida da Capital. O filho, de oito anos, passou recentemente por uma cirurgia no Instituto de Cardiologia de Porto Alegre. A decisão da mudança ocorreu devido à recuperação da criança e às constantes consultas que compõem o pós-operatório. O Uber foi a saída para Sena, que atuava na área de segurança. Destaca a insegurança como o principal problema enfrentado nas 12 horas que costuma ficar nas ruas. A experiência como vigilante lhe dá, atualmente, condições de compreender possíveis situações de risco, como ele mesmo narra. O saldo, no entanto, é positivo. “Os clientes que sentam aqui, se conversam comigo eu converso. Se a pessoa tá aí concentrada… o meu papel é levar a pessoa de um destino ao outro. Quem trabalha com o público sabe: tu pega de A a Z de perfis”, pondera Sena.

Paulo Sérgio Silva, 45 anos, tem dupla jornada. Em paralelo à atividade como motorista do Uber, atua como vigilante. É uma forma de complementar a renda, diz. Na mesma linha de Sena, ele reclama da segurança. Diz que ter dupla jornada não é problema porque sempre o fez. “O problema todo são esses assaltos”, afirma. A crise econômica também é elencada por ele como principal motivo para a entrada na plataforma da Uber. Queixa-se de ficar longe da família, “mas é o jeito”. Silva está há um ano e meio percorrendo as ruas de Porto Alegre e cidades próximas como motorista. Além da insegurança, sua crítica também se destina à infraestrutura das ruas. A situação está crítica em todos os bairros, segundo ele. Sobre o perfil de quem entra no seu carro — adquirido no final do ano passado e com quatro parcelas pagas, o que motiva o ritmo intenso ao qual se submete -, ele concorda com seu colega: “todo tipo de perfil, não tem um certo. A gente pode estar aqui no Centro, daqui a pouco estar em Novo Hamburgo, daqui a pouco em alguns bairros mais precários na situação de violência”, adverte.

Celso Machado atua há dois anos e meio no Uber. (Imagem: Anderson Guerreiro)

Machado, Sena e Silva têm em comum, além das idades próximas, a crise econômica como fio condutor que os levou até o Uber. Nenhum deles tinha trabalhado, até então, como motorista. A necessidade os obrigou a colocar pessoas estranhas em seus carros e levá-las à locais desconhecidos. O representante comercial e os dois vigilantes compõem uma grande roda que mescla a crise com novas formas de locomoção nas médias e grandes cidades. Os hábitos se transformaram de maneira rápida e transportes públicos tradicionais, como ônibus e táxis, caíram em desuso em determinadas situações. A grande demanda compensa, de certa forma, a relação de trabalho precarizada. Não há direitos trabalhistas para quem atua nos aplicativos e toda e qualquer manutenção que o veículo exija deve ser custeada com o valor arrecadado pelas corridas. A Uber, pelo uso da plataforma, fica com 25% de quem atua na categoria UberX, a que abrange a imensa maioria dos motoristas.

Estes três motoristas são um reflexo de uma parcela da sociedade afetada por uma recessão econômica e que são levados a trabalhar em uma nova forma de economia para continuar vivendo e mantendo um padrão de vida minimamente estável. Apesar da violência, da rotina, ou até mesmo do custo, assim como Machado, Sena e Silva relatam, existem muitos outros trabalhadores levados a reinventar suas formas de renda e que acham nestes novos tipos de prestação de serviços uma saída para se manter inseridos em uma sociedade moderna.

Celso, Sandro e Paulo na manhã do dia 12 de abril em Porto Alegre. (Imagens: Anderson Guerreiro)

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