Você só pode quando realmente quer

dooType
dootype
Published in
5 min readMar 2, 2017

por Gustavo Soares

Here we go again. Palco da segunda edição do What Design Can Do, São Paulo 2016. Foto Caddah-Mutato-Desquina

A decoração e gráficos verde-amarelo saltavam no ambiente ainda à meia-luz do auditório. Nas fileiras, as poucas cadeiras vazias iam sendo ocupadas na medida em que o inglês britânico de David Kester (presidente da consultoria David Kester & Associates e antigo diretor executivo do Design Council na Inglaterra) e o português bem brasileiro de Vanessa Queiroz (sócia do Estúdio Colletivo e IdeaFixa) anunciavam o que estava por vir: uma maratona de ideias, projetos e iniciativas com potencial de endereçar grandes questões sociais e culturais – tudo sob a perspectiva do “design”.

Na plateia, atentos e cheios de expectativa, estavam estudantes, professores, empreendedores, arquitetos, fotógrafos, jornalistas, alguns curiosos e, claro, designers – das mais variadas áreas. Talvez os únicos vindo do type design (desenho de fontes, tipografia) éramos eu e meu sócio Eduílson Coan, da dooType. Com certa angústia, eu trazia questões que deveriam estar na cabeça de muitos: o que a gente pode fazer? Como se manter nesse lugar onde trabalho e diversão se misturam e não é possível saber qual é qual? Como estruturar isso de forma financeiramente sustentável? Foi com essas e outras questões que os participantes do What Design Can Do São Paulo 2016 (O que o design pode fazer) assistiram a palestras, pocket shows, participaram de workshops e socializaram nos dias 13 e 14 de dezembro, na FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado.

Denominador Comum

Ao todo, 15 “designers” subiram ao palco para dividir seus projetos e ideias. Nada era pequeno. Muito pelo contrário. Falou-se, dentre outros, da marca e abertura dos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro, projeto que rompe barreiras do branding tradicional; de duas torres residenciais que abrigam uma “feira” inspirada nos mercados espanhóis no centro de Rotterdam – o Markthal, que virou até ponto turístico com direito a inauguração pela realeza; e de ativismo social relacionado à mobilidade e crise dos refugiados. Ou seja, projetos de “design” que passam na TV, em cadeia nacional.

¡Mira es el Markthal! Feira inspirada nos mercados espanhóis entre duas torres residenciais em Rotterdam. Foto Franklin Heijnen

Esses projetos têm grandes equipes por trás, muitos têm bons recursos financeiros e interesses comerciais. Outros, não menos importantes, são mais autorais, com poucos recursos e baixo ou nenhum interesse comercial. Ainda assim, o que eles têm em comum é um obstinado à frente capaz de transformar inspiração em ação, capaz de ressignificar dificuldades e problemas ao longo do caminho, capaz de atrair outros obstinados e perseverar. Quando os projetos são apresentados no telão tudo parece lindo, mas nas breakout sessions (workshops), onde era possível um contato mais próximo com os palestrantes, ficou claro que o resultado é lindo, já o processo nem tanto.

O que te move

Com tantas realizações dignas de Prêmio Nobel, categoria design, duas participações destoaram. Sam Bompas, da Bompas & Parr, subiu ao palco para falar sobre esculturas de gelatina, sobre cozinhar bacon com plasma e “fritar” vodka com relâmpago. Era um papo sobre prazer, luxo e “experience design”. Logo no início Sam deixou claro que sabia o quão delicado era falar sobre luxo em uma conferência que busca saídas criativas para graves crises sócio-culturais e ainda assim saiu por cima. Nem tanto pelos projetos, nem tanto por explodir um cesto de lixo cheio de Cheetos azul com nitrogênio líquido em pleno palco, mas por declarar na principal tela da sua apresentação “Create wonder by its own sake” (crie fascínio pelo fascínio em si). Não é preciso muito para notar que esse é o mantra do Sam, o que move ele. Além de tudo, Sam pode até ser um excelente ator, mas ele parece agir genuinamente desse lugar de encanto, de maravilhamento, de fascinação.

“F*ck!”, Sam Bompas explode o cesto de lixo cheio de Cheetos com nitrogênio líquido. Foto Caddah-Mutato-Desquina

O outro contraponto foi protagonizado pelo rapper Rico Dalasam em dois pocket shows. De macacão preto, pele negra, cabeça raspada de um lado, longas mechas do outro e batom vermelho não tinha como passar batido. Dalasam, gay assumido, teve a primeira participação sem muito envolvimento da plateia, mas acabou colocando o auditório para dançar e também saiu por cima – até a tradução para libras, linguagem gestual para surdos, foi embalada pelo rapper. No auge daquele momento de entretenimento, o telão projetou o clipe de um de seus hits, Aceite-C. Para Rico, se aceitar é a condição de existência da sua arte, assim como aceitar o luxo é condição para a arte do Sam, assim como aceitar Senegal é a essência da arte da jovem estilista Selly Raby Kane, principal palestrante do primeiro dia. A questão da aceitação da inspiração, na verdade, esteve de certa forma presente em todas palestras. Em maior ou menor grau, todos pareciam conectados e tranquilos com aquilo que os movem.

Esse close eu dei. Rico Dalasam surpreende e coloca o auditorio para dançar. Foto Caddah-Mutato-Desquina

Da inspiração para ação

Sam, Rico e Selly, talvez por serem os mais jovens, tinham também um outro fator de destaque. É mais fácil se identificar com eles. Apesar do sucesso, a carreira ainda está no começo. Os grandes nomes, quando sobem ao palco, apresentam tantos projetos galácticos, tão distantes da realidade do espectador médio que a conexão não é simples. Os sintomas disso vêm nas perguntas do auditório: “como você ganha dinheiro?” e “é possível viver disso?”, ou nos comentários clássicos do fundão como “ah, mas é Europa, no Brasil não dá”. Talvez, quando a inspiração vem de um contexto mais próximo do espectador, existe uma disposição maior para ação.

O What Design Can Do São Paulo 2015 também colocou grandes nomes no palco. Estiveram lá Stefan Sagmeister, Rick Poynor, Alex Atala e Marcelo Rosenbaum entre outros. Ainda assim, a segunda palestra mais bem avaliada foi a do designer independente carioca e professor da graduação da PUC-RJ Fabio Lopez, apenas atrás do mundialmente aclamado Sagmeister. Na entrevista que fizemos com Fabio para o ttX – The Type Experience (evento sobre tipografia e uso de fontes) ele creditou esse sucesso não só aos bons projetos. “Sou um cara como os outros que estão ali, mas eu peguei dois anos da minha vida e me dediquei para fazer um projeto especial”.

Demorô, é agora. Fabio Lopez e o projeto mini Rio na segunda palestra mais bem avaliada do What Desin Can Do São Paulo 2015 — apenas atrás do superstar Stefan Sagmeister. Foto José de Holanda

Profissão, expressão e resultado

Praticamente todos que dividem suas experiências no evento inspiram porque alcançaram um equilíbrio poderoso entre realização pessoal (propósito, dedicação) e realização profissional (dinheiro, reconhecimento). É interessante notar que na maioria dos casos o caminho de maior sucesso foi da expressão pessoal para a expressão profissional.

No final das contas, a mensagem mais forte do What Design Can Do não é tanto o que se pode fazer com design, mas a força de realização que existe quando se quer fazer algo de verdade.

Gostou? Comente e siga a gente no Twitter e Instagram

--

--

dooType
dootype
Editor for

We create moods with shapes. Shapes that form letters. Letters that help you tell your story.