Um dia de terrorista em Israel

Alex Correa
Dormi no Aeroporto
Published in
4 min readAug 13, 2015

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Um amigo meu me disse uma vez que, no mercado negro de passaportes, o brasileiro é o que tem mais valor: como a gente veio de tudo quanto é canto, ninguém precisa ter uma aparência física específica para se passar por tupiniquim. Ser brasileiro também conta muitos pontos no dia a dia em um país estrangeiro, de uma forma geral, já que não estamos em guerra com ninguém e somos mundialmente conhecidos como um povo bem festivo (o combo carnaval e caipirinha é infalível, a gente sabe). Na Espanha, já bateram palmas quando eu disse ser do Brasil; na Palestina, um cara quase chorou dizendo que o sonho dele é morar lá.

Considerando tudo isso, eu não estou muito acostumado com dificuldades na hora de passar pela segurança de aeroportos. Uma vez, no Canadá, ficaram intrigados e me confiscaram na salinha: o ponto principal deles era que, se um produtor de eventos está saindo do Brasil justamente durante a Copa do Mundo, quando os negócios deveriam estar indo de vento em popa, ele deve estar mentindo sobre alguma coisa.

Na entrada de Israel, não se importaram muito comigo: "onde você vai ficar?", "por quanto tempo?", "que troço é esse de Airbnb?", "bem-vindo a Tel Aviv". Até os soldados gostavam de mim e puxavam papo no trem, no ônibus, enquanto seguravam um rifle carregado. Sussa.

A coisa começou a complicar no checkpoint que divide a Palestina e Israel ao norte do território. Cheguei adiantado, vinte minutos antes da abertura dos portões, e o tédio me disse que seria uma boa ideia fazer umas fotos enquanto eu esperava. Por mais que fotografar uma área de segurança máxima não seja uma das ideias mais brilhantes que eu já tive, eu tive uma dose de astúcia para checar se havia algum soldado por perto. Eles não estavam lá, mas a minha câmera estava, e eu a levei para um passeio.

Três fotos depois, um palestino que não devia ter mais de 13 anos atravessou a estrada gritando “no photos, no photos!” até tentar pegar a câmera da minha mão. Sem falar inglês, ele queria me levar para algum lugar e eu dizia que não, até me ver cercado por dez pessoas que apareceram através de um buraco negro no espaço-tempo especificamente para gritar comigo em árabe. Eu não estava muito confortável, por assim dizer, mas quando alguém finalmente falou que “o capitão quer te ver” em um inglês arrastado eu suspirei aliviado: eu só tinha violado uma das leis básicas de segurança da fronteira. Ufa.

O capitão me esperava em um canto do muro que divide os dois países. Ele me perguntou de onde eu vinha, fiscalizou meu passaporte e pediu para eu apagar as fotos. Ele anotou meu nome e o do Sam, um amigo americano que até então estava em algum outro canto fazendo vídeos da travessia sem ser notado.

Depois de passar por catracas, detectores de metais e portas numeradas, finalmente fomos barrados na segurança. Era óbvio que isso ia acontecer. Dois guardas de quipá nos levaram até o fim de um corredor para fazer mais perguntas: onde estivemos na Palestina, se temos família lá e se pretendemos fazer algum ataque contra Israel, entre outras perguntas fáceis de responder, mas que fazem a boca tremer e parecer que você está mentindo muito, muito mal. Quarenta minutos depois de cruzar a primeira porta da fronteira, estávamos do outro lado.

Fiz algumas buscas no Google para descobrir se existe algo como uma lista de suspeitos que valha não só na fronteira da Palestina, mas também no aeroporto de Israel — eu definitivamente não queria passar por aquele stress de novo. A conclusão foi de que eu conseguiria sair do país sem problemas, ufa. Mas daí vem o vacilo número dois: depois de descer no terminal errado do aeroporto, perdi trinta minutos para chegar no lugar certo — um tempo precioso que decide se você vai entrar na aeronave ou gastar uma fortuna pra comprar um novo ticket.

O que eu não sabia, porém, é que um atraso no aeroporto de Israel tem o potencial para virar uma bola de neve: “você está atrasado porque precisou pegar algum objeto explosivo no caminho para cá?” foi uma das perguntas que precisei responder para um segurança. Depois de passar pela primeira sessão de perguntas veio uma outra pessoa, e depois uma outra para confirmar tudo o que eu havia dito. No detector de metais, precisei esperar o chefe de segurança vir me liberar pessoalmente e fiscalizar a minha bagagem de mão. Meu computador passou pela esteira 10 vezes, e depois por uma revista manual para garantir.

Eu corri, corri, corri mais um pouco e cheguei no portão na hora certa. Havia uma confusão no balcão da Pegasus, a companhia que seguia para o meu próximo destino: algumas malas foram despachadas com as etiquetas trocadas e uma delas era a minha. A mala rosa de uma israelense chamada “Morag” foi substituída pela minha, que me chamo “Moraes”. E, depois de toda uma bateria de perguntas para garantir que eu não era um risco para a humanidade, a mala de Morag aterrissa completamente revirada em Istanbul, enquanto a minha, Moraes, desfila como nova na esteira de bagagens.

Não foi dessa vez que vocês me pegaram.

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