Era uma casa muito engraçada…

Renata Ramos
doze34
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3 min readDec 15, 2017

…não tinha teto, não tinha nada.

Por trás das paredes que revestem o centro da cidade de Canoas, existe um outro mundo. Um mundo que não é visto por todos, que é ignorado. Um mundo onde não há glamour, nem riqueza, pelo menos não em dinheiro. Um lugar onde o sorriso no rosto é a maior forma de demonstrar força.

Não há números exatos atualizados sobre a quantia de moradores de rua, mas segundo pesquisas realizadas pelo jornal “O Timoneiro” em Junho de 2015 foram atendidas 68 pessoas dessas, 62 eram homens e as outras seis eram mulheres. Os atendidos se encontram na faixa etária entre os 18 e os 39 anos, porém 15 homens têm idade entre 40 e 59 anos. Entretanto duas mulheres atendidas possuem mais de 60 anos. De 68 atendidos apenas 28 eram moradores de Canoas antes de se encontrarem em situação de rua e sete possuem deficiência física ou mental.

Gráfico de moradores de rua atendidos pela prefeitura

Muitas pessoas passam pela avenida Victor Barreto todos os dias, mas os olhares se perdem entre as muitas vitrines das lojas e só quem possui um olhar mais aguçado consegue ver aquilo que a maioria ignora. Embaixo da passarela que leva até a avenida Guilherme Schell, bem ao lado do edifício Ipicue, há três camas, cozinha com fogão a gás e microondas, banheiro e um sofá com televisão, uma casa comum, não fosse a localização, que abriga até cinco pessoas.

Pelotense vive nas ruas de Canoas há mais de 13 anos. Imagem: Natalie Oliveira

Morador de rua há mais de 13 anos, André de Araújo, 36, foi quem começou a organizar a casa, conseguiu doações e aceitou que mais pessoas dividissem o ambiente. Natural de Pelotas, ele conta que após um relacionamento conturbado, deixou sua cidade e veio para Canoas morar com a irmã, mas chegando aqui encontrou mais dificuldades do que esperava.

Imagens: Natalie Oliveira; Edição: Renata Ramos

O vício foi o motivo que há quatro anos levou Paulo Ricardo dos Santos, 31, a deixar sua casa e viver nas ruas. Ele conta que decidiu sair de casa por conta própria, mas que consegue ficar limpo e volta para ficar com sua família por alguns dias. Afirma, também, que o pessoal das ruas o ajudou a largar o crack e cocaína. “Antigamente eu era como telefone desbloqueado, recebia tudo. O que vinha eu fumava e bebia. Agora meu único problema é a bebida, mas eu consigo ficar sem beber na hora de trabalhar e quando estou em casa”, relata. Ele faz bicos como cuidador de carros, carpinteiro e pedreiro, além de ajudar na empresa Seasa.

Paulo diz que, apesar da sua condição, possui uma boa relação com seus pais, esposa e filhos — um menino de 5 anos e uma menina de 1 ano e 8 meses –, ele guarda o dinheiro que consegue tirar com seus trabalhos e leva para ajudar seus filhos. Quando perguntado sobre o que gostaria de receber neste natal, ele se emociona ao dizer que só queria que um presente para as crianças: “Eu sou grande, entendo como as coisas são, mas as crianças não, queria poder dar uma roupa para eles passarem o natal”. Ele também deseja que as pessoas possam ser mais compreensivas e entendam melhor a situação dos moradores de rua.

Paulo diz que só gostaria de poder dar um presente para os filhos no natal. Imagem: Natalie Oliveira

Mas compreensão não é a única coisa que eles pedem. O número de ataques e violência contra moradores de rua cresce a cada dia, violência sem razão e motivo, e acontecem geralmente no período da noite em que todos se recolhem para dormir e a segurança diminui. Como nos conta Paulo:

Paulo mostra os cortes feitos pelo agressor. Imagem: Natalie Oliveira

Texto de Natalie Oliveira e Renata Ramos

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