Era uma casa muito engraçada…
…não tinha teto, não tinha nada.
Por trás das paredes que revestem o centro da cidade de Canoas, existe um outro mundo. Um mundo que não é visto por todos, que é ignorado. Um mundo onde não há glamour, nem riqueza, pelo menos não em dinheiro. Um lugar onde o sorriso no rosto é a maior forma de demonstrar força.
Não há números exatos atualizados sobre a quantia de moradores de rua, mas segundo pesquisas realizadas pelo jornal “O Timoneiro” em Junho de 2015 foram atendidas 68 pessoas dessas, 62 eram homens e as outras seis eram mulheres. Os atendidos se encontram na faixa etária entre os 18 e os 39 anos, porém 15 homens têm idade entre 40 e 59 anos. Entretanto duas mulheres atendidas possuem mais de 60 anos. De 68 atendidos apenas 28 eram moradores de Canoas antes de se encontrarem em situação de rua e sete possuem deficiência física ou mental.
Muitas pessoas passam pela avenida Victor Barreto todos os dias, mas os olhares se perdem entre as muitas vitrines das lojas e só quem possui um olhar mais aguçado consegue ver aquilo que a maioria ignora. Embaixo da passarela que leva até a avenida Guilherme Schell, bem ao lado do edifício Ipicue, há três camas, cozinha com fogão a gás e microondas, banheiro e um sofá com televisão, uma casa comum, não fosse a localização, que abriga até cinco pessoas.
Morador de rua há mais de 13 anos, André de Araújo, 36, foi quem começou a organizar a casa, conseguiu doações e aceitou que mais pessoas dividissem o ambiente. Natural de Pelotas, ele conta que após um relacionamento conturbado, deixou sua cidade e veio para Canoas morar com a irmã, mas chegando aqui encontrou mais dificuldades do que esperava.
O vício foi o motivo que há quatro anos levou Paulo Ricardo dos Santos, 31, a deixar sua casa e viver nas ruas. Ele conta que decidiu sair de casa por conta própria, mas que consegue ficar limpo e volta para ficar com sua família por alguns dias. Afirma, também, que o pessoal das ruas o ajudou a largar o crack e cocaína. “Antigamente eu era como telefone desbloqueado, recebia tudo. O que vinha eu fumava e bebia. Agora meu único problema é a bebida, mas eu consigo ficar sem beber na hora de trabalhar e quando estou em casa”, relata. Ele faz bicos como cuidador de carros, carpinteiro e pedreiro, além de ajudar na empresa Seasa.
Paulo diz que, apesar da sua condição, possui uma boa relação com seus pais, esposa e filhos — um menino de 5 anos e uma menina de 1 ano e 8 meses –, ele guarda o dinheiro que consegue tirar com seus trabalhos e leva para ajudar seus filhos. Quando perguntado sobre o que gostaria de receber neste natal, ele se emociona ao dizer que só queria que um presente para as crianças: “Eu sou grande, entendo como as coisas são, mas as crianças não, queria poder dar uma roupa para eles passarem o natal”. Ele também deseja que as pessoas possam ser mais compreensivas e entendam melhor a situação dos moradores de rua.
Mas compreensão não é a única coisa que eles pedem. O número de ataques e violência contra moradores de rua cresce a cada dia, violência sem razão e motivo, e acontecem geralmente no período da noite em que todos se recolhem para dormir e a segurança diminui. Como nos conta Paulo:
Texto de Natalie Oliveira e Renata Ramos