Cultura

A Copa de papel

Hábito de colecionar figurinhas do Mundial abrange pessoas de todas as idades. Colecionadores afirmam que a socialização é um dos fatores mais importantes do processo

Drible da Vaca
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Por: Vitor Magalhães e Bertany Pascoal

Colecionar figurinhas da Copa do Mundo é um hábito com quase meio século de idade no Brasil. Por aqui, a prática começou em 1970, ano do tricampeonato brasileiro, e se manteve como uma forte tradição entre os torcedores. Quando se inicia o “ano de copa”, os fãs de futebol podem se divertir e entrar de vez na atmosfera do Mundial, colecionando o Álbum de Figurinhas da Copa do Mundo, que é fabricado pela empresa italiana Panini e licenciado pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

Em 2018, o álbum começou a ser vendido em março, com uma tiragem inicial de 7 milhões de exemplares no Brasil. As figurinhas são vendidas em envelopes com cinco unidades, que custam R$ 2,00. Houve uma grande variação no preço dos pacotes se comparado a última Copa do Mundo. Na edição passada, eles custavam R$ 1,00. A Panini afirma, sem revelar os números, que o Brasil é o país que mais consome os cromos auto-colantes, comprando mais do que o dobro do segundo colocado, a Alemanha.

Em 2014, eram necessárias 640 figurinhas para preencher o álbum, neste ano são 682. Quem quisesse completar, quatro anos atrás, gastaria R$ 128,00. Em 2018, o colecionador precisa desembolsar R$ 272,80, sem contar as repetidas; uma variação de 113% no valor total.

Raísa Martins, estudante de jornalismo da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), está colecionando pela primeira vez. Em outras oportunidades ela quis fazer a coleção, mas não pôde porque ainda era criança e não tinha dinheiro. Neste ano, quando começou a estagiar, soube que poderia enfim comprá-las; mas ficou indecisa devido ao gasto que teria. Mas um amigo a presenteou com o álbum e alguns pacotes.

“Não resisti a tentação, e agora tudo o que eu vou gastar penso: isso daria tantos pacotes”, conta.

O que motiva Raísa a completar o álbum é saber que ele pode durar a vida toda. A estudante afirma que gosta da expectativa de comprar, colar, e de ficar chateada quando encontra as repetidas; para ela, é um sofrimento bom. “Eu cheguei a comprar muitos pacotes e não conseguir as que eu quero, e aí vem a parte legal: de trocar com meus amigos e amigas”.

Foto: Divulgação

Em sua casa, Raísa já conseguiu convencer o seu irmão Enzo, de 9 anos, a colecionar as figurinhas da Copa. Ela conta que o garoto achava o ato de colecionar “besteira”, mas quando a viu com o álbum, se empolgou e pediu ajuda dos pais para começar sua própria coleção. “Dia desses eu estava olhando meu álbum e senti falta de algumas figurinhas, ele tinha descolado pra colar no dele (risos)”. Raísa tem o maior cuidado com o seu álbum, e afirma que é como um troféu. Não deixa pegarem, e só o manuseia na hora de colar as figurinhas.

Socialização

Uma das personalidades que mais ganha destaque nesse período são os donos de bancas de revista, que fazem a alegria dos colecionadores durante a Copa do Mundo. Criaturas que assumem um caráter quase místico nesse processo de venda e troca de figurinhas. “Aqui é direto. Eu num deixo nem elas acabarem mais, faço pedido antes de comprarem tudo, eu evito perder o cliente”, afirma Seu Agripino, de 58 anos, que há 31 trabalha na banca de revistas da praça da Gentilândia, em Fortaleza.

Atrás dele ficam os álbuns em fileira, de frente para quem chega na banca, em um lugar estratégico. Agripino afirma, enquanto encaixota papéis, que os compradores são variados e de todas as idades.

“A idade? Figurinha aqui num tem idade não: é dos 5 aos 80 anos”.

Para ele, o hábito de colecionar figurinhas da Copa é uma febre mundial, e o povo gosta mesmo é de fazer amigos com isso, “É uma coisa do mundo, né? O futebol, a Copa… O pessoal fica trocando as repetidas é na hora que compra, aí na praça, é uma coisa de se socializar com as pessoas”.

Foto: Divulgação

A alguns metros dali, em frente ao Centro de Humanidades III da Universidade Federal do Ceará (UFC), fica a banquinha do Alex. Ele conta que é chamado de “Tio Alex” pelas crianças que chegam para comprar figurinhas. Além delas, Alex afirma que vêm compradores mais velhos; senhores e senhoras com idades que variam entre 60 e 70 anos.

Alex, que tem 29 anos e há dez trabalha no local, já fez vendas “altas” de figurinhas. Vendendo 40 pacotes de uma vez, pelo preço de 80 reais. Diferente de Seu Agripino, ele troca figuras repetidas, além de vender por demanda; as mais raras ou mais desejadas são mais caras. “As douradas; as lendárias; o Messi; o Cristiano Ronaldo e o Neymar são 3 reais, cada. É pelo ‘peso’ da figurinha”.

Para a estudante Thaís Pontes, já disseram que o ato de colecionar figurinhas é hábito de criança, comentário para o qual ela não deu ouvidos. Thaís afirma que o importante é se sentir bem, e o que mais gosta de tudo isso é se relacionar com as pessoas na troca das figurinhas, e ter toda a expectativa de completar o álbum.

“O momento mais empolgante é achar os melhores do mundo, que já tenho os quatro (CR7, Neymar, Salah e Messi) e fico bastante feliz; também a parte de tá completando uma seleção, achar uma figura dourada…”

Para ela, a atmosfera criada pelo álbum acaba sendo divertida até para quem não gosta de futebol.

Francisco das Chagas tem 48 anos, é segurança da Caixa Econômica Federal e há duas Copas — oito anos atrás –, começou a colecionar as figurinhas. Aos que dizem que a prática é infantil, ele afirma que todas as pessoas tem um pouco de criança dentro de si, e sente emoção ao contar que colecionar as figuras é como se fosse uma conquista de algo importante. Chagas afirma que só vai desistir quando encontrar todos os craques, e a do Pelé, que é a que ele mais deseja. “Para mim é como se fosse uma terapia. É uma coisa que faz bem para a minha mente”.

Por que colecionamos?

Para o professor de comunicação e pesquisador da UFC Ricardo Jorge Lucena, a prática de colecionar as figurinhas consegue abarcar variadas idades não apenas pela forte presença do futebol na cultura nacional, mas também pela prática do colecionismo, um ritual de caça e coleta de coisas. Além disso, à interação social que todo o movimento dos fãs promove, desde a socialização com o jornaleiro, até a formação de grupos de pessoas desconhecidas que se reúnem para trocar as repetidas é uma parte importante do processo.

Como as figurinhas são analógicas, elas solicitam um movimento nosso no espaço e com as pessoas de modo face a face. Misturam-se aqui, tanto a caça quanto a interação”, afirma. Para Ricardo, a lógica se baseia no “dar, receber e retribuir”, onde, muito frequentemente, nasce a necessidade de retribuição. “Eu tenho algo que você não tem e vice-versa”.

Para o pesquisador, o que chama a atenção é a busca frenética por figurinhas de diferentes graus de dificuldade, desde as que se repetem sem parar até as extremamente raras. Para ele, isso cria um paradoxo. “Elas se inserem num estranho e paradoxal universo de desejo: se a figurinha é fácil de obter ela perde seu valor, e se ela é rara, também tende a perder o valor depois que a conquistamos… ou seja: o destino da maioria dos álbuns de figurinhas tende a ser o esquecimento, estejam eles completos ou não”, encerra.

Serviço

A Panini oferece um serviço online, através do qual você pode pedir os adesivos para completar o álbum. A entrega demora, pelo menos, 30 dias. Clique aqui e peça os seus.

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Perfil destinado à divulgação do futebol sul-americano. Autor: Vitor Magalhães. E-mail: oficialdribledavaca@gmail.com