A COPA EM VINTE DIAS #02
América do Sul na lama: o “vexame” de 1934
Por que as seleções sul-americanas esvaziaram o Mundial — e como foi a aguerrida participação dos amadores da Argentina
Por: Luciano Rodrigues
Edição: Vitor Magalhães
A final em 1930 contou com a participação de dois times sul-americanos, Uruguai, país-sede e campeão, e Argentina, vice-campeã. Você pode ler mais aqui sobre essa final em resenha excepcional escrita pelo corajoso Leonardo Maia; além delas, outras cinco seleções sul-americanas foram ficando pelo caminho. A participação europeia foi a menor da história, com apenas quatro representantes; contudo, em 1934, a situação foi bastante diferente.
Se no Mundial de 1930 boa parte das seleções europeias deixaram de participar por questões econômicas (A quebra da Bolsa de Valores de Nova York um ano antes e a distância da Europa para a América do Sul foram fatores decisivos), as seleções participantes da Copa do Mundo de 1934, na Itália, foram majoritariamente europeias, com doze representantes.
Em retaliação ao ocorrido em 1930, a maioria das seleções sul-americanas optou por não participar do Mundial de 1934, dentre elas o Uruguai, sendo a única seleção da história a não defender o seu título na Copa seguinte, feito que persiste até hoje, voltando a jogar apenas em 1950. O Peru, que também participaria do certame, desistiu na última hora.
Segundo alguns europeus, a atual Eurocopa, nos moldes em que é disputada, precisaria apenas de Brasil e Argentina para virar uma Copa do Mundo. Pois bem, isso quase aconteceu em 1934. As duas seleções sul-americanas juntamente com Egito e Estados Unidos foram os únicos representantes não-europeus do Mundial, que contou com dezesseis times. Pode-se dizer, então, que tivemos nesta época um esboço de Eurocopa, só que um pouquinho mais incrementada.
Queria destacar algo positivo nesta Copa para os times sul-americanos, mas vou deixar para os próximos textos. Não dá para ressaltar alguma qualidade na participação da seleção brasileira neste Mundial. A Argentina, por sua vez, como veremos mais tarde, até tentou, mas não conseguiu. Ambos foram eliminados nas oitavas de final (ou primeira fase, todos os jogos eram de mata-mata e começavam direto nas oitavas), ou seja, os dois times caíram logo no primeiro jogo. Esse foi o pior desempenho sul-americano da história das Copas até hoje. Prometo tentar em nome da fidelidade com você, leitor, destacar (se possível) algum aspecto que se salve.
No comparativo entre as duas seleções, a Argentina se sobressaiu. Não somente pela posição (um nono lugar frente a um 14° da seleção brasileira), mas também pelas dificuldades que os hermanos enfrentaram ao participar da Copa. Com muito sacrifício a Argentina montou um time formado por jogadores amadores, filiados à Asociación Argentina de Football, e por atletas de ligas regionais e fez o que pôde para estar presente no Mundial. Foi eliminada, como veremos a seguir. Vexame? Isso você quem vai dizer!
Argentina na Copa de 1934
Com as desistências de Bolívia, Paraguai, Peru e Uruguai em participarem das eliminatórias da Copa do Mundo, a outra vaga sul-americana, além do Brasil, ficaria ou com Argentina ou Chile. Ambos queriam desistir, mas por interesse, a seleção albiceleste aceitou participar da competição, de olho numa possível indicação para sediar a Copa do Mundo em 1938, dando origem a um rodízio de continentes (Europa e América, no caso); porém, o Mundial seguinte acabou sendo realizado na França. Pobres hermanos.
A então vice-campeã de 1930 já começava a enfrentar problemas mesmo antes da sua qualificação para o Mundial. A profissionalização do futebol argentino, com os principais clubes ganhando notoriedade e migrando para ligas profissionais, deixou a Asociación Argentina de Football, principal organismo do futebol da Argentina na época, com seleções amadoras, que foram comprovando-se mais fracas tecnicamente.
Além disso, a seleção albiceleste perdeu jogadores importantes para a equipe italiana, pois alguns atletas tinham ascendência itálica e foram convencidos a mando do ditador fascista Benito Mussolini a jogar com a camisa da Azzurra. Nomes como Orsi, Monti e Guarita jogaram pela Itália em 1934, irritando os dirigentes argentinos.
Mesmo com essas problemáticas, a Argentina montou um time completo com jogadores amadores, sem experiência no futebol profissional. A equipe que fez a estreia na Copa contra a favorita Suécia em 27 de maio de 1934, em Bolonha, era formada por:
Freschi (Goleiro); Belis e Pedevilla (Defensores);
López, Urbieta Sosa e Nehim (Meias);
Galateo, Devincenzi, Wilde, Rua e Iraneta (Atacantes).
Nenhum desses jogadores voltou a jogar pela albiceleste, que só voltaria a disputar um Mundial em 1958, ironicamente realizado na Suécia.
A partida
A forte Suécia, que já jogava futebol profissional, apesar de estrear em Copas, era favorita neste duelo; porém, ficou atrás no placar por duas vezes. Pareceu uma perseguição de caçador (Suécia) e caça (Argentina), onde venceu a lei do mais forte, mas a caça foi valente e lutou até a sua rendição. O zagueiro Belis marcou aos 4' de jogo, deixando a albiceleste na frente, vantagem que pouco durou, pois aos 9' o sueco Sven Jonasson empatou a partida. Já no segundo tempo, a Argentina voltou a desempatar, com Galateo, que fez o segundo gol aos 48'.
Parecia ser a glória de uma seleção composta por amadores. Tal feito heroico estava tornando-se realidade, a presa estava conseguindo livrar-se de seu algoz, mas a força deste prevaleceu. Aos 67', Jonasson empata novamente a partida. Doze minutos mais tarde, o sonho dos amadores argentinos chegaria ao fim. Kroon marcou, e a seleção sueca administrou o placar até o final, vencendo por 3-2. O caçador conseguiu abater sua frágil, porém valente presa.
A participação apagada da Argentina deu algumas lições à seleção. O vexame dos amadores na seleção nacional, por exemplo, fez com que a Asociación Argentina de Football se juntasse com a Liga Argentina de Football, na época profissional, em novembro de 1934. Após essa Copa, o futebol profissional argentino passou a ter uma visibilidade semelhante a de hoje, com a criação da Asociación del Fútbol Argentino (AFA).