A COPA EM VINTE DIAS #01

“El Divino Manco”: de amador com um só braço à lenda inquestionável

Drible da Vaca
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4 min readMay 24, 2018

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A história do uruguaio que não desistiu do sonho de ser um futebolista e usou a deficiência a seu favor

Por: Leonardo Maia
Edição: Vitor Magalhães

Nascido em Montevidéu, capital uruguaia, em 1904, Héctor Castro começou a trabalhar na fábrica da sua família aos 10 anos, em um período no qual inexistia qualquer convenção em relação à prática de trabalho infantil. O garoto sempre esteve rodeado por utensílios nada lúdicos para a educação de uma criança. Martelos, chaves inglesas e serras elétricas tomavam o lugar de soldadinhos de chumbo, carrinhos de brinquedo e bolas de futebol. Em 1917, quando tinha treze anos, Héctor se envolveu em um acidente com uma motosserra e teve seu antebraço direito mutilado.

Mesmo após o acidente, o sonho do garoto que mais tarde ficaria conhecido como “El Divino Manco”, não parecia padecer. O menino tornou-se homem e foi campeão mundial por seu país, e se engana quem pensa que ele foi um mero coadjuvante, Héctor estava destinado à grandeza. Foi o responsável pelo primeiro e pelo último gol do Uruguai na primeira Copa do Mundo de futebol masculino, em 1930.

Mesmo que este feito simbólico fugisse um pouco ao seu desejo inicial de ser o último homem a defender as redes da fúria de equipes adversárias, — sim, o garoto sem a metade de um dos braços, queria ser goleiro – . El Manco entrou para a história das Copas do Mundo.

Seus primeiros treinadores o ensinaram a usar a deficiência como uma arma secreta. A ausência de sua mão fazia com que ele pudesse golpear os adversários com maior discrição, distante dos olhares do juiz. Golpear as costas, o peito ou, até mesmo, a cabeça dos rivais, não era algo que causava muitos problemas ao avanzado uruguaio.

Os adversários observavam atônitos, a performance de Héctor. “Como esse ‘aleijado’ consegue jogar futebol com tanta qualidade?”. Sua destreza mesclada ao jeito malandro de ser, fazia com que a sua chegada a um clube de prestígio do país não estivesse mais distante que um dos seus piques em direção ao gol.

O Athletic Club Lito, hoje atendendo ao mérito de tricampeão da Copa Libertadores da América e conhecido como Nacional, foi o primeiro clube uruguaio a apostar no garoto manco de 19 anos. A aposta revelou-se certeira, Héctor balançou as redes 145 vezes em 231 partidas. O protagonismo não se limitou ao time, “El Divino Manco” — que antes era chamado de “El Manco Castro” — também brilhou vestindo a camisa da celeste.

Héctor Castro, el divino manco

O Campeonato Mundial de 1930

Poster oficial da Copa de 1930

No primeiro mundial, o Uruguai precisava passar por quatro jogos para conquistar o título. A seleção celeste fez do Estádio Centenário, em Montevidéu, seu amuleto da sorte. O que nos leva ao dia 30 de julho de 1930, quando um jogo de futebol fez a Bacia do Rio da Prata ferver: Uruguai x Argentina. A primeira das duas finais de Mundial disputadas entre países sul-americanos ao longo da história.

Os dois times vinham de vitórias empolgantes nas semifinais por 6-1 e sentiam-se em casa por jogar em condições ambientais familiares. Não havia outra coisa a se pensar se não na promessa de um duelo que honraria o tamanho da competição. O jogo começou melhor para os uruguaios, que logo aos 12 minutos abriram o placar com Pablo Dorado, e encheram de euforia os torcedores mais otimistas.

A seleção argentina não se rendeu e terminou a primeira metade da partida na frente do placar, Peucelle e Stabille marcaram aos 20' e 37' minutos. Os dois times, que iniciaram a partida com a formação 2–5–3, lutaram por cada bola durante os 90', mas a declaração do atacante argentino Francisco Varallo denuncia qual foi o resumo da ópera do segundo tempo.

“Tudo que eu queria era ganhar, eu sofri muito quando os uruguaios começaram a beijar a camisa. Eu sou incapaz de dizer o quanto eu chorei quando tudo acabou. Ainda hoje, dói pensar sobre esse jogo, um jogo que estava na mão. Às vezes, eu ainda me pego sonhando que fomos campeões.”

Héctor Castro.

O Uruguai marcou três gols no segundo tempo e o toque final veio aos 44' minutos. “El Divino Manco”, que já havia levado perigo ao gol argentino na etapa inicial, subiu de cabeça e fechou a partida em 4–2 para os donos da casa. Héctor Castro, com duas pernas, um braço inteiro e o outro cortado no antebraço direito, tornou-se uma das primeiras lendas inquestionáveis da história do futebol mundial.

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Perfil destinado à divulgação do futebol sul-americano. Autor: Vitor Magalhães. E-mail: oficialdribledavaca@gmail.com