A COPA EM VINTE DIAS #10

O gol mais triste da história

O caminho chileno até a Copa de 74, do clássico do Pacífico ao gol fantasma de Valdés

Drible da Vaca
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Por: Rodrigo Rodrigues
Edição:
Vitor Magalhães

Em novembro de 1973, a seleção do Chile protagonizou um dos momentos mais marcantes da história das Copas. Os olhares de 20 mil torcedores capturaram cada pequeno movimento dos jogadores que atravessaram a cancha. Não via-se a pressão de zagueiros, nem disputas eufóricas pela tomada da bola no meio de campo; instintos característicos do futebol raçudo do povo sul-americano, naquele instante, não havia futebol.

La Roja entrou em campo sem adversário, a União Soviética havia recusado-se a jogar no Estádio Nacional de Santiago, revelando as tensões políticas características daquela década. Após o gol, a partida teve fim e os chilenos puderam comemorar a vaga na Copa do Mundo de 1974.

Esse foi o gol mais triste da história. Sem rival, com medo, com uma ditadura por vir e com um golpe de estado no Palácio Nacional. VEJA O LANCE AQUI

Ler os relatos, impressões e questionamentos de quem, de alguma forma, sentiu os momentos acima narrados acaba por confirmar uma certeza que em mim está constantemente presente: o futebol é espelho de sua sociedade. Não é difícil descobrir os inúmeros porquês que fizeram com que o jogo não ocorresse. Uma busca fácil no Google ou uma conversa com um amante de futebol de seus 50 e poucos anos é capaz de suprir as eventuais dúvidas.

O gol fantasma de Valdés

O que aconteceu com a seleção chilena é episódio cravado na história do futebol. Mas então, o que nos interessa revirar o baú empoeirado e investir nestas memórias tão próprias dos velhos colecionadores de curiosidades?

A essência do esporte!

Descobrir a forma como os eventos daquele ano se deram, me fez pensar o que acontece nos bastidores das partidas. No momento em que os jogadores, vestidos com seus escudos e ouvindo o som caloroso de quem os aguarda, parecem ser únicos e suficientes para suas nações. Nessas horas, as tensões históricas entre os adversários — embora os mais confiantes digam “não”-, parecem irradiadas pela massa eufórica das arquibancadas.

Futebol é sempre o palco de um duelo de gigantes, e isso faz com que seus atores se deixem levar pelo espetáculo. Embora o confronto que levou o Chile à Copa de 74 tenha se dado da forma como nos foi mostrado, os combates com a seleção do Peru nas Eliminatórias, parecem ter revelado o que, verdadeiramente, é o futebol sul-americano.

O chamado “Clásico del Pacífico” parece ficar só no nome. As duas equipes possuem uma rivalidade histórica que vai para além das quatro linhas. Para entender o fruto do embate é preciso resgatar os acontecimentos que envolvem os dois países. O Peru vinha da Copa de 70 com a seleção memorável levada por Perico León e Alberto Gallardo, confiante em ir bem nas eliminatórias e conseguir a tão sonhada vaga no Mundial. Para tal feito, precisava passar pelo Chile numa disputa direta, na repescagem.

O Peru havia vencido os chilenos, por 2-0, no jogo de ida — com dois gols de Hugo “el cholo” Soltil, no estádio Nacional de Lima —, e só precisava de um empate para confirmar a classificação (que não veio). Jogando no Estádio Nacional de Santiago, La Roja devolveu o 2-0. O que levou a disputa para o terceiro e decisivo confronto.

A partida aconteceu num campo neutro, em Montevidéu, no tradicionalíssimo Estádio Centenário. Após jogada no meio de campo, a bola sobrou na linha da pequena área e o Peru conseguiu sair na frente. Não demorou muito e a pressão chilena teve resultado. A reação veio com um golaço de falta, no finalzinho do primeiro tempo; e aos 58' de jogo, após jogada na ponta esquerda, o Chile conseguiu o gol da virada e que deu a classificação para disputar o famoso jogo com a União Soviética.

Os gritos na arquibancada, hora pressionados pelo regime ditatorial do país, podiam comemorar a sonhada participação chilena na Copa de 74.

Segundo gol do Chile, na terceira e decisiva partida

Na Copa, a seleção chilena perdeu o primeiro jogo por 1-0 para a Alemanha Ocidental, empatou o segundo em 1-1 com a Alemanha Oriental, e voltou a empatar no terceiro e último confronto, desta vez, com a Austrália (0–0). Dando adeus à competição na primeira fase.

Embora a participação chilena não tenha sido das melhores, o momento vivido pelo país no processo das Eliminatórias e durante a competição, revelou uma conjuntura de significados que envolve o futebol e a calçada de sua nação. O Chile entrou num período duro e sombrio de sua história, mas também de luta e resistência. Luta esta que foi profetizada entre quatro linhas brancas e com o suor de um povo apaixonado, que nunca cessou de resistir.

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Perfil destinado à divulgação do futebol sul-americano. Autor: Vitor Magalhães. E-mail: oficialdribledavaca@gmail.com