Como assistir a House me fez uma melhor designer de produto.

Luana Fogaça
dtidesign
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8 min readApr 13, 2021

Vai parecer utópico mas foi isso que você leu mesmo. Eu sou apaixonada por Sherlock desde que me conheço por gente. Foi meu primeiro contato com a leitura por interesse, e se você ainda não ainda não sabe House foi inspirado no prestigiado personagem de sir Arthur Conan Doyle, mas saiba que eu não vou falar nada sobre a trama, ou pelo menos eu acho.

Em todo episódio House soluciona um problema que se comporta bastante como um desafio, no caso o deadline dele é sempre muito apertado e o tempo é passado de forma relativa, mas faço uma estimativa no decorrer da narrativa que ele se desenrole por mais ou menos uma semana. E essa noção de tempo varia de acordo com a velocidade que o paciente está progredindo na doença, a quantidade de vicodin ingerida por House, e algum elemento da trama de relacionamentos conturbados dentro do hospital. Cada episódio se inicia com flashes de como foram desencadeados sintomas no paciente para que a cabeça do telespectador já borbulhe de hipóteses.

Hipóteses estão conectadas mais ao solution space que nesse caso é o diagnóstico do que acomete o paciente.

House's team

Time multidisplinar

Todo desafio começa com o "diferencial", o time normalmente composto por uma mulher e dois homens (a partir da terceira temporada mantemos o Eric, neurologista, somando a equação) eles analisam o background dos sintomas que trouxeram o paciente ao Princeton Plainsboro Hospital. Aí surgem as hipóteses, nesse momento estamos trabalhando no diagnóstico, e trabalha-se bastante com a jornada as is, levantando problemas de saúde, órgãos afetados e resultados iniciais de testes que são feitos na emergência (hemograma, drogas de abuso, alguma análise de proteína -igA, igG, igM- tomografia computadorizada, raio-x e o que tiver sido necessário). Importante lembrar que os casos só são encaminhados para House quando se apresenta no formato de um problema que outros médicos não conseguiram diagnosticar, muitas vezes essas fichas tem um gancho que desperte o interesse dele através de uma visão holística do cenário para que o episódio se inicie de fato. Esse squad multidisplinar está orientado a um objetivo, que é o diagnóstico.

House — I don't like anybody.

House MD

Egocêntrico, narcisista, infeliz, debochado e infectologista. O processo de empatia não é muito com ele, porém ele traz a observação como peça chave de toda a narrativa. Identifica traços, comportamentos e hábitos que normalmente não interpretamos por menosprezar o que se apresenta ou não pontuarmos como relevante. E é aí que ele brilha. Muitas vezes ao não adicionarmos a equação pequenos detalhes, somos menos objetivos quando saímos do problem space.

Assim como Sherlock e seu vício em opióides, House também tem um vício incontrolável por narcóticos e a motivação de ingestão arbitrária é decorrente de um infarto na perna, o que causou uma necrose no músculo da coxa. Se analisarmos friamente é uma característica única do personagem, nesse caso adicionamos também a bengala, que nos auxilia no link com o cachimbo, lupa e chapéu Deerstalker de Sherlock.

whiteboard

O discovery é do time!

O time de House no decorrer do episódio faz diversos testes, levantam novos diferencials, somam e subtraem evidências, e eles erram: e muito! Sempre que a cultura da certeza paira sobre o time o plot twist é certeiro! Teste falso positivo, testes que foram comprometidos por um novo sintoma na jogada, que pode ou não ser decorrente dos sintomas iniciais, testes, testes e testes!
Se o diferencial inicial não dá certo (e isso é bastante comum ou o episódio acaba) a postura é começar a pensar em como o ambiente que o paciente vive o afeta. Então temos o momento de investigação, identificamos quais fatores estão influenciando esse diagnóstico: ambiente, traços genéticos, refazer o histórico do paciente e o que for necessário para conhecermos mais sobre o problem space. Já é possível ver o time se dividindo em tarefas, o líder entende das dimensões do problema e o que ele quer descobrir, seja através de uma metáfora ou de perguntas diretas que House faz para o time, familía ou paciente.

Disclaimer: percebi que em pacientes muito dóceis e amigáveis o diagnóstico de sífilis é certeiro, House quase sempre não se envolve com os pacientes emocionalmente para não criar vínculos e apresentar o diagnóstico muitas vezes sem sequer visitar o paciente.

House e sua clássica frase: "Everybody lies"

Everybody lies!

Do your research! Assumir a cultura da certeza se provou não encaixar muito em times de alta performance. Os sintomas são adicionados a um quadro branco na sala de cocriação, essa visualização do problema que queremos resolver nos ajuda a voltar ao ponto de partida e não se deixar levar ao que descobrimos no processo. Não me entenda mal, quanto mais entendemos sobre o cenário melhor, mas saber diferenciar pesquisas qualitativas que tenham viés emocional, ou estejam muito enviesadas normalmente impactam no nosso outcome. Inclusive é pontuado algumas vezes que até os testes podem mentir, por isso é necessário revisitar e assumir que podemos não saber tudo.

House and Lisa Cuddy

Traga os stakeholders para o jogo!

É comum que sempre que recebemos sugestões de mudança haja uma resistência, quando somos pressionados a dar um passo atrás nós gritamos por autonomia e quando um stakeholder pede para que seja construído algo diferente do que sugerimos, reclamamos para a orelha mais próxima. E xingamos nas mais diversas formas esse hippo (Highest Paid Person’s Opinion), ainda que somente na nossa própria cabeça. Afinal nós já encontramos a resposta certa, e ela é perfeita para o problema que queremos resolver, né?

O que eu acho importante aqui é que não existe resposta certa, sempre que estamos apegados a solução e confiantes demais ficamos sucetíveis a erros. E não me entenda mal, errar faz parte do processo também. Mas é indiscutível a frustração de não experimentar a hipótese.

O que frequentemente não percebemos é que quando apresentamos a resposta final, e ou um backlog cheio de user stories e nossos roadmaps cheio de features e datas de próximas sprints, estamos perguntando aos nossos stakeholders sua opinião sobre as nossas respostas. E não trazemos ele pro jogo mostrando resultados, pesquisas e defendendo o ponto de vista e o porquê estamos ali. Somente amadurecendo na gestão de produtos é possível questionar a resposta certa e consequentemente defender o ponto de vista dessa análise. Prepare-se para um powerpoint cheio de dados, métricas e muitos números para embasar a resposta certa. Falamos sobre market fit, necessidade dos usuários (pain points), ROI (return of investment), conversão. Nós aprendemos a falar na linguagem do stakeholder onde desenhamos a necessidade do negócio e como a solução irá atender esse posicionamento. Quando apresentamos nosso trabalho entregamos ao stakeholder mais material para se envolver e levantar questões e novas ideais de uma forma mastigada, um quick bite. Onde erramos? Se assumimos que apenas uma resposta é certa não apresentamos outras formas de fazer e entregar resultados, assumimos a cultura da certeza de que aquela é a única possibilidade de se realizar algo, e já sabemos que isso não é verdade por aqui. E eu falo muito isso para os times que atuo: procure o mínimo denominador comum! Numa visão mais madura percebo que mais do que nunca um time de produto tem o papel que não se trata apenas dessa defesa de respostas “certas”, talvez haja apenas problemas complexos com soluções melhores ou piores. Mais uma vez: não se apaixone pela solução. Talvez nosso trabalho como time de produto é gerar e avaliar opções/ideias e compartilhá-las com os hippos e se possível incluir esse poder de decisão no processo, afim de alavancar conhecimentos, trazer novas visões e migrar o poder de decisão para esse lado da força. Ao invés de pensar na palavra final do hippo e questionar todas as decisões dele, imergir essa pessoa no processo pode ajudar a conhecer o desconhecido.

House traz essa abordagem em diversos momentos quando inclui Cuddy na autorização de exames experimentais ou algo que ela julga que pode ser muito arriscado e ricochetear em um processo judicial para o hospital. em 98% das vezes quando ele chega gritando em sua sala questionando as decisões dela ele se frustra e não consegue o que quer, e normalmente o que ele quer é uma biópsia impossível ou uma amputação. E não me entenda mal, mas viver no limite da provocação e usar o adjetivo idiota sequencialmente em uma frase não vai ser a sua melhor abordagem, creio que só funcione na trama. Tirando a estupidez de House, ele tem um bom ponto. Provou-se ser muito mais efetivo quando a Cuddy entendia todos os medicamentos administrados e os diferencials, por ter uma formação médica e não apenas administrativa, ela conseguiu ver o rumo das ideias e como se chegou naquele outcome e o mais importante de tudo: o porquê.

Eureca!

Esse momento muitas vezes vem de conversas do House com o nosso querido oncologista Wilson, o único e melhor amigo dele. Depois de diversos testes, cenários diferentes, levantamento de hipóteses e muitos tratamentos (experimentais ou não) a epifania de House é sempre resultado de uma análise diferente do problema. Constantemente fazendo perguntas afim de atingir um objetivo (diagnóstico). Sempre tenho a sensação de que ele traz um olhar diferente pro problema, através de metáforas ou instigando o que ele já sabia ou acha que sabe sobre o problema. Para outsiders da medicina, o acompanhamento visual animado nos mostra a jornada de testes e validações que tivemos, nos imergindo no roadmap de sintomas e testes realizados. Ao fim chegamos na nossa resposta instigante do início do episódio.

Então, o que aprendemos aqui? Colaborar, testar, experimentar e errar faz parte do processo. Se colocar em uma posição de questionar até o que você tem como certeza é se abrir para novas possibilidades, o mundo é VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) e as diversas reviravoltas no processo podem ser valiosos aprendizados (depois de um caso de sarcoidose, o time começou a trazer esse diagnóstico como uma hipótese mais constante). E valorize como outros fatores podem impactar o nosso resultado fora do nosso cenário controlado (no caso de um hospital eles retiram alguns fatores ambientais da equação, como quando colocamos um paciente em um ambiente isolado e extremamente limpo mas ainda existe o risco de infecção, ou como quando se assume uma nova dieta e ingestão de mais líquidos através de soro intravenoso).

Achei pertinente pontuar isso ao final: trabalhando para um cliente de análises clínicas, vem bastante a calhar entender quais amostras são coletadas, como os exames são realizados, tempo de cultura de bactérias, qual o propósito de algumas coletas, e empatizar com o processo médico de diagnosticar a saúde do paciente. Mas, esse é um trabalho de research involuntário que me ajuda a falar a língua do stakeholder e do negócio, afinal se eu não sei sobre o histórico da empresa como vou poder auxiliar a chegar na visão de futuro? Às vezes o problema começa aí. Pense nisso.

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Luana Fogaça
dtidesign

Hands On Group Designer Manager @Itaú & Strategist of Digital Products Student @ NN/g & Creative person