O Mito da Separação

Quantos paradoxos você consegue sustentar em si?

Felipe Duarte
Felipe Duarte
4 min readJul 2, 2016

--

Quando ví essa pintura ao vivo, Chorei. Ao contar isso pro meu professor de pintura na época, ele riu de mim.

Talvez você esteja vivendo uma revolução sutil. Posso sentir essa agitação no interior de alguns indivíduos e seus organismos sociais.

Uma mudança no padrão narrativo e no "lugar comum". Um choque que se manifesta em alguns como ansiedade ou angústia, em outros como prazer, mistério ou seja o que for. Estamos sendo desafiados a aprender a lidar com a complexidade sistêmica do universo. E quanto mais acessamos essa complexidade, maior nossa consciência da inevitável incompletude da percepção.

Imagens aéreas de drones, probabilísticas quânticas, genoma, a internet e big data — o volume de dados gerados a cada dia sobre nosso comportamento é esmagador. estamos expondo coletivamente muitos dos enganos que sustentaram a postura social, econômica, científica e política até aqui e nossas instituições estão tendo que se contorcer e reestruturar. Corações e consciências estão tendo que se contorcer e reestruturar. Não temos um manual pra esse processo.

Está ficando mais difícil sustentar o paradigma do "Nós contra Eles". A noção de que o “Outro” é visto como um perigo e ele deve ser mantido afastado, sob controle ou até mesmo aniquilado — sendo essa a função fundamental do Poder. A história do séc. XX foi moldada a ferro e fogo por essa polarização. Ironicamente o último século também foi marcado por níveis crescentes de interação. As mesmas revoluções técnicas que nos trouxeram a internet, voos intercontinentais, smartphones, pousos na lua e satélites que enxergam o início dos tempos foram impulsionadas pela possibilidade real e constante do conflito com o Outro. Chegamos à "mútua aniquilação assegurada".

O que sabemos não cabe nas antigas caixas. Nos falham as categorias lineares e visões binárias. Apesar dos esforços dos demagogos, agitadores e tradicionalistas, fica cada vez mais claro que não podemos nos dar o luxo de nos perceber como separados de nenhum outro ser vivo.

Ao avançarmos se torna cada vez mais caro continuar sustentando o mito da separação. Pagamos limitando horizontes relacionais, tendo vidas menores, jamais permitindo que se aproximem as lições que verdadeiramente precisamos, pois elas são perigosas. Elas podem levar toda a familiaridade, arrebentar as amarras que no fundo confortam. É sedutor viver nas nossas mentes, tentando decidir o que é melhor sem agir em direção alguma. Empilhamos palavras, nomeamos futuros fictícios e ao, nomear, separamos.

Palavras definem e para definir dissecam. Para dissecar é necessário interromper. Toda explicação é um pulo de fé onde algo é reduzido, morto, congelado e metaforizado na esperança de provocar a compreensão. Essa tal compreensão como utilizo aqui é um fenômeno dinâmico, orgânico e em constante construção. Não pode nunca ser completa — ela é pessoal, subjetiva e em última instância viva. Por isso comunicar é dolorido e exige tanta habilidade. É preciso cultivar um estado específico para canalizar ao reino humano concepções dessa ordem sutil.

O outro é uma ficção. Você é uma ficção. Toda percepção é artesanal. Somos todos artistas melhores do que supomos, disse o filósofo. Toda a realidade é sua criação. Simultaneamente percebemos e criamos o mundo e no relacionar estamos vulneráveis ao mundo do outro. É perigoso.

É preciso saber ser simultâneo para sobreviver à uma colisão de mundos. Empilhar realidades sem escolher, sem dissecar, sem separar. Suspender conclusões finais e cultivar um jardim de visões de mundo, nada mais do que protótipos operacionais que anseiam pela contribuição do outro, para quem sabe, alimentar nossa compreensão do todo, sobre tudo… o nosso tudo, que tende a crescer.

A compreensão existe em um lugar íntimo pré e pós pensamento. Antes e depois da semântica. Fora do tempo. Ao mesmo tempo estar presente e sentir o todo. Presensentir o Sistema. Ser parte dele de forma tão íntima a ponto de permitir perder-se. Não há distância alguma entre aquele que percebe e o que é percebido.

Há uma possível mentira escondida em todas as galáxias e todas as partículas. O agora é o desenrolar de uma gigantesca onda cuja palavras só podem violar. É a nossa ficção que empilha e organiza os agoras, palavras nos servem para explicar para nós mesmo o tempo, mas não nos sobra capacidade pra contemplar com tanta delicadeza toda a explicação do tempo do Outro, tão infinitamente complexo quanto nós mesmos. Um universo em um grão de areia. A humildade dessa percepção faz o chão tremer.

Como equilibrar o ser e o permitir ser dentro do relacionar?

Ocorrem abalos sísmicos no Zeitgeist. A consciência pede coragem e pede prática. Se vim até aqui traindo meu direito universal ao silêncio e na mesma fala manifestando tantos paradoxos, é para tentar cativar em você a compreensão. Será que poderão servir bem ao mundo crimes como esse? Será que poderemos nos encontrar depois do par-de-dois, o jogo do preto e branco, a mentira que existe entre eu e você?

Como humanos, vivos, que dançam, ganham e perdem, estamos inseridos dentro do sistema paradoxal, simultâneo de agir e perceber, análise e síntese, pathos e praxis. Não poderá haver um sem o outro, e ninguém pode viver sem pendular. A verdade é que separar um do outro só é possível porque aqui estamos utilizando palavras. Um recurso linear que usa o tempo para desenrolar explicações.

Em tempos de demagogia, nacionalismo, traições, discurso massificado, sinto que precisamos conversar sobre o Outro, não apenas como as minorias ou grupos oprimidos… o Outro é seu pai, seu parceiro e o seu desafeto.

Aceitar que nossas percepções sempre nos parecem as mais verdadeiras que a do Outro, pois não tenho como me dedicar inteiramente à sua percepção como faço com a minha. Preciso aprender a ser simultâneo para aprender com você. Não preciso te amar, mas preciso saber que eu sou outro você. Você existe porque te percebo, e eu existo ao ser percebido.

--

--