De volta à Caverna do Dragão | algumas verdades (ainda) não reveladas

Eduardo Spohr
Eduardo Spohr
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5 min readMar 29, 2019

Quem tem hoje entre seus 30 e 40 anos nunca vai esquecer do desenho que marcou sua infância: a Caverna do Dragão. Exibido todas as manhãs no Xou da Xuxa, sempre que era tirado uma chuva de cartas inundava os estúdios da Rede Globo, implorando pelo retorno da atração. Hoje, em festas e rodas de bate-papo, volta e meia surge o assunto: “Lembra daquele desenho”?, “Sempre quis ter um arco mágico”, “Por que nunca eles conseguiam voltar para casa”?

Por anos, a dúvida sobre o que teria acontecido com os pupilos do Mestre dos Magos permaneceu no campo dos boatos. Nos anos 90, circulou um email afirmando que eles teriam morrido na montanha-russa, durante um suposto último episódio. Felizmente, a notícia falaciosa não se sustentou por muito tempo. Internautas, RPGistas e fãs descobriram que um dos roteiristas da série, Michael Reaves, havia escrito “Réquiem”, episódio final da Caverna, que encerraria a terceira temporada, mas que nunca chegou a ser produzido. Reaves foi o autor de peças memoráveis como O Cemitério dos Dragões e A Cidade à Margem da Meia-noite”.

"Cidade à Margem da Meia-Noite". Um dos episódios mais bacanas. Assista aqui.

Fora do portal…

Como muitos devem saber, Caverna do Dragão foi baseado no jogo de RPG Dungeons & Dragons (vou me contradizer logo abaixo, mas por enquanto ficamos assim). Em 1983, a Marvel Productions assinou um acordo com a TSR (empresa responsável pelo jogo) com o objetivo de produzir a série, que seria exibida pela rede de TV CBS. Contando com um total de 27 episódios divididos em 3 temporadas, a Caverna fez bastante sucesso, mas apesar disso a emissora cancelou o programa em 1985, alegando falta de audiência.

Diferentemente do que muitos pensam, não houve um último episódio, nem mesmo um primeiro. Os desenhos não seguem uma cronologia específica. Existe, sim, uma cena dos garotos entrando na montanha-russa e sendo transportados para o Reino (vídeo abaixo), mas trata-se do quadro de abertura, de aproximadamente 1 minuto, que nos Estados Unidos era exibido sempre antes de cada episódio.

Abertura do desenho animado, em inglês. Clique no player para assistir (1m04s).

Dentro do portal…

Aqueles que jogam RPG, sobretudo os jogadores de D&D, veem o desenho com outros olhos. Para esses, as perguntas são outras, do tipo: “em que mundo se passava o desenho?”, “qual era a classe e o nível dos personagens?”, etc. A verdade é que o mundo da Caverna do Dragão foi criado exclusivamente para o desenho animado, ainda que tenha como base diversos cenários do jogo.

Capa do Manual do Jogador, da 1ª edição do Advanced Dungeons & Dragons.

Em teoria, o mundo de Greyhawk (primeiro cenário de campanha do AD&D) seria o mais próximo do que poderíamos chegar do Reino (quem discordar, basta se expressar nos comentários), uma vez que, por incrível que pareça, o desenho é inspirado no Advanced Dungeons & Dragons (AD&D) e não no próprio Dungeons & Dragons — sim, é o que mostram as letras miúdas dos créditos finais, confira aqui. Mesmo assim, é importante frisar que a série se passa em um mundo próprio, e o mestre que quiser ambientar uma campanha nesse cenário terá de criar, ele mesmo, a maioria dos aspectos desse universo.

Créditos finais confirmam que o desenho foi inspirado no AD&D não no D&D. Confira o vídeo aqui.

Por sorte, há diversos materiais disponíveis na web. As ideias básicas que se seguem são compilações de fontes oficiais e não-oficiais. Elas podem dar o pontapé inicial para uma grande aventura, mas lembre-se de que nenhuma campanha se sustenta se o mestre não for criativo e não tiver habilidade para bolar os seus próprios ganchos de história.

Era uma vez…

Os escritos nos revelam que, no princípio do tempos, os deuses do Reino se engajaram em uma guerra cósmica, conhecida como Guerra dos Deuses. No fim dessa guerra, apenas duas entidades sobreviveram: o Deus da Ordem e o Deus do Caos. Eles teriam então entrado em um duelo que teve consequências impressionantes: o Deus Supremo do Caos, conhecido hoje apenas como “Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Dito”, teria enlouquecido e desaparecido em uma dimensão paralela. O Senhor da Ordem, por sua vez, cuja identidade permanece incógnita, teve um destino não tão grato: perdeu a divindade, passando a andar entre os mortais.

"Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Dito", conforme aparece no episódio "O Portal do Amanhecer". Assista aqui.

Desde então, o Reino é um mundo sem deuses, o que assegurou a hegemonia dos magos. Tão forte tornou-se a magia que feiticeiros representantes de diversas nações estabeleceram um conselho na cidade de Helix. Certa vez, há mil anos, o líder máximo desses feiticeiros, o Mestre dos Magos, apresentou ao conselho dois novos membros: Kyllan e Karena, seus pupilos. Os anciões, porém, perceberam que eram ambiciosos e não permitiram seu ingresso a ordem.

Karena, como apresentada no episódio "A Cidadela da Sombra". Assista aqui.

Kyllan era particularmente calculista. Em sua ânsia de poder, tomou conhecimento de um grupo de diabos conhecidos como Oito Obscuros e tentou firmar um pacto com eles. Abrindo um portal para os Nove Infernos, Kyllan deparou-se com o guardião do Primeiro Ciclo, a rainha-dragão Tiamat, sendo por ela derrotado.

A famosa (ou famigerada) Tiamat.

Enfraquecido, Kyllan recorreu a feitiços sombrios para fazer contato com “Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Dito”. O Deus do Caos lhe concederia poder absoluto, e em troca ele deveria entregar-lhe o Mestre dos Magos.

Kyllan invadiu o conselho e derrotou os outros magos, passando a ser conhecido pelo nome de “Vingador”. Contudo, não conseguiu capturar o Mestre do Magos. A alternativa que encontrou foi trair a entidade do caos, aprisionando-a na caixa de Balefire, tornando-se assim onipotente sobre o Reino…

Caixa de Balefire, apresentada no episódio "O Portal do Amanhecer". Assista aqui.

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Eduardo Spohr
Eduardo Spohr

Escritor, jornalista, professor universitário (curso de extensão, mas tá valendo), blogueiro, podcaster, filósofo de botequim e PHD em contar piadas sem graça.