SXSW: CONTINUAM FALANDO SOBRE PROPÓSITO — E ISSO PODE SER BOM

DZ Estúdio
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5 min readMar 23, 2021

Relatos para você acompanhar o SXSW e superar seu FOOE (Fear Of Online Events)

por José Pedro Paz, sócio e CCO da DZ Estúdio

Propósito é uma daquelas palavras que apareceram no vocabulário corporativo para descrever um movimento positivo, mas que agora nos dão aquela sensação de “lá vem”. A partir daí, tudo que tinha de bom é consumido pelo ceticismo de quem já tem que conviver com “mindset de startup”, “era do storytelling” e por aí vai.

Foi justamente por isso que resolvi encarar os fantasmas e ouvir o que seria falado sobre propósito no SXSW 2021. Fui com meu radar de bullshit ligado, mas tentei entrar em cada sessão com a cabeça aberta. E sou obrigado a dizer que a discussão amadureceu.

Purpose-washing: taking true action
O primeiro painel que assisti reunia lideranças da Ben & Jerry’s, Greyston Bakery e The Body Shop. Três marcas que tem um propósito entrelaçado na estratégia de negócios. E foi exatamente essa a principal mensagem da conversa: o propósito como parte da estratégia do negócio e não só da estratégia de marketing. Joe Kenner, CEO da Greyston, contou sobre a política de recrutamento inclusivo, chamada open hiring, que emprega pessoas excluídas do mercado de trabalho, sem entrevista, sem exigência de experiência. Ele diz que “não contrata pessoas para fazer cookies, mas faz cookies para contratar pessoas”. Nesse momento o radar de bullshit acende uma luz. Mas logo ele completa dizendo que é fundamentalmente uma boa estratégia de negócios: atrai talentos que trabalham engajados e valorizam seu emprego, resultando em bons produtos, impactando nas comunidades e conquistando consumidores.

Sempre há algo que uma empresa pode fazer que causa impacto positivo em sua comunidade e que gera valor para a marca e para os acionistas. Essa é a lógica que os três debatedores compartilham. O que diferencia do purpose-washing: isso precisa ser feito de forma contínua, a partir da identificação de um problema, com mensuração de resultados e gerando impacto real na comunidade em que a empresa está inserida. Pode ser pequeno, pode ser aos poucos. O problema que a Greyston se dedica a resolver é o desemprego — o que destrava o desenvolvimento econômico das regiões em que atua. A Ben & Jerry, como marca, se posiciona em causas sociais como justiça racial, o movimento LGBTQIA+, entre outras. Isso a coloca em discussões e controvérsias com certos grupos de consumidores. Mas, as pessoas que compram um pote de sorvete Ben & Jerry com cookies Greyston dentro sentem-se parte de uma cadeia, de uma força coletiva que é maior do que o potencial de suas vozes individuais. As duas companhias têm crescimento consistente nas últimas décadas e inspiram outras empresas — como The Body Shop, que implementou uma política de open hiring.

For The Culture: a recommitment to the consumer
Muito bem, mas e as empresas que não tem o propósito no centro do negócio? Aí chegamos na palestra com o título acima, da Michelle McAllister, Diretora de Marketing da Pepsico. Aí você pensa: pronto, agora vamos ladeira abaixo. Mas não. Achei o ponto de vista da Michelle sobre o papel do marketing bastante inspirador — e que aponta um caminho para aquelas empresas que não são construídas em torno de um propósito. Ela se define como uma profissional comprometida em entender os consumidores e criar soluções para suas vidas, contando histórias em que eles se enxerguem como protagonistas. Michelle afirma que todo conteúdo de marca é um social statement. Ela lembra que, diariamente, somos mais impactados por publicidade do que por livros, filmes ou música. Portanto, o que está nas mensagens das marcas, ela defende, tem mais impacto na sociedade do que qualquer outra peça de cultura ou arte. E nessa visão que pode parecer pretensiosa, mas que tem respaldo dos dados, reside a responsabilidade social das empresas.

Michelle defende que as marcas têm que ter coragem para contar histórias que tenham impacto positivo. Têm que parar de falar — e ouvir de fato as pessoas. Parar de definir uma persona e entender como as pessoas se definem, que palavras usam, que linguagem preferem: “consumidores estão cansados de serem vistos como arquétipos 2D”. A partir do entendimento, é preciso perceber quais as tensões sociais e culturais impactam cada grupo de consumidores e onde eles desejam que a marca se conecte nesse contexto. Os consumidores querem marcas que estejam ao seu lado na linha de frente, que tenham posição, que usem suas plataformas para refletir valores comuns. E aí, mesmo que não haja um propósito no centro do negócio, o marketing não pode mais ser separado do seu impacto social.

How to scale a mission-driven brand
A minha incursão nesse campo minado de clichês encerra em um painel com a presença da Holly Thaggard, fundadora da marca de protetor solar Supergoop! e da Maria Sharapova, ex-tenista e agora empreendedora e investidora. Holly reinventou a categoria de protetor solar a partir da missão de combater o câncer de pele, após um amigo enfrentar a doença. A missão, nesse caso, está na origem do negócio e sempre foi eixo de decisão. Por exemplo: na negociação com a Sephora, um de seus primeiros parceiros comerciais, a exigência foi expor o produto o ano todo, contrariando as práticas de um segmento que até então era sazonal. A marca acabou sendo protagonista na criação do comportamento de uso diário de protetor solar (mais do que o Pedro Bial).

Porém, o que a conversa trouxe de mais significativo para costurar o raciocínio desse texto é justamente a relação entre as duas debatedoras. Sharapova contou que se tornou investidora da Supergoop! após conhecer a missão de Holly e entender que ela estava direcionando essa energia para um produto que faria diferença na vida de milhares de pessoas — e não para uma fundação. Ou seja, empresas com um propósito consistente atraem não só talentos e consumidores, mas investidores. Como a ex-tenista ressaltou: “não invisto só meus dólares, mas meu tempo e aprendizado” e por isso precisa acreditar na missão das empresas nas quais investem.

Qual o propósito desse texto?
Eu deixei bem claro no início que meu cinismo tem dificuldades em lidar com esse papo de propósito. Mas decidi dar uma chance e devo admitir que sempre dá pra tirar aprendizados valiosos. Seja para empresas que nascem de um propósito, que organizam seu negócio em torno de um ou que apenas se preocupam com as mensagens propagadas por seu marketing, sempre há um tipo de impacto na sociedade. Fortalecer essa consciência já é um saldo positivo para compensar a quantidade de bullshit que ouvimos em palestras sobre marcas com propósito — e que eu filtrei aqui pra vocês como um bom protetor solar fator 70.

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