Como o colonialismo se reflete no design?

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e o design com isso?
4 min readNov 16, 2021

Por Paula Seabra Furtado

“Menos é mais”. Quantas vezes já ouvimos essa expressão, seja no campo do design ou para se referir ao que seria “supérfluo”? Esta frase, originalmente dita pelo arquiteto Ludwig Mies van der Rohe, é muito repetida até hoje, e foi reformulada pelo designer Dieter Rams, que disse “Weniger, aber besser” (“Menos, porém melhor’’). Rams é um dos designers mais influentes do século XX, e na década de 1970 listou 10 princípios para um “bom design”, uma referência clássica do campo do design. Dentro de seus fundamentos, é possível notar uma tendência ao minimalismo, orientando-se por um design discreto, neutro, puro e simples, e suas criações costumam aplicar tais ideias não apenas nos componentes do produto, mas também em sua estética, optando pelo uso limitado de cores e ausência de ornamentações.

Contudo, o discurso de que “menos é mais” é reproduzido continuamente, sem que haja reflexão suficiente sobre as origens do design minimalista e a forma que foi utilizado historicamente, o que nos torna suscetíveis à propagação de ideais originalmente colonialistas. Uma grande referência para o que viria a se tornar o design minimalista é Adolf Loos, autor de “Ornamento e Crime”. Neste manifesto, Loos estava se posicionou diretamente contra a valorização de representações tradicionais aristocráticas, fazendo críticas à ornamentação. Para o autor, esta seria responsável por tornar produtos obsoletos rapidamente; além de não considerar a quantidade de recursos necessários para a manutenção dessa estética. Porém, não foi apenas isso que Loos criticou: em diversos momentos, utiliza em seu argumentos analogias racistas que refletem um posicionamento de crença na soberania do homem europeu com relação a populações indígenas.

Representante da tribo Huli, de Papua Nova Guiné. Imagem: Reprodução/Boredom Therapy

Em seu manifesto, Adolf Loos continuamente traça comparações entre o “homem moderno” e os povos originários de Papua-Nova Guiné, a fim de demonstrar uma suposta superioridade intelectual que só poderia ser alcançada pela rejeição de quaisquer adornos tradicionais. Para ele, a escolha de ornamentar os arredores é sinal de degeneração, amoralidade e criminalidade. Loos afirma que “O Papua faz tatuagens na sua pele, na canoa, no seu remo — enfim, em tudo o que puder alcançar. Ele não é nenhum criminoso. O homem moderno que faz tatuagens, ou é criminoso, ou é degenerado. (…) Os tatuados que não estão presos ou são potenciais ladrões ou aristocratas degenerados”.

Ao fazer tal comparação, Loos não apenas demonstra sua recusa a qualquer tipo de elemento ornamental, mas também desconsidera o importante papel de adornos e tatuagens para diversos povos ao redor do mundo. Em muitas culturas, os ornamentos não são simples peças decorativas, são usados como forma de comunicação, de registro histórico, de celebração de divindades, de resistência política, entre outros. Desta forma, eliminar o ornamento não seria apenas uma escolha estética; seria optar pelo que pregava este teórico proto-modernista em detrimento da história da humanidade.

Adolf Loos continua sua argumentação, chegando ainda a dizer que “a evolução cultural é proporcional ao afastamento do ornamento em relação ao utensílio cotidiano”, utilizando aqui evolução como sinônimo de progresso industrial. Compara o cotidiano de um indivíduo que rejeita ornamentos em todos os aspectos de sua vida como sendo de um homem evoluído, o qual vive no futuro com relação aos “atrasados”, que se recusam a abrir mão dos ornamentos. Desta forma, as pessoas que negam o minimalismo estariam atrapalhando o desenvolvimento cultural da humanidade, se tornando um fardo para os “homens modernos”.

De modo geral, o manifesto de Loos não é apenas uma crítica à ornamentação — é um ataque explícito a diversas culturas, sempre posicionando o homem europeu moderno como superior a qualquer outro povo. A sua recusa à ornamentação não é uma mera preferência estética, mas sim uma forma de projetar suas ideias supremacistas nos mais simples objetos do cotidiano.

Apesar disso, não significa que todo design minimalista é intencionalmente racista e colonial. Quando se trata de um processo produtivo, partir de um pensamento minimalista pode auxiliar a fazer escolhas positivas para um produto, por exemplo, economizando materiais e diminuindo custos. Além disso, seu papel estético tem um impacto psicológico, possibilitando aberturas nas possíveis interpretações e significados do objeto em questão. Limitar a ornamentação em um projeto de design não é um problema por si só; ele surge a partir do momento em que a sua exclusão se torna a resposta para gerar “bons designs”, fazendo com que as ideias colonialistas aqui apresentadas sejam sempre reproduzidas.

Contudo, optar por limitar o design ao “menos, porém melhor” como pensamento dominante em nosso campo apenas pelo seu apelo estético, ignorando suas origens, é minimizar o impacto que pensamentos coloniais como o de Adolf Loos tiveram e ainda têm sobre diversos povos e o apagamento que sofreram ao longo da história. É devido a essa falta de questionamento sobre as origens de movimentos que tais estruturas de poder se mantêm dentro do campo do design como regras a serem seguidas. Afinal, só existe um tipo de bom design? Escolher ignorar as origens do minimalismo e pensar apenas em seu apelo estético não seria também minimizar o poder político e cultural do design? Por que as ideias para a construção de bons designs sempre são definidas por homens brancos, fazendo com que suas estéticas se tornem regras?

O design, em sua busca incessante por inovação, nunca será de fato transgressor enquanto se recusar a confrontar suas ideias conservadoras.

Referências

Ngoc (Rita) To e Vanessa M. Patrick (2017). Muji Versus Maharaja: When (And Why) Minimalist Versus Maximalist Design Differentially Influence Consumer Self-Brand Connection, em NA — Advances in Consumer Research Volume 45, eds. Ayelet Gneezy, Vladas Griskevicius, e Patti Williams, Duluth, MN: Association for Consumer Research, p. 258–263.

BEHLING, Guilherme. Projeto gráfico-editorial da história e influência de Dieter Rams no design. P. 20–25, Florianópolis, julho de 2019.

LOOS, Adolf. Ornamento e crime.

SCHONS, Marize. Adolf Loos e as origens da responsabilidade fiscal. Estado da Arte.

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