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Nathalie Wagner
e o design com isso?
3 min readOct 29, 2021

Ei, você. Você mesmo que está lendo. Você, que está tentando entender sobre o que se trata esse texto. Eu também não sei. Talvez tenhamos que descobrir juntos. Acredito que seja preciso ir desvelando as camadas e as linhas que precedem o cerne da questão. Não estou enrolando, eu juro.

Muitos projetos de design começam assim: uma folha em branco, que assusta ao não abrigar nenhum conteúdo. Seria um bloqueio criativo, falta de referência, preguiça de um ser que merece uma advertência por não ser tão produtivo, interferência externa? Motivos não faltam para serem acrescentados.

“Toda prática profissional opera em um estado de esquizofrenia, em uma situação repleta de contradições inevitáveis. É o que se dá com o design comunicativo, que tradicionalmente vê a sua própria atuação como servindo ao interesse público, mas que ao mesmo tempo está comprometido com os interesses particulares dos clientes e dos meios de comunicação.”

design e reflexividade, jan van toorn.

Quando os primeiros esboços começam a chegar e, timidamente vão se sentando, ocupando os espaços vazios e povoando o ambiente, aí sim, você tem uma proposta digna de ser apresentada. Que, convenhamos, nem sempre parece suficientemente boa para impressionar o seu cliente, seu professor ou colega de profissão. Precisamos de mais. Precisamos de um projeto capaz de comover, de gerar impacto, de ser premiado. Não queremos propor caminhos, queremos a aclamação, nossos nomes estampados nos mais diversos suportes. Queremos ler: o magnífico designer -insira seu nome aqui- é responsável pelo melhor e maior projeto deste século.

Parece um pouco demais? Ambicioso talvez? Pois bem, é essa a cultura e as expectativas que carregamos e, muitas vezes, nem percebemos. A hesitação, o “não” e até mesmo o “talvez” foram cedendo espaço a afirmações para questões tão subjetivas quanto particulares, quando muitas vezes a pergunta não foi completamente compreendida.

Esse não é um texto desmotivacional. Ele nem tem grandes pretensões. Ele pode ser uma nota, um rascunho, um pensamento delirante. Mas podemos sensibilizar nosso pensamento e mudar a rota. Por que não sugerir perguntas no lugar de respostas? E se não tivermos medo do erro, da recusa, da livre interpretação?

O processo de design é inconstante. Ele não é gerado por mãos e braços mecânicos. Fruto de múltiplos pensamentos e tentativas, começa a comportar volumes absurdos de requisitos a serem alcançados. Quem projeta adoece muitas vezes ao longo da jornada, mas “faz parte”. Se o resultado for satisfatório, esse será só mais um detalhe a ser esquecido.

Além dos diferentes requisitos projetuais é necessário atender aos diferentes públicos com diferentes interesses, como dito por Van Toorn. O produto dessa equação acaba sendo uma produção genérica, concebida pelos padrões ditados pela indústria. A hierarquia e convenções muitas vezes nem são mais notadas. O “Bom design” é reduzido ao apelo estético. Quanto mais útil, quanto mais lucrativo, melhor. Já não sabemos mais para quem projetamos. Quem está do outro lado possui necessidades reais? O que ele nos diz? Muitas vezes não o escutamos. Chamamos nossos projetos de “reais”, sendo que foram gerados em uma fábrica e seu destino, inevitavelmente, é o descarte. O espaço comum torna-se claustrofóbico com padrões que aprisionam e oferecem uma liberdade programada, ao alcance dos nossos dedos.

Procura-se designer criativo, proativo, feliz. Não somos encorajados à reflexão, à crítica. Precisamos ser inovadores, mas nem tanto. Nada que abale a ordem, a técnica, o seguro.

Designers, usuários, consumidores, cidadãos, aspirantes a qualquer coisa, projetistas, autodidatas, permitam-se olhar para os vértices inúteis, para o absurdo, para o ornamento, para o não-ornamento. Cedam gentilmente um lugar para a pergunta. Olhem para o que se esconde ou que foi escondido. Oportunizem o diálogo, a escuta. E que estejamos, finalmente, abertos ao pensamento, à hesitação.

Notas de fim de página:

Querido leitor, este texto foi construído fazendo uso de uma linguagem flexível, informal e crítica, contrapondo os textos científicos e acadêmicos, com pouco ou nenhum envolvimento pessoal do autor, comumente visando privilegiar a neutra e imparcial mediação entre a informação e o receptor.

As inquietações que originaram o tema do texto foram levantadas pela disciplina Compreendendo o design e pela bibliografia descrita abaixo:

ARMSTRONG, Helen. Teoria do Design Gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

DUNNE, Anthony ; RABY, Fiona. Speculative Everything: design, fiction and social dreaming. 1 ed. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2013.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução: Enio Paulo Giachini. 1 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2015.

Imagem de Marianne Bos

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