Por uma reflexão sobre a identidade do design gráfico brasileiro

Sabrina Mendes
e o design com isso?
5 min readMay 31, 2021

Quando aprendemos a perceber a profundidade da interferência do design no universo de objetos, serviços e técnicas na sociedade podemos começar a reconhecer neles as manifestações de valores e políticas sociais.[…] O design é o resultado de escolhas. Quem faz essas escolhas e por quê? Que visões de mundo estão subjacentes a elas e de que modo esperam os designers apresentar uma visão do mundo manifesta nos seus trabalhos? (Margolin, 1993, p. 11).

Inicio esta reflexão com uma citação de Victor Margolin e aproveito para deixar alguns questionamentos iniciais por acreditar que num país com grande diversidade cultural e em um momento de extrema fragilidade democrática chega a ser contraditória a forma como o design passou a ser tratado de forma banal em algumas situações, apesar das suas potencialidades de discurso. Os questionamentos que sugiro inicialmente são relativos principalmente à possibilidade de exploração visual de um design com identidade e características próprias. Temos uma cara? Precisamos ter? Até que ponto me identifico como designer brasileira? Tantas influências estrangeiras — especialmente no embasamento em modelos modernistas — recebidas principalmente na consolidação do design enquanto prática profissional no Brasil — , foram absorvidas de forma positiva ou apenas mimetizamos o que vem de fora (até hoje)?

Um dos primeiros movimentos a questionar as influências externas na criação brasileira, com enfoque na arte e na literatura, ocorreu em 1922 com a Semana de Arte Moderna, que tinha como proposta renovar o fazer artístico brasileiro a partir de uma perspectiva nacional. Renato Ortiz, em Cultura Brasileira e Identidade Nacional, destaca que a questão da “imitação” é recorrente na história da cultura nacional e os protagonistas da Semana de Arte Moderna buscavam reverter esse traço.

Ainda na década de 20, observando o panorama europeu, artistas vanguardistas que deram início ao modelo inicial do design tinham como princípio a neutralidade e o funcionalismo — tendo como um dos principais expoentes a Bauhaus. Alguns anos mais tarde, a Escola Suíça também seguiu a imparcialidade e objetividade e consolidou a ideia de anonimato do ato em se fazer design.

“Os membros da influente escola Bauhaus […] buscavam uma visão objetiva e purificadora. Ali, sob a influência do construtivismo, do futurismo e do De Stijl, uma despersonalizada estética maquinal chocou-se com a propensão subjetiva do expressionismo […] Artistas como Moholy-Nagy equiparavam a objetividade à verdade e à clareza. Para exprimir tal verdade, os artistas tinham que se afastar emocionalmente de sua obra em prol de uma abordagem mais racional e universal” Armstrong, 2019

Apesar de alguns designers ainda seguirem pelo caminho da suposta imparcialidade, a partir da segunda metade do século XX, o movimento de dar voz às ideias e se considerar como parte do processo foi tomando forma.

No Brasil, como citado anteriormente, as raízes da construção da prática do design têmtem forte embasamento nos modelos modernistas. A consolidação do ensino do design no país ocorre na década de 1960 com fortes influências européias, principalmente da Escola de Ulm, mais especificamente, em 1963 com a Escola de Ensino Superior de Desenho Industrial — ESDI no Rio de Janeiro. Apesar disso, antes da ESDI algumas escolas começaram a dar o passo inicial no ensino de design no país na década de 50, como foi o caso da Universidade Mineira de Arte — UMA (atual ED-UFMG), que oferecia o curso técnico de desenho industrial desde 1957 — e se tornou curso superior reconhecido pelo MEC em 1968 — e a iniciativa do MASP com o Instituto de Arte Contemporânea — IAC em 1951 coordenado por Lina Bo Bardi.

No livro Análise do Design Gráfico Brasileiro: entre mimese e mestiçagem, Dijon de Moraes ressalta as influências estrangeiras recebidas durante a instituição formal do design no Brasil. Porém, o autor esclarece que muitas das influências acabaram por se fundir com as referências locais. Apesar disso, não conseguimos desenvolver ainda uma identidade de design propriamente brasileira e que tenha repercussão local e internacional.

“É importante relevar que, a partir do momento da instituição do design no Brasil (desde as iniciativas experimentais até o estabelecimento do ensino oficial), o país não cessa de receber influências, referências, modelos, métodos, conceitos e teorias provenientes dos centros mais industrializados, destinados a interagir no âmbito do design local, determinando, portanto, uma estreita relação entre as referências locais e os modelos projetuais provenientes do exterior […]” Moraes, 2005, p. 30

Dentre os protagonistas do design brasileiro, destaco aqui alguns trabalhos de Alexandre Wollner e Ruben Martins — fundadores de um dos primeiros escritórios de design brasileiro, o Forminform. Alguns desses trabalhos dialogam esteticamente com a poesia concreta entre as décadas de 60 e 70 e, de certa forma, contribuem para a formação de uma identidade própria do design brasileiro da época.

Casa Almeida e Irmãos, Rubens Martins; Prefasa Engenharia, Alexandre Wollner; Anúncio Disenfórmio, Ruben Martins e Décio Pignatari

Outro expoente do design brasileiro que trouxe uma identidade forte emna sua época foi Rogério Duarte. A partir de 1968, Duarte integrou o movimento Tropicalista, criando a capa do álbum homônimo de Caetano Veloso, um marco para o movimento. Criou também outras capas para Caetano e para outras figuras importantes do Tropicalismo, como Gilberto Gil e Gal Costa. Além disso, com a influência do Tropicalismo na terceira fase do Cinema Novo, Duarte fez um de seus trabalhos mais marcantes, o poster do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha.

Capa do álbum homônimo de Caetano Veloso, Rogério Duarte; Poster do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, Rogério Duarte

Apesar dessas referências pontuais, ainda é notável que a potencialidade de se desenvolver uma linguagem visual própria brasileira não foi disseminada de maneira sistêmica, mas na maioria das vezes relacionada a discursos e movimentos específicos. Não pretendo chegar a uma conclusão imediata, mas repito os questionamentos do início — temos uma cara? Precisamos ter? Até que ponto me identifico como designer brasileira? Finalizo com uma citação de Renato Ortiz apresentada por Dijon de Moraes que complementa esses questionamentos e abre espaço para mais perguntas sobre o que fazemos e como fazemos enquanto designers: “o colonizado nem sempre é capaz de reconhecer-se através de si mesmo, ele às vezes se enxerga através dos olhos do colonizador” (Moraes, 2005, p.59).

Referências

Armstrong, Helen. Teoria do Design Gráfico. Tradução: Cláudio Alves Marcondes. São Paulo: Ubu Editora, 2019

Margolin, Victor. A necessidade de estudos de design. Estudos em Design, 1(1), 10–11, 1993. Meneses, M. (2008). “Epistemologias do Sul”, em Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 80, n. 1, p. 5–10, 2008

Moraes, Dijon De. Análise do Design Brasileiro: Entre Mimese e Mestiçagem. São Paulo: Blucher, 2005

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