Espelunca gourmet
- Pessoal, vamos comer no melhor lugar da cidade!
Disse; e agitava as mãos como ventríloqua, sorrindo grande, a manipular seus bonecos de fios imaginários. Toparam — o que mais se poderia fazer? E do alto da fachada, o letreiro bem feito, interessante, causando, porém nada inusitado — um dachshund alegre, enrolado num pão de leite, e um balão sobre ele, escrito: Dogão — bom pra cachorro!
A pintura reluzia, viva e iluminada, pois a reforma, para atender aos novos padrões, não por redução da clientela e sim por se vislumbrar maiores possibilidades de faturamento, era recente. Além dos tradicionais cachorrões, simples, duplos, com salsicha ou hambúrguer, este último a descaracterizar o prato, acrescentou-se, com destaque no cardápio reformulado, as opções de “elite”. Eram lanches gourmet, digo, lanche é na outra seção, aqui prevalecem o gosto americano e um suave toque francês. O x-salada sobrevive, mas o queijo se diz cheese, o hambúrguer é artesanal, as cebolas são onions — às vezes roxas, às vezes só onions -, o pão é o ideal para cada especialidade, e pode vir acompanhado ou não de fritas (fries) — engorduradas e servidas numa travessa de alumínio coberta por um guardanapo, correto? Negativo. Nem são como aquele isopor salgado da concorrência — são batatas rústicas, servidas, com casca e tudo, numa tábua, o que dá o sabor e a aparência dos banquetes coloniais. Todo este requinte o freguês poderá desfrutar em cadeiras de plástico, se não chegar a tempo de se sentar numa das mesas novas, de compensado, ao som tranquilizante de um Amado Batista. Há quem goste.
Se desde o início faltou entusiasmo, imaginem agora:
- A lua-me-traiu aí já destoou e ainda me vem com maionese no tubão?
- Gourmet só no papel…
- Se não tem Heinz não é gourmet.
- É o gourmet brega. A cara do Brasil.
E ela, chicoteada, levava na galhofa, curtia a aventura:
- Ai, gente, como vocês são cruéis. Cruzes!
Porque no seu coração, estava certa, não tinha outro igual:
- O melhor lugar da cidade!
