Ilusões para se perder

Daniel de Oliveira Carvalho
É quase Shakespeare!
4 min readAug 29, 2018

Quantas pessoas não buscam alcançar a felicidade da vida imaginada que a Fortuna as impede de conseguir, mantendo-as reféns de promessas de felicidade? Trabalhar, enriquecer, comprar o que deseja, privilégios que levam a desilusão. Uma vez que se obtém o que se busca logo se percebe que aquilo não nos completa, mas se o desejo não se satisfaz, permanece a tensão ao longo dos anos e o desejo daquilo que não nos faz feliz enquanto somos infelizes.

Quando ia às missas das seis da tarde, na Catedral de Curitiba, impressionava-me os velhotes que frequentavam aquele lugar; não me refiro às velhas que cheiram à vela de igreja, mas aos sinceros anciãos que sabem estar lá seu último destino.

Havia um desses lá, ou gosto de imaginar que ele fosse um desses. Um senhor de uns oitenta anos, eu diria, cabelos brancos dos lados, careca em cima, sempre com um grande casaco marrom de couro, calça de tergal, sapatos lustrados e velhos, pasta de couro e sacola de compras. Todos os dias ia à missa das dezoito horas. Talvez ele já tenha perdido a mulher; talvez os filhos já tenham casado e morem longe; muito provavelmente já se aposentou; talvez já tenha trabalhado em uma empresa por anos ou tenha estado desempregado por vários outros; já deve ter sido promovido no emprego; já amou e já sonhou com sua amada; talvez já tenha tido em seus braços a bela criança rosada por quem perdeu noites de sono; já deve ter visto tal criança crescer e se tornar uma médica, ou um engenheiro, ou um folgazão que não deu em nada na vida; provavelmente já viu amigos de infância casarem, terem filhos, sumirem e depois reaparecerem gordos ou carecas e sumirem novamente até reaparecerem como nomes nos obituários, destes que avivam na memória as imagens da juventude e que nos faz perguntar: “quando serei eu?”. Já viu os governos surgirem e sumirem, as reformas virem e passarem, os golpes começarem e acabarem; já acreditou e se decepcionou com as soluções que colocariam o Brasil nos trilhos mas que nunca o tiraram da estrada de barro no meio do mato. Este senhor, que todos os dias estava na missa das seis horas, com sua jaqueta marrom, sua pasta de couro e uma sacola de frutas, já sentiu raiva, já quebrou narizes, já teve olhos roxos, já discutiu com a mulher e celebrou bodas, já brigou com os filhos e ganhou presentes no dia dos pais, já pecou muito, já se confessou muito e… bem, e o que restou?

Por acaso sonha ele, hoje, como alardeiam os jornais, cursar uma faculdade de direito e ser mais um destes senhores em idade avançada que conseguem um diploma? Por acaso sonha ele em formar uma nova família? Por acaso sonha ele com uma casa nova? Sonha com um carro novo? Ou talvez sonhe realizar um grande projeto que restaurará a cultura e alma nacional?

Não é para estes sonhos que aquele senhor dobra os joelhos todas as tardes. Ele se ajoelha diante da imagem do Cristo de mãos atadas por um fino cordão, coberto com um manto vermelho escarlate, coroado com uma coroa de espinhos, de cabeça baixa, à direita de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Ele se ajoelha por uma esperança que sabe não poder realizar, mas que aquele Cristo de mãos atadas pode; pois basta ele mover os braços e o cordão se romperá. E talvez ele pense: não foi tudo isto que passou, ao longo de toda a sua vida, frustrado por um fino cordão de ilusões que ele sem querer rompeu, ao realizá-las?

Talvez seja por isso que a maior parte dos frequentadores das missas sejam idosos. Que ilusões tem eles da vida? Que esperanças fúteis ou idiotas eles almejam? Pois não é a esperança de uma vida melhor que eles cultivam, mas do consolo de uma vida que não pode ser mais do que já é. Aquele senhor é para mim símbolo de uma vida que já fez tudo que tinha e podia fazer, que já não se engana mais com as falsas promessas deste mundo e que está livre para pensar, finalmente, na vida eterna.

Mas e eu? E os jovens? Estes tantos jovens que lotam igrejas e mais igrejas, vestidos dos mais antigos rituais, armados das mais afiadas teologias, coroados com os mais belos discursos, quão sinceros conseguem eles ser? Quem se ajoelha diante de um Cristo de mãos atadas por um cordão? Os jovens ainda vivem. Mesmo o mais apático deles ainda vive intensamente, pois acredita, lá no fundo, que amanhã será melhor. Mesmo o mais inerme tem diante dele o Futuro, a Fortuna e suas promessas. Quem sabe amanhã não encontrarão alguém e casarão, e terão filhos, e os filhos serão isso e mais aquilo? Quem sabe um novo emprego não surgirá e eles ganharão bem e serão promovidos e farão muitas coisas? E quantas pessoas ainda vão conhecer? E quantos amigos ainda farão? E quantos projetos realizarão? E quantos títulos obterão? E por quantas terras não viajarão para fotografar as ruínas dos antepassados? E quantos deles sonham com noites em claro? Quantos esperam a dor e a doença, sinceramente?

Tudo isso me fez pensar que estes jovens — não todos, mas a maioria — se ajoelham, todos os domingos, não diante daquele Cristo de mãos atadas por um cordão, e que sofreu terrivelmente neste mundo, mas diante de uma ideia de Deus, de um conceito de divindade, de uma filosofia, de um método para viver bem, de um grupo do qual fazem parte e do qual a Igreja é seu salão de festas.

Não posso dizer que são falsos religiosos, não é isso. Eles, tal como todos os seres humanos, tal como eu, estão cheios de esperanças. Esperanças de amor, de amizade, de trabalhos, de projetos. Apenas pergunto a mim mesmo: como posso sonhar com uma vida eterna se eu mesmo me encontro com as mãos atadas por um fino cordão de ilusões?

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