Plaque!

Caio M P dos Santos
É quase Shakespeare!
2 min readFeb 19, 2019

--

Estava na escola, fazendo o quê…? Não importa! Estava na escola. Acompanhado não sei se do meu fiel escudeiro ou se do meu D. Quixote, numa expedição pós-turno letivo, cuja justificativa, ok., desconhecemos. Há muito construíram as novas salas na cobertura do pátio e era já costume consolidado entre os alunos mais velhos passar o recreio no patamar de bifurcação da escada. Ela estava lá; o Dom ou Sancho foi o primeiro a notar o seu… Também ergui minha vista, procurando-o. Trocou a postura — não que se importasse — porque, ligeira, pegou no ar a situação. Encurvou-se e olhou-nos do alto, por entre as barras de proteção. O mesmo gesto se repetiu duas ou três vezes, com troca de sorrisos. E foi mais longe: desfilou até os últimos degraus do primeiro lance, deu uma gingadinha e piscou — plaque! — com força, os cílios pesados, um sorriso de boca aberta, expressão duma Marilyn Monroe moderna e desconhecida. E cadê estes meninos que não vêm? Digo, é no singular ou no plural? Pança/De la Mancha respondia: é contigo, meu filho. A coisa ganhava notoriedade, tornava-se pública a todo o colégio, que até o professor (lembrei o que fazíamos lá: tinha ensaio da peça para a feira de ciências) que até o professor se aproximou de nós com insinuações: “Vocês viram ali, hem, hã?” sussurrou, golpeando-nos os ombros. “Estão dando mole pra qual dos dois… hem, hem?”.

Depois do sinal é comum descer para se ir ao banheiro, beber água, tudo com o honesto propósito de adiar o retorno às aulas. Pois bem, foi o que ela fez, pelo hábito e como último recurso. Eu, que nem tinha obrigação de cumprir horário, fui lá também molhar o beiço, manso como gado. Chego primeiro — mais uma prova de que a toureira sacudia o pano vermelho para atiçar o animal inerte; ela para de costas, abaixa-se segurando as mechas que poderiam se ensopar sobre o jato do bebedouro, num desconforto que denunciava uma sede inverossímil. Era a terceira pista.

Instruído, incentivado, aturado. Contudo, o olá perdeu-se nas gengivas, e ela então partiu, soberana, sem volver a vista nem por um segundo. Contemplei-a com um sentimento etéreo de um dia revê-la, dividido entre garanhão e eunuco, entre o papel que logo mais representaria no teatro escolar e a oportunidade perdida, como se aguardasse a destilação do cálice amargo da vida que não se viveu e que é fulminante como uma piscadela.

--

--