Os 30 são os novos 15(?)

A geração que não quer deixar a adolescência para trás

Gustavo Cidral
Eat is a Trip
4 min readFeb 14, 2017

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Por mais lindo que seja o horizonte, às vezes dá medo de voar (fotos: unsplash.com)

Você já deve ter lido ou ouvido a expressão “os 50 são os novos 30”, ou então “os 40 são os novos 30” e até mesmo “os 60 são os novos 40”. Bem, pelo menos no Brasil, com a reforma da Previdência, os 70 terão que ser os novos 50, se quiserem ter uma aposentadoria com qualidade de vida. Ao refletir sobre essa onda de rejuvenescimento das gerações, me deparei com o fato de completar neste ano três décadas de existência. Sim, sair da casa dos 20 me pegou de “surpresa”. Se na infância as tardes passavam tão devagar que era possível viver uma aventura por dia, depois dos 18 a gente entra num turbilhão onde os meses passam sem avisar que já estão indo embora. O ciclo da vida não apenas gira, ele acelera a cada instante inédito.

De repente, as amizades e tempos livres da adolescência escorrem pelos dedos e você se vê enquadrado numa sequência de horas, dias e semanas, todas muito parecidas. Não há escapatória. Essa fase do jogo da vida parece ser a mais maçante, quando você dedica suas forças e talentos para conseguir se manter biológica e socialmente vivo, canalizando seus recursos para pagar as despesas de eletricidade, de água, de alimentação, de residência, de locomoção, de lazer, de comunicação, de educação ou apenas de ser cidadão (aqui não há troca, somente perda). É preciso ter alguma sobra de tempo e de dinheiro para fazer algo além disso.

“Isso sempre foi assim”, os experientes podem dizer. É verdade. Porém, há uma característica da faixa-etária em torno dos 30 que a faz agir diferente dos pais e avós. Essa geração passou pela adolescência numa época confortável, embalada pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento da tecnologia. Acompanhou o surgimento da Internet e aprendeu desde cedo a ter acesso rápido e fácil à informação. Cresceu em meio à explosão de lançamentos de variados brinquedos e dispositivos tecnológicos. Habituou-se a ter bem mais opções de canais de TV do que as gerações anteriores. Recebeu todo o paparico material que os pais poderiam dar para suprir a ausência de quando se dedicavam demasiadamente ao trabalho a fim de dar conforto à prole.

Se há uma escolha “compreensível” dessa turma, é a de querer ser adolescente para sempre. É quase uma síndrome de Peter Pan. Aliás, os nossos pais sempre quiseram nos dar tudo o que eles não puderam ter na infância. Já nós, queremos dar novamente a nós mesmos tudo o que tivemos na infância e também tudo o que não pudemos ter.

O comportamento dos “treenta”

“I don`t wanna grow up”, já dizia a música

A nossa geração é aquela que quer continuar a virar a noite jogando, a empilhar histórias em quadrinhos, a colecionar bonecos, a ostentar a camiseta da banda preferida ou a se empolgar com o novo filme de um super-herói. Os hábitos de 15 anos atrás concorrem com a (chata) vida adulta.

Claro, há uma estratégia para fisgar o público movido pela nostalgia, que agora tem o poder aquisitivo para movimentar o mercado ao gastar com mais do mesmo: grupos musicais que retornam, adaptações cinematográficas de desenhos animados antigos, remakes ou reboots de filmes e séries, roupas e até lugares que voltam à moda.

O entretenimento e a economia são apontados como alguns dos fatores responsáveis pela adolescência tardia, mostra o artigo O Fenômeno da Adolescência Eterna. A publicação também indica o aumento da expectativa de vida como influenciador desse movimento, pois “tem causado um atraso na maturidade até os vinte e poucos anos”.

Falando em maturidade, os 30 de hoje tiveram que decidir cedo, geralmente aos 17, um curso universitário, e muitos não se consideram realizados. Optariam por outro caminho se pudessem. Ser graduado e ter um bom emprego para se manter e ser independente é uma exigência que obrigou bastante gente a se tornar adulto, ou pelo menos a se portar como um, antes do que esperava, sem terminar direito a adolescência, ficando o gostinho de “quero mais”.

Ao mesmo tempo, uma boa parte se recusou a sair do ninho e voar com as próprias asas, pois o aconchego do lar e o coração mole dos pais são propícios a ficar no conforto, mesmo quando se forma um novo núcleo familiar. Como diz o artigo de Ruth de Aquino na revista Época, muitos pais até financiam filhos casados e não é raro que filhos divorciados voltem a morar com o pai ou com a mãe. São chamados de “filhos bumerangues”.

Egoísmo dos filhos? Também dos pais. Talvez a ausência nas fases anteriores faça com que alguns tentem segurar ao máximo suas “crianças”, querendo dar a atenção que não puderam em outra época, impedindo inconscientemente que as crias voem alto e, se voarem, que se mantenham no alto sem querer voltar ao ninho.

A infantilização da geração “mimimi” é culpa dos pais? Não sou especialista nesse assunto para tal afirmação. Mas creio que o estrago seja mútuo.

Adolescentes existem de todas as idades. Os 30s devem ser os 30s, sem a inútil luta contra o tempo. Você tá em dúvida? Não precisa abandonar a adolescência. Cultive as descobertas dessa fase, assim como a pureza da infância, a energia da juventude, a responsabilidade da vida adulta e assim chegar à velhice com prazer.

Don`t worry, be happy!

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Gustavo Cidral
Eat is a Trip

O mais velho do Jair e da Edinha. Nunca fiquei de recuperação. Instagram: @gustavo.cidral