À Mesa com: Rui Rocha Costa

O co-founder da EatTasty em conversa com Bruno Martins, do podcast Assim Assado.

EatTasty Portugal
EatTasty Portugal
10 min readAug 25, 2020

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Rui Rocha Costa é um dos fundadores da EatTasty, uma empresa que nasceu com o propósito de mostrar que os serviços de entrega de comida não precisam de ser apenas de fast-food.

O trabalho da equipa da EatTasty consiste em levar, nos períodos habituais da hora de almoço, comida para a pausa do meio do dia. Mas o período da pandemia - e do confinamento para muita gente - acabou por mudar a forma de operar da marca. Se, até então, os almoços eram entregues nos locais de trabalho, em março, e em apenas dois dias, o negócio mudou: na região de Lisboa (de Odivelas a Corroios; de Cascais ao Parque das Nações) as refeições passaram a poder ser levadas diretamente às casas dos clientes, passando também a haver a possibilidade de serem entregues refeições para toda a família.

Têm sido meses desafiantes para o sector da gastronomia e, por isso, também para a EatTasty. Além de trabalhar com um chefe dedicado, Rúben Couto, a marca trabalha diretamente com uma série de restaurantes. Rui Rocha Costa conversou com Bruno Martins, do podcast Assim Assado, sobre as mudanças e as adaptações da empresa que aconteceram durante um período de crise da restauração, levantando também o véu sobre aquilo que pode vir a ser o futuro do negócio da EatTasty.

Rui, deixa-me começar por te pedir que nos contes um bocadinho da história da fundação da EatTasty.
Nós tentámos ter, desde o início, uma abordagem única. Há cinco anos já existiam vários projetos de entrega de comida, mas sentíamos um grande desconforto com a abordagem um pouco fria e cruel daquilo que nos parecia essencial, que era a comida. Pensar em trazer comida de um restaurante - seja ele qual for - colocá-la numa embalagem, transportar e entregar ao cliente, e acreditar que haverá uma boa experiência da parte do cliente, parecia algo completamente errado. Era necessário voltar atrás e pensar todo o processo em si: aquilo que leva os chefes a pensar os ingredientes, as texturas e os sabores, e perceber de que forma conseguiríamos criar essa experiência na entrega de comida fora do local de consumo. Em 2015, quando começámos a pensar no projeto, analisámos todo o mercado e percebemos que havia bons e maus exemplos. E havia ainda outras que eram uma estrela-guia daquilo que queremos conceber no nosso projeto, algumas delas até podem não estar relacionadas com comida.

Podemos ver alguns exemplos?
Uma das maiores inspirações foi, sem dúvida, David Chang. O chefe, em 2015 - início de 2016 - iniciou um projeto especializado em entrega de comida em casa, chamado Maple.com, porque recusava-se a aceitar que os restaurantes dele tivessem delivery… algumas plataformas até tentaram, mas ele proibiu sempre, precisamente com esse pressuposto que os serviços habituais não iriam funcionar, que a comida não iria provocar a mesma experiência que em restaurante. E essa intenção esteve na base daquilo que era a nossa ideia para a EatTasty: criar uma boa experiência para o cliente e valorizar a comida.

Então, pode dizer-se, de um ponto de vista utópico: se a EatTasty estivesse nos EUA, poderia ser um serviço para o David Chang recorrer e entregar em casa os pratos do seu Momofuku?
(risos) Era uma das ideias! Obviamente que o Maple.com depois acaba por tornar-se uma referência em muitas outras coisas, porque a experiência e o que desenvolveram em termos tecnológicos foi extraordinário. E ainda há os Dabbawala, em Bombaim, na Índia: um grupo de cerca de 5000 pessoas que entregam comida há cerca de 130 anos, em escritórios da cidade, numa rede criada no ano de 1890, na altura sem tecnologia, mas também sem falhas. Essa eficiência do serviço, essa capacidade de levar a comida a muita gente, foi algo que nos impressionou e inspirou - e eu ainda tenho como objetivo ir lá ver como funciona. A eficiência do processo de levar comfort food a pessoas que estão a trabalhar também foi algo que nos inspirou bastante e a conjugação dos dois levou-nos a criar primeiro uma proximidade com empresas e, portanto, durante quatro anos, entregámos comida em escritórios à hora de almoço. A pandemia veio colocar-nos muitos outros desafios.

David Chang, chef e founder do restaurante Momofuku, na capa do WSJ (Novembro, 2018), e os Dabbawala, em Bombaim, Índia (Fotografia: Mumbai Mirror).

Um exemplo prático: durante a pandemia deixei de ir para o escritório e passei a receber as minhas refeições EatTasty em casa. Esta mudança de processo já estava planeada ou foi forçada?
Estava planeada, mas houve uma antecipação do plano. Porque era nessa relação próxima com o cliente final que conseguimos medir essa experiência de que falava.

É inegável que a ideia do take away e home delivery vieram para ficar. Mas como é que se consegue garantir que uma empresa como a EatTasty consegue levar a casa das pessoas, além da comida, também a tal experiência de que falas?
Porque há uma obsessão muito grande na qualidade do produto final. E também a lealdade dos clientes. O nosso negócio depende, obrigatoriamente, de uma fidelização e ela só é garantida se conseguirmos entregar um bom produto e uma boa experiência. O nosso negócio não é apenas vender comida - mas sem ela não temos negócio. Nós falamos muitas vezes disso em equipa: podemos ter o melhor serviço de entrega, podemos ter a melhor solução tecnológica… mas se a comida não for boa, o cliente não vai voltar a comprar. Todos os dias recebemos avaliações dos clientes - mais de 20% dos clientes avaliam as refeições que recebem. Por exemplo, o nosso chef in house, que trabalha diariamente connosco [Rúben Couto], e que tem mais de 20 anos de experiência em cozinhas, tem aqui, pela primeira vez na sua vida, uma oportunidade de falar diretamente com os clientes, porque num restaurante com muito serviço não se consegue falar diretamente com todos os clientes e pedir uma opinião sobre aquilo que se está a entregar.

Mas a EatTasty também trabalha com restaurantes.
Sim, desde o final de 2017. Começámos a trabalhar com restaurantes que nos pudessem garantir consistência, mas, sobretudo, que nos pudessem garantir um crescimento de volume de porções que teríamos por dia. E isso levou-nos a um modelo novo: se trabalhámos primeiro com cozinheiros amadores - e foi um enorme desafio - hoje é apenas com restaurantes, ainda que alguns deles possam ser chamados de ghost kitchens, ou cozinhas-fantasma. Mas nunca desvirtuando a ideia inicial: comida pensada, concebida, para delivery. E nas nossas relações com restaurantes, isso pode significar muitas vezes dizer-lhes: “isto não serve; isto não encaixa no nosso menu”.

O que é que encaixa no menu da EatTasty?
Várias coisas, até porque fomos evoluindo muito na oferta - pela tal relação próxima com o cliente. No início era aquela comfort food, a “comida caseira” que nos habituámos a comer em casa da mãe. Mas depois evoluímos para novas texturas, novos sabores e ingredientes. Por exemplo: hoje temos uma selecção de pratos vegetarianos que são bastante apreciados… e não só por vegetarianos. E esse tipo de ofertas trazem confiança na relação com os clientes que podem dizer: “até pode não ser o prato que eu gosto mais, mas, como é EatTasty, vou experimentar!” Tanto pode ser um Arroz de Pato com Caril ou um Poke Bowl.

Uma das impressões que tenho é que em Portugal encara-se a hora de almoço de uma forma um bocadinho diferente de outros países, para quem esse momento pode não ser tão importante. Mas nós gostamos de nos sentar à mesa e de comer bem.
Sim, é verdade. Acho que o sul da Europa tem esse feliz hábito! A felicidade pode estar num prato, mas também pode ser no ato de estar sentado à mesa com pessoas de quem se gosta. Mas há uma percepção de uma grande parte das pessoas de que o delivery está unicamente focado na conveniência, mas julgo que nos últimos meses isso tem vindo a mudar, porque também há muitos restaurantes que viram nas entregas uma alternativa a estarem encerrados. E isso veio ajudar a fazer passar essa mensagem para o cliente: não é apenas o hambúrguer, a pizza ou o sushi. Há muito mais que é possível encomendar e ter uma boa experiência em casa. No fundo é levar até casa - ou local de trabalho - a boa experiência de comer bem.

A casa e o local de trabalho que, para muitos, hoje em dia são uma e a mesma coisa! Mas, Rui, pensando na ideia de avaliação e feedback dos clientes, como é que mudaram as avaliações da comida? Partindo de um ponto de vista pessoal, eu tornei-me muito mais crítico e exigente daquilo que me chega a casa para eu comer. Os clientes EatTasty pensam o mesmo?
Da nossa parte sempre sentimos uma exigência muito grande, porque na maioria dos casos, somos uma opção recorrente dos clientes. Isso significa que os clientes estão constantemente a dar-nos feedback. Quando fazemos um inquérito aos clientes a pedir ajuda para saber aquilo que a EatTasty é para eles, o número de respostas é avassalador! Certamente porque sabem que isso permite melhorias no serviço. Portanto, essa relação sempre foi muito próxima - não só em avaliações, mas também em sugestões de pratos ou restaurantes que podem integrar a nossa rede de distribuição. Mas entendo que, globalmente, os clientes estejam a passar a exigência do que tinham na experiência do restaurante para aquilo que têm em casa.

E há alguns aspetos em que os restaurante vão ter que saber aprender a dar respostas. Como por exemplo, na apresentação dos produtos.
Empratar é uma arte! As texturas podem mudar e o sabor pode ser diferente. O produto pode chegar a casa em condições péssimas. Como empratar numa embalagem de delivery?

É uma preocupação da EatTasty?
Faz parte do processo, é uma componente muito importante. Faz parte do processo de integração dos restaurantes na altura de começarem a trabalhar connosco. Obrigatoriamente tem que estar incluído o empratamento. Em cada ficha técnica do produto segue uma fotografia da forma de empratar. E há certas receitas que não vendemos porque não conseguimos garantir um bom empratamento. Começa a ser óbvio que grande parte do futuro desta indústria passa pelo delivery e isso deixa-me a pensar: há um processo de aprendizagem nas escolas relativamente àquilo que é esse desafio? É que não é o mesmo de produzir para servir à mesa. Lembro-me muitas vezes do David Chang - por ser alguém que me parecia estar à frente no tempo - e estou certo que nas equipas dele há uma especialização e uma formação para esse tipo de serviço. Por isso, ver pessoas do setor da restauração a olhar para o delivery como patinho feio é estranho: ou vão ignorar e vão surgir outros projetos para ocupar o espaço; ou mais tarde ou mais cedo alguém vai ter que assumir a responsabilidade para perceber como é essa oferta vai funcionar.

Rui, a EatTasty fez aos seus clientes, há um par de semanas, um inquérito relacionado com a mudança de hábitos que se vão sentindo nesta altura do pós-pandemia Covid’19. A que conclusões chegaram?
Genericamente há uma maior proximidade com a comida. Curiosamente pensávamos que o preço podia ter uma maior relevância nos resultados, mas acabou por não ser o factor principal.

Qual é o factor principal?
Há uma consciencialização geral relativamente à qualidade do produto. Não sei se está relacionado com o facto de as pessoas cozinharem mais agora e perceberem o que está por trás do que comem. O inquérito, porque foi feito no período de reabertura dos restaurantes, notou que ainda se sentia um grande receio no regresso aos espaços. Além disso, vemos alguns detalhes relacionados com o tipo de alimentação: não necessariamente vegetariana, mas as pessoas gostam de ter essa alternativa, com uma grande valorização do sabor, da experiência e do momento do consumo.

Quando falamos no serviço EatTasty, fala-se, sobretudo, de um serviço para a hora de almoço. Mas a ideia da hora de almoço, com a tendência do teletrabalho, também se alterou: as horas de almoço, hoje em dia, podem ser a qualquer hora. Ou começaram a trabalhar mais à noite e, em vez de um serviço de hora de almoço, podem precisar da hora de jantar. As horas de serviço do EatTasty também podem vir a mudar?
Sim, a mudar ou a aumentar. Temos muitos clientes que já nos questionam sobre entregas à hora de jantar. E isso está relacionado, diretamente, com questões operacionais e de eficiência de negócio. O jantar vai trazer desafios diferentes, mas estamos a trabalhar de forma a, brevemente, poder vir a cumprir esses serviços.

Como imaginas o menu? Pratos especificamente para horas de almoço e para horas de jantar? São experiências diferentes?
(risos) É uma boa pergunta, mas não sei se posso cometer agora a inconfidência de dizer em que é que estamos a trabalhar! Mas sim, o serviço de jantar traz desafios diferentes, também na concepção do menu e dos produtos que se sugere para essa refeição. Mas deixo uma referência: nós vivemos de muitos estímulos internos e externos e, neste caso, o [serviço norte-americano] Sweet Green é para nós uma grande referência: com o COVID fechou as lojas e teve que se reinventar - nomeadamente com um serviço de jantar. E há uma curiosidade que quem está na área vai perceber: o mesmo produto vendido ao almoço e ao jantar… é mais caro ao jantar. E isto significa que o cliente está disposto a pagar mais, ainda que o produto, em bom rigor, seja o mesmo- tal como o custo de produção. Isso é uma desvalorização do serviço ao almoço que é, precisamente, uma das nossas lutas.

Para terminar: de onde vem a tua paixão pela comida? Também sabes cozinhar?
(risos) Sei fazer alguns bolos e durante algum tempo foi forma de descarregar o stress profissional! De ficar até altas horas da madrugada a tentar descobrir como se faz O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo. Mas começa tudo por gostar muito de comer! E de perceber que os bons momentos acontecem à volta da comida.

É uma relação próxima pela tradição?
Sim, muitos portugueses vão dizer que a culpa é da região de onde vêm e todas as regiões têm boas comidas! Eu sou do Minho… come-se muito bem (risos). Mas podia dizer que era alentejano e era igual. Mas não consigo negar uns bons rojões!

Fica essa dica pessoal minha para o menu EatTasty: rojões.
O prato preferido de um dos fundadores e ainda não é oferta EatTasty! Onde isto chegou: não consegui mover influências para isso acontecer!

Esta entrevista pode ser ouvida na íntegra no podcast Assim Assado — em www.assimassado.pt

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