Homus (1h30 de preparo)
Cozinhe, mestre-cuca, o grão-de-bico até que ele atinja o ponto de cozimento correto. Separe a água do cozimento, para misturá-la, na proporção correta, com o alimento cozido, tahine, suco de limão siciliano, azeite e temperos que combinem com a culinária árabe. Ao conseguir uma mistura homogênea, está pronto o homus. Azeite e acidez a gosto. Sirva com os acompanhamentos tradicionais.
Cozinhe, mestre-cuca, o grão-de-bico até que ele atinja o ponto de cozimento correto (a panela de pressão ajuda muito nisso!), ficando bem macio, quase desmanchando (mais ou menos meia hora no fogo). Separe um pouco da água que sobrou na panela e misture lentamente (você pode ir adicionando aos poucos, até conseguir o ponto que você preferir) com o grão-de-bico cozido, a tahine, um pouco de suco de limão-siciliano (o amarelinho, não confunda com o limão-taiti, verde, mais comum no Brasil), um pouquinho de azeite, sal, pimenta e alho. Se você não conseguir bater tudo na mão, processador e liquidificador são bem-vindos. Ficando lisinho, prove. Você pode adicionar mais gotinhas de limão agora se desejar! Um fio de azeite também cai bem. Um pão sírio para acompanhar é uma ótima pedida.
Se você deseja se aventurar na cozinha, parabéns: você está no local errado. As descrições acima, pouco confiáveis, são exemplos de discriminações: alguém que quer repassar uma informação (no caso, o preparo de homus) o faz de formas distintas de acordo com quem está lendo. Pessoas já mais afeitas ao ambiente culinário certamente teriam como suficiente a primeira explicação (supõe-se saberem os tipos de limão pelo nome, por exemplo); aqueles que quase veem sua casa pegar fogo quando tentam cozinhar, por sua vez, devem necessitar de maior aprofundamento — tintim por tintim, vê-se o homus tomando forma. Em um ambiente capitalista como o que vivemos, faz sentido que produtores apliquem diversos tipos de discriminações — e aí uma das peças-chave do sistema, o valor de uma mercadoria, vem à baila fortemente.
Estudar discriminações de preço é um dos objetivos centrais do estudo “Price Discrimination & Intellectual Property”, de Ben Depoorter e Michael J. Meurer. Os autores, nessa obra, discorrem sobre a literatura existente sobre discriminação e seus afeitos, assim como as consequências das regulações de propriedade intelectual sobre essa prática, associando, como acontece com o grão-de-bico e a tahine no homus, campos do Direito e da Economia: segundo o exposto no texto, a literatura já existente fortemente indica que o aumento da circulação de produtos digitais permite um uso muito mais amplo, direto e frequente de diversas discriminações (por preço, por qualidade ou por agrupamento). Com isso, a discussão sobre o cenário legal que pode ditar esse mercado está fadada a crescer, deixando de ser nacional (no caso, estadunidense) e assumindo um papel global.
Algumas formas de discriminação têm mais de séculos de história: a Standard Oil Company, no final do século XIX e início do XX, mudava seus preços nos EUA para poder participar de price wars por outros mercados ininterruptamente. Esse tipo de discriminação, regional, é abordado no artigo, que questiona se se cria um monopólio ou mesmo se se aumenta o poder de mercado do vendedor; como resposta, tem-se que isto dependerá da capacidade dos consumidores de arbitrar o produto (ou seja, romper com a discriminação adotada, adquirindo o produto — neste caso, em outra região — por um preço menor do que o ofertado pelos produtores — neste caso, em sua localidade), prática que, por sua vez, é regulada pelas leis sobre propriedade intelectual e seu uso. Pode-se ver vários exemplos de produtos e serviços atuais, com amplas tentativas de melhor se aproveitar dos mercados existentes e capturar o maior preço de reserva dos consumidores, utilizando os recursos mencionados no artigo: temos o Spotify agrupando diversos conteúdo em uma só “venda”; a Netflix bloqueando programas em alguns países. Entretanto, assim como no caso da Standard, essas empresas não advinham magicamente os desejos de seus consumidores para costurar a “receita perfeita”: a petrolífera possuía um esquema de espionagem com as ferrovias, monitorando seus concorrentes e compradores; as atuais se baseiam em uma abundância de dados que fornecemos, majoritariamente de forma voluntária ou inconscientemente.
A perda de privacidade e a posse dos dados dos usuários comuns servem, então, como o grão-de-bico da pasta árabe aqui apresentada: as empresas têm “receita da receita”, enquanto, por uma política de propriedade intelectual (PI) favorável, tem-se a proteção e até um incentivo a que esse esquema seja produzido. Uma forma de como leis de PI podem influenciar na discriminação é a restrição por copyrights de acordo com os diferentes clientes e finalidades possíveis de um produto, seja para consumidores que pretendem divulgá-lo, como cinemas, rádios ou emissoras de televisão, ou consumidores ditos finais, que o adquirem diretamente dos produtores, permitindo preços distintos para esses dois propósitos. Outra maneira, mais dependente de dados, é a customização de produtos e o merchandising que precisam acima de tudo de saber seu mercado consumidor e o preço de reserva deste, sendo, portanto, uma operação necessitada de uma ampla oferta de dados.
Assim sendo, podemos perceber como a proposta de Depoorter e Meurer tem em si lógica: a evolução das formas de consumo de diversos produtos torna ainda mais forte a relação entre o estudo de leis e correlatos do Direito e campos da Economia, notadamente o que estuda discriminações, mais destacadamente a de preços, e práticas como arbitragem. Podemos também ver ligações com aspectos de dados pessoais, presentes em muitas discussões atuais relacionadas à navegação na rede mundial de computadores por internautas. As ramificações de soluções tomadas pelos produtores, como as variações no uso que se faz da propriedade intelectual, também são verificáveis.
E se você chegou até aqui e realmente ainda quiser aprender como se faz homus, sugerimos buscar por Ana Maria Braga ou Rita Lobo no seu buscador favorito.