Plataforma SciELO, a decisão de não excluir bens de informação e o acesso ao conhecimento
Como modelos cooperativos de pesquisa e compartilhamento do conhecimento se relacionam com a economia da informação.
Autoras: Bruna Mourão, Maria Claudia Menezes e Maria Vitória Galdino
No texto “Digital Economics”, Avi Goldfarb e Catherine Tucker nos relembram sobre o caráter não rival dos bens de informação. Simplificando, um bem não rival é aquele que pode ser consumido por diversas pessoas sem que o consumo altere a quantidade do bem que está disponível aos demais. Os custos de reprodução de um bem digital são nulos ou próximos de zero, o que significa que replicar um livro, por exemplo, é algo que envolve baixíssimo custo, principalmente quando comparamos com o custo para produzir o primeiro exemplar do livro.
Essa dinâmica faz com que os bens de informação sejam, em regra, copiados (legal ou ilegalmente) e disseminados com bastante facilidade e, por isso, restringir o acesso a esses bens deve partir de uma decisão de exclusão, por parte do produtor do bem. Para efetivar a exclusão, o detentor deve estar apoiado em regulamentações governamentais e em tecnologias adequadas.
A plataforma SciELO, abreviação de Scientific Electronic Library Online é, como o próprio nome nos informa, uma biblioteca digital que garante a todos o acesso a bens de informação bastante específicos e familiares a estudantes: artigos científicos de todas as áreas do conhecimento, desde medicina a ciências sociais. A SciELO é o produto bem-sucedido de um projeto da FAPESP e, atualmente, quinze países possuem periódicos vinculados à base de dados da plataforma. Seu objetivo é ser uma base colaborativa de pesquisa, “especialmente desenvolvida para responder às necessidades da comunicação científica nos países em desenvolvimento e particularmente na América Latina e Caribe”. A alimentação da plataforma é feita de forma cooperativa, pelos pesquisadores, que publicam seus artigos nas revistas indexadas ao sistema da biblioteca.
Usando as palavras de Goldfarb e Tucker, a SciELO é um exemplo de entidade que toma a decisão deliberada de não excluir seus bens de informação, criando, assim, bens públicos digitais. Através do apoio à produção de artigos científicos, a SciELO fomenta e impulsiona a produção e disseminação de conhecimento. Como explicam os autores, esse é um mecanismo fundamental para alcançar a igualdade de acesso à informação e à educação a nível global. Leitores dos países em desenvolvimento são especialmente beneficiados pela existência de bibliotecas digitais com acesso aberto e com produção acadêmica de qualidade em seus acervos. As bases de dados que, ao contrário da SciELO, decidem promover a exclusão e precificam os artigos científicos, cobram um valor alto, geralmente em dólares, o que dificulta — quando não impede — o acesso dos pesquisadores.
O modelo da SciELO se aproxima do sistema de funcionamento da Wikipédia, citada pelos autores como um esquema de “círculo virtuoso” que se beneficia com o crescimento no número de autores e leitores. Essa ideia de círculo pode ser traduzida em mais um conceito familiar à economia da informação: a externalidade de rede. Tanto na Wikipédia quanto na SciELO, o alcance deve aumentar à medida que aumentam os leitores, de modo que, havendo um público relevante, os autores são incentivados a publicar seus textos nas plataformas. É claro, o rigor científico é um ponto sensível de distanciamento entre as duas plataformas, entre outras diferenças no modelo de edição e produção do conteúdo. Mas, para todos os efeitos, podemos pensar em ambas como espaços colaborativos de produção e disseminação de conhecimento.
A SciELO é, portanto, uma iniciativa central nos esforços para nivelar os recursos edu cacionais entre os países. A análise da biblioteca digital à luz de conceitos da economia da informação nos revela que a plataforma promove o bem estar econômico, especialmente nos países em desenvolvimento, por meio da publicização de artigos científicos, bens de informação fundamentais ao conhecimento e à educação.
Referências
Goldfarb, Avi, and Catherine Tucker. 2019. “Digital Economics.” Journal of Economic Literature, 57 (1): 3–43. SciELO — modelo de publicação eletrônica para países em desenvolvimento. Disponível em