As Consequências Econômicas da Guerra

O impacto é direto para diversas economias mesmo no caso daqueles países que se encontram distantes do conflito

Luiz Eduardo Garcia
Economistas no Debate
6 min readApr 25, 2022

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Que as guerras fazem parte da trajetória histórica da humanidade não chega a constituir uma novidade. A despeito da tragédia social e humana que atingem as populações diretamente envolvidas nesses conflitos, é preciso igualmente considerar que nem todos os conflitos produzem os mesmos impactos em termos econômicos. O comércio internacional e os indicadores macroeconômicos são afetados diferentemente dependendo dos atores que por ventura estejam em litígio. O atual conflito entre Rússia e Ucrânia nos leva a refletir sobre essas questões nos remetendo a seguinte questão: quais são os impactos econômicos causado pela atual guerra no Leste europeu?

A pergunta nos remete a uma quase provocação ao clássico texto elaborado por Keynes que se questionava sobre as “consequências econômicas da paz” no imediato pós-Primeira Guerra. Naquele momento, a ideia de Keynes, que fora representante do governo britânico nas negociações de Paz de Paris em 1919, era apontar para os limites dos condicionantes draconianos que foram impostas aos alemães e que seriam confirmadas no Tratado de Versalhes.

Keynes estava menos preocupados com um senso de justiça ou de punição e sim voltado para uma visão pragmática, embora não despida de ideologia, acerca de uma ordem econômica estável e próspera no continente europeu. Prosperidade e estabilidade na visão daqueles que defendiam os interesses britânicos, por certo, mas que ainda assim advogava a importância de um sistema econômico europeu integrado e que conferisse liberdade ao comércio daquela região.

O brilhantismo intelectual e retórico de Keynes não deve encobrir a coragem de defender seus argumentos de forma clara e explícita em um momento histórico no qual todos apontavam o dedo para os alemães com sede de vingança independente do preço a se pagar. A história é impiedosa e a ascensão do nazismo anos depois foi um custo demasiado elevado para ambos os lados do conflito.

Se Keynes propôs a reflexão sobre o cenário econômico no momento seguinte ao fim dos conflitos, talvez sejamos forçados a refletir sobre as “consequências econômicas da guerra” no exato momento em que nos deparamos com um conflito armado com potencial de assumir proporções gigantescas.

Em termos geopolíticos, está claro que a Rússia se vê isolada dentro do cenário europeu. Em termos de valores, as potências ocidentais condenam veementemente as incursões russas em território ucraniano deixando um rastro de violência e catástrofe humanitária. A obsolescência das forças armadas ucranianas dificilmente será compensada com o apoio logístico dispensado pelos EUA e União Europeia à antiga república soviética. Enquanto isso, os chineses adotam uma postura vacilante sem condenar abertamente a invasão efetuada por seu aliado naquela região. A interpretação ocidental é a de que a não condenação é uma tomada de posição de apoio velado aos russos.

Ao mesmo tempo, o isolamento econômico e as medidas de embargo financeiro e comercial impostos aos russos também afetam o ambiente de negócios no ocidente. A cadeia de fornecimento de gás, petróleo e outras commodities impactam diretamente uma série de setores econômicos. No Brasil, para se ter uma ideia, a maior parte dos insumos de defensivos agrícolas importados é originário da Rússia.¹ Ao mesmo tempo, as portas para o mercado russo foram automaticamente fechadas para exportadores brasileiros de café, frango, carnes, soja e açúcar — ainda que a Rússia representa um mercado relativamente pequeno no saldo da balança comercial brasileiras (0,6%).²

De tudo o que foi dito até agora, claro é a multidimensionalidade do conflito. A “detonação” do conflito do Leste Europeu causa uma série de impactos dentro de uma economia global integrada e ainda cambaleante pelos efeitos da pandemia. O impacto é direto para diversas economias mesmo no caso daqueles países que se encontram distantes do conflito como é o caso do Brasil mencionado acima. De forma que “as consequências econômicas (desta) guerra” merecem nossa apreciação.

A multidimensionalidade econômica do conflito

Como observado anteriormente, a Guerra opera em diferentes níveis não apenas em termos sociais e militares. Economicamente, o conflito não impacta somente Russos e Ucranianos, ou até mesmo seus vizinhos mais próximos. Mais do que isso, em termos de impacto econômico seria difícil interpretar as causas globais dessa Guerra se observássemos apenas os indicadores macroeconômicos de Rússia e Ucrânia. Isso porque ambos os países estão longe de representarem economias extremamente avançadas com participação considerável em termos globais. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional a Rússia representa o 12º maior PIB do mundo ficando atrás de economias como a Itália e o Canadá por exemplo. A Ucrânia por sua vez é uma economia menor ainda com pouca representatividade em termos de impacto nos fluxos comerciais com a exceção do mercado de milho e trigo onde tem participação em aproximadamente 17% e 3% do total da oferta global.³

O que é impactante é o quanto ambos os países representam indiretamente para a economia mundial. A Rússia é uma potência no que se refere o suprimento de matérias-primas especialmente no que tange gás natural e petróleo. Aqui reside a centralidade da importância da Rússia enquanto um ator geopolítico central para a Europa. Entre 2016 e 2020 o país exportou quase US1,1 trilhão sendo que desse valor, 56,9% correspondem à petróleo bruto e combustíveis fósseis (gás natural e carvão). Isso equivale a aproximadamente 11% do total das exportações mundiais desse produto de acordo com a pesquisa do IPEA.⁴

A participação russa na oferta de matéria prima energético faz com que os impactos decorrentes de sua invasão à Ucrânia gerem impactos diretos nesse mercado global. O FMI apontou que o bloqueio aos russos no sistema financeiro internacional, bem como o embargo aplicado às exportações de commodities provenientes daquele país acarretará um aumento nos preços desses produtos especialmente nos combustíveis.⁵ Dentre os principais afetados o Fundo aponta que países do Caribe e da América Central, grandes mercados importadores dos produtos de origem Russa.

No caso do Brasil, o IPEA estima que o suprimento de fertilizantes (especificamente potássio, nitrogênio e compostos) será o principal mercado afetado pelo bloqueio às importações russas. Ainda em relação às potenciais desdobramentos da guerra Russo-Ucraniana, estima-se que o Brasil sofrerá com a alta dos preços do trigo. Mesmo que o Brasil não importe o produto da Ucânia, a redução da oferta e o seu consequente aumento de preços, será sentido pela maior economia latino-americana e quinto maior importador mundial de trigo.

Conclusão

De tudo o que foi exposto acima, nos resta compreender e lançar luz sobre a multidimensionalidade que uma guerra causa em um sistema econômico global integrado. Por certo o conflito russo-ucraniano está longe de representar um evento único dentro do sistema internacional. As guerras no Oriente Médio e na África por exemplo são tão ou até mesmo mais trágicas em termos de perdas humanas. É incomensurável a perda de vidas humanas em decorrência de conflitos armados. Sem querer diminuir a catástrofe que os conflitos na Síria, Iêmen, Mali e Sudão — para citarmos apenas alguns dos conflitos que têm ocorrido nos últimos anos, mas quando as guerras afetam cadeias de suprimento integradas aos grandes mercados globais como a Europa é que sentimos os riscos e o quanto nossas economias são interdependentes.

De fato, não se trata de denunciar a globalização econômica como uma mazela, mas de apontar os riscos e os efeitos que distorções e turbulências que ocorram dentro desse complexo emaranhado podem causar. De modo que a solução proposta não é a de reduzir essa intersecção de cadeias produtivas ou de adotarmos posturas isolacionistas como solução para mitigar os riscos e ameaças ao bem-estar dos indivíduos. Antes ao contrário, a ideia seria a de propor ainda mais integração inserindo as economias periféricas nesse sistema de forma justa.

Talvez, quando pensemos sobre possíveis soluções em relação ao futuro da Rússia e da Ucrânia nesse contexto econômico global, devamos nos reportar as lições que Keynes nos apresentou há mais de cem anos atrás. O revanchismo e o ressentimento não são capazes de produzirem bons resultados no longo prazo no que se refere à estabilidade de regiões tensionadas por conflitos geopolíticos. Mais do que isso, as consequências econômicas da guerra serão duradouras e é importante a reflexão sobre qual paz que emergirá desse conflito. Por hora, nos cabe a mensuração a interpretação sobre a multidimensionalidade econômica que as guerras causam a ambiente econômico internacional.

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