Como fica o trabalhador com o avanço da automação?

Andreia Freitas
Economistas no Debate
6 min readFeb 7, 2022

De acordo com o relatório sobre o Futuro do Trabalho, submetido à Conferência da Organização Internacional do Trabalho em 2019, a situação atual deste tem como destaque os seguintes ítens: (1) vem ocorrendo progressos na geração de emprego em relação à participação feminina, redução da pobreza, de doenças e acidentes; (2) o desemprego permanece alto e os países em desenvolvimento apresentam déficits de trabalho decente[1]; (3) baixa qualidade do emprego (emprego vulnerável e informal); (4) disseminação de emprego part-time ou temporário; (5) aumento da desigualdade de renda e queda na participação do trabalho na renda; (6) A OIT ainda aponta megatendências mundiais (globalização, avanço tecnológico, transformação demográfica e mudança climática) afetando as relações de trabalho.

O avanço tecnológico vem permitindo ao longo do tempo, o aumento da capacidade de trabalho humano, além da expansão da produção. No século XIX, a energia elétrica, inovações e avanços nas telecomunicações possibilitaram enormes progressos (telégrafo, telefone, entre outros). Houve produção em massa e o trabalho rotineiro e de baixa qualificação passou a ser gradualmente substituído na produção de fábrica. Com o aparecimento do computador e a difusão da internet nos anos 90 possibilitou-se uma nova integração entre a produção, o trabalho e a tecnologia; começou-se a verificar uma aceleração da queda na demanda por trabalho rotineiro, e os trabalhadores passaram a desempenhar tarefas de escritório e de chão de fábrica[2].

Atualmente, estamos presenciando um aprofundamento da integração do processo produtivo e do aumento da capacidade analítica, proporcionada pela combinação de tecnologias, softwares, mecanismos de disseminação e troca de dados. A informação circula de forma muito rápida e a transformação também pode chegar repentinamente. O avanço tecnológico traz a possibilidade de automação de atividades altamente especializadas e não rotineiras.

A transformação digital trazida pela quarta revolução industrial impacta de forma diferenciada a produção e o trabalho. De acordo com a OECD (2015), o gerenciamento de dados, usados como insumo para a produção, permitem retornos crescentes de escala, elevando a produtividade entre 5% a 10%, comparado a empresas que não adotam a produção intensiva de dados. Já em relação ao trabalho, os estudos pioneiros[3] apontam as atividades rotineiras, como as mais impactadas negativamente pela tecnologia, sendo substituídas por máquinas; enquanto que as atividades não rotineiras não seriam passíveis de automação. No entanto, os estudos recentes[4] indicam que a complexidade das novas tecnologias permite o desempenho de atividades não rotineiras, como a de dirigir carro e a de traduzir textos, ficando estas áreas também sujeitas à intervenção das novas tecnologias. O método usado na pesquisa para identificar quais as ocupações seriam as não automatizáveis, baseou-se em características classificadas pelo seu grau de relevância para o exercício da ocupação: (1) criatividade, (2) inteligência social; e (3) percepção e manipulação sensorial.

O avanço da automação pelo uso das novas tecnologias digitais exige um menor número de tarefas do trabalhador, à medida que ele vai ocorrendo. O trabalhador executa menos tarefas, e acaba se tornando especialista em alguma atividade, possibilitando o próprio trabalhador a buscar solução para eventuais problemas, o que antes teria que se recorrer ao gerente ou supervisor. Nesse sentido, verifica-se também uma mudança em relação aos níveis hierárquicos da empresa. A nova forma de execução do trabalho pode afetar os empregos e as ocupações futuras, pois ao passo que se realiza menos tarefas, se torna cada vez mais necessário o trabalho de coordenação para que o conjunto de tarefas seja realizado de forma satisfatória.

O processo de automação avança também para atividades de serviços, comércio, saúde, entre outras. Diante das transformações e dos rumos ainda desconhecidos, para o qual o mercado de trabalho caminha, o que sabemos é que habilidades cognitivas, atividades de cuidado e contato humano, habilidades de análise e ligadas ao conhecimento e a ciência, atividades de pesquisas e gerência são atividades de alta qualificação e remuneração, e de menor propensão à automação.

Um estudo[5] sobre tecnologias digitais, habilidades ocupacionais e emprego formal no Brasil no período de 2003 e 2017, relata que setores mais produtivos da indústria, como smartphones, têm avançado na automação, mas ainda não afetam significativamente o perfil do emprego. Houve um aumento de 19,3% na educação dos trabalhadores formais, mas a qualidade das ocupações cresceu em níveis inferiores, como podemos ver a seguir.

Estudos recentes[6] calcularam a probabilidade de automação das ocupações brasileiras, e pode-se observar no Gráfico 1, que o país apresenta mais de 50% das ocupações de maior probabilidade de automação de suas tarefas.

O Gráfico 2 compara anos de estudo e habilidades ligadas ao domínio cognitivo. O número médio de anos de estudo, estimado a partir de dados de escolaridade dos trabalhadores na Rais, ponderadas pelo número de horas trabalhadas no ano, cresceu 15% entre 2003 e 2013. A qualificação das ocupações não tem crescido no mesmo ritmo, o crescimento da escolaridade mínima exigida pelas ocupações do mercado formal foi apenas 2% no período. O que indica uma estagnação da qualidade do emprego formal na década, apesar da evolução da escolaridade do trabalhador. Esse resultado não está em conformidade com o futuro do trabalho, precisamos de uma melhoria urgente da qualidade educacional, investimentos em qualificação e treinamento, a fim de que a massa trabalhadora não fique a margem excluída pelo avanço tecnológico, sem recolocação no mercado de trabalho.

Percebe-se que a automação traz uma série de desafios a serem superados e que políticas públicas devem ser pensadas sobre a transição do avanço tecnológico. Alguns países tendem a retardar o avanço da automação, temendo a perda dos postos de trabalho, mantendo baixos índices de produtividade e competitividade internacional. Ao invés disso, o país precisa se preparar para substituição de algumas ocupações já em declínio, qualificar e recolocar a força de trabalho, possibilitar a redução das desigualdades através da educação e do desenvolvimento de competências e habilidades de maior valor de cognição e análise.

O advento da Covid-19 fez acelerar essa transformação digital, além de trazer várias consequências para a economia e a sociedade, entre elas: home-office, modalidade híbrida de trabalho, maior flexibilidade e ênfase em tarefas. Mas também permitiu refletir sobre o cenário: um novo perfil de consumo, outras modalidades de trabalho, maior uso e dependência da tecnologia e internet, uma nação desigual e agravada pela situação pandêmica, com uma educação que deixa a desejar e uma massa de trabalhadores desempregados e grande parte da força de trabalho em eminência de serem deixados a margem pela automação.Dessa forma, se torna ainda mais urgente a implementação de medidas voltadas a recolocação e apoio a transição pela qual passa o mercado de trabalho.

Referências:

ALBUQUERQUE, P. et al. Automação e eliminação de postos de trabalho na era da automação. Brasília: Lamfo; UnB, 2018.

ALBUQUERQUE, P. et al. Na era das máquinas, o emprego é de quem? Estimação da probabilidade de automação de ocupações no Brasil. Brasília: Texto para Discussão, n. 2457 — Ipea, mar. 2019.

AUTOR, D. H.; DORN, D. The growth of low-skill service jobs and the polarization of the US labor market. The American Economic Review, v. 103, n. 5, p. 1553–1597, 2013.

AUTOR, D. H.; LEVY, F.; MURNANE, R. J. The skill content of recent technological change: an empirical exploration. The Quarterly Journal of Economics, v. 118, n. 4, p. 1279–1333, 1st Nov. 2003.

FREY, C. B.; OSBORNE, M. A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation? Technological Forecasting and Social Change, v. 114, p. 254–280, 2017.

MACIENTE, A. N. et. al. Tecnologias Digitais, Habilidades Ocupacionais e Emprego Formal no Brasil entre 2003 e 2017. Boletim Mercado de Trabalho — Conjuntura e análise — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n. 60, abr. 2019.

MACIENTE, A. N. A composição do emprego sob a ótica das competências e habilidades ocupacionais. Boletim Mercado de Trabalho — Conjuntura e análise — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n. 60, p. 33–43, abr. 2016.

OECD — THE ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Data-driven innovation: big data for growth and well-being. [s.l.]: OECD Publishing, 2015.

[1] Trabalho decente, segundo a OIT: “trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”.

[2] Autor; Levy; Murnane, 2003

[3] Autor e Dorn, 2013; Autor, Levy e Murnane, 2003.

[4] Frey e Osborne, 2017.

[5] Maciente, A. N. et. al, 2019.

[6] Albuquerque, 2018 e 2019.

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Andreia Freitas
Economistas no Debate

Doutoranda e Mestre em Economia do Desenvolvimento (PUCRS), Especialista em Economia e Finanças (UFRGS), Graduada em Ciências Econômicas (FICM-RJ).