Conclusão do ensino superior: diferenças entre os filhos de pais mais escolarizados e menos escolarizados

Luana Fraga
Economistas no Debate
4 min readSep 27, 2021

No Brasil, o prêmio pela escolaridade de nível superior é bastante alto. Por isso, uma saída para que famílias possam sair da pobreza é a conclusão deste nível de ensino, pois assim devem ser abertas mais chances de ascensão profissional e por consequência, de renda[1]. No entanto, essas pessoas que vivem em situação pobreza estão conseguindo ingressar neste nível de ensino? Como isso se alterou ao longo das gerações?

Para responder essas questões utilizei os dados disponíveis do site do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social[2]. Apesar de não ter o dado da renda das famílias, têm se a escolaridade do pai, dessa forma usei esta característica como proxy[3] para a renda das famílias, dado que se espera que quanto maior a escolaridade, maior a renda.

Os dados evidenciam que entre os indivíduos nascidos nos anos 20, cujos pais tinham o ensino fundamental incompleto, apenas 3,7% completaram o ensino superior. Esse mesmo percentual aumenta para 4,3% se considerados os nascidos nos anos 30, para 9,1% entre os nascidos nos anos 40, 10,3% entre os nascidos nos anos 50, cai para 9,5% se considerados os indivíduos nascidos nos anos 60, sobe para 11,9% entre os nascidos nos anos 70 e entre os nascidos nos anos 80 é de 8,7%.

Por outro lado, se considerados os filhos de pais com ensino superior completo ou mais, tem-se que entre os nascidos nos anos 20, 44,5% completaram também este nível de ensino. Considerando os nascidos nas gerações mais novas o mesmo percentual é de 41,7% (nascidos nos anos 30), 63,5% (anos 40), 65,9% (anos 50), 60,8% (anos 60), 71,3% (anos 70) e 62,2% (anos 80).

Identifica-se assim, que a chance de filhos de pais com baixa escolaridade (fundamental incompleto) completaram o ensino superior, apesar de aumentar a cada geração, ainda é muito baixa. Situação diferente ocorre entre os filhos de pais com alta escolaridade (ensino superior ou mais), em que, os nascidos a partir dos anos 40, a maioria também alcança alta escolaridade.

Quais seriam as justificativas para essa realidade? É possível elencar alguns aspectos, como: carência de capital social, cultural e financeiro nas famílias mais pobres; qualidade das escolas; alta evasão e abandono escolar, principalmente no ensino médio; falta de informação; alta concorrência para ingresso em universidades públicas; valor elevado para cursar em instituições privadas, principalmente aquelas de maior prestígio, que tendem a ser mais valorizadas no mercado de trabalho; alto custo para se manter nas universidades, tanto públicas como privadas; entre outros.

E o que se tem feito na esfera pública, para que essa realidade possa ser mudada e mais indivíduos filhos de pais com baixa escolaridade estejam nas universidades? Alguns exemplos são políticas como o ProUni, que oferecem bolsas de estudo em instituições privadas a indivíduos de famílias de baixa renda e o Fies, onde o aluno consegue financiar, com juros reduzidos, os valores das mensalidades. Tem se ainda as cotas nas universidades públicas, para jovens de famílias de baixa renda que fizeram o ensino médio em escolas públicas.

Mas seria isso o suficiente? Dado que até chegar ao momento de ingressar no ensino superior os jovens de famílias de baixa renda tendem a enfrentar muitos obstáculos relacionados a falta de renda e as consequências dessa realidade. E, além disso, normalmente não são incentivados e informados sobre as oportunidades possíveis nas suas carreiras escolares, sendo que muitos desistem, por opção ou necessidade, no ensino médio.

Por fim, observo que os resultados mais consistentes destas políticas com o Prouni, Fies e cotas sociais e raciais devem ser vistos entre as gerações nascidas a partir dos anos 90. E assim, espero que no futuro, quando tenhamos os dados oriundos de um novo complemento de Mobilidade Sócio-ocupacional da PNAD, possamos apresentar uma realidade menos desigual entre os mais ricos e mais pobres.

[1] Carvalhaes e Ribeiro (2019), Salata (2018) e Hasenbalg (2003)

[2] Os dados são disponibilizados pelo Imds (2021) a partir dos dados da PNAD de 1996 e 2014. Link para acesso: https://imdsbrasil.org/indicadores/13/mobilidade-intergeracional-geracoes-analise-por-decadas-de-nascimento-dos-filhos-de-1920-a-1980

[3] Uma variável proxy é aquela que se apresenta no lugar da real variável de interesse, utilizada para substituir outra de difícil mensuração e que se presume guardar com ela relação de pertinência.

Referências:

CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos Antônio Costa. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: desigualdades de classe, gênero e raça em um contexto de expansão educacional. Tempo social, v. 31, n. 1, p. 195–233, 2019.

HASENBALG, C. A distribuição de recursos familiares. In: HASENBALG, C.; SILVA, N.V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 55–84.

INSTITUTO DE MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Indicadores- Mobilidade intergeracional gerações: análise por décadas de nascimento dos filhos — de 1920 a 1980. Disponível em: https://imdsbrasil.org/indicadores/13/mobilidade-intergeracional-geracoes-analise-por-decadas-de-nascimento-dos-filhos-de-1920-a-1980. Acesso em 19 de setembro de 2021.

SALATA, André. Higher Education in Brazil in the last years: reduction in inequalities of access?. Tempo Social, v. 30, n. 2, p. 219–253, 2018.

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Luana Fraga
Economistas no Debate

Doutora em Economia do Desenvolvimento. Pesquisadora do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social.