Determinantes do acesso ao ensino superior: indo além dos capitais social, cultural e financeiro

Luana Fraga
Economistas no Debate
4 min readDec 14, 2021

Até poucas décadas atrás, ingressar no ensino universitário era um sonho muito distante e difícil para grande parte da população brasileira, o que tornava a universidade um espaço de formação e reprodução das elites no país. Porém, nas últimas décadas, diante de um processo de significativas lutas e reivindicações, o acesso ao ensino superior ganhou maior proporção no espaço de políticas sociais no país e mais indivíduos de famílias de baixa renda estão alcançando esse nível de ensino.

A literatura sobre os determinantes das escolhas educacionais revela que as características familiares, como capital social, cultural e financeiro tem relação com o nível educacional dos filhos [1]. Crianças em melhores condições (mais estimuladas e com pais comparativamente mais educados) tendem a atingir níveis de educação mais elevados. Por outro lado, se as famílias apresentam carências destes capitais, as barreiras para que as novas gerações destas famílias concluam um alto nível de escolaridade, como o ensino superior, se tornam muito grandes, apesar de ser possível ultrapassá-las.

Como prova desta possibilidade, existem diversos casos de alunos nas universidades, cujos pais possuem poucos anos de estudo e baixo nível de renda. Pesquisadores[2] tem investigado a trajetória dos estudantes que são os primeiros da família a ingressar no ensino superior, e os resultados trazem à tona características em comum nestes indivíduos e em seus familiares. As principais delas são: a realização de um objetivo pessoal; iniciativa do próprio indivíduo; curiosidade; apoio dos pais (apesar de limitado); insistência; querer muito, desde a infância entrar em uma universidade; vivenciar as dificuldades passadas pela família, e ver na educação uma chance para no futuro ter melhor remuneração que seus pais. Destacam se ainda o consistente desejo de estudar; força de vontade; autonomia e a ajuda recebida de professores, tanto no processo de escolarização, como na vida pessoal.

Dessa forma, destaca-se que além dos capitais social, cultural e financeiro, existem aspectos inerentes ao próprio indivíduo, como a motivação, que podem contribuir de alguma forma, para que apesar das adversidades, os jovens consigam ir além no âmbito educacional. No entanto, ainda há muito a ser estudado sobre os determinantes das conquistas educacionais de filhos com pais pouco escolarizados.

Você conhece alguém que é o primeiro da família a ingressar no ensino superior? Se sim, deixe nos comentários o que motivou essa pessoa, quais as suas características mais marcantes.

Referências

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BOURDIEU, Pierre. Espacio social y poder simbólico. Revista de occidente, n. 81, p. 97–119, 1988.

BROCCO, Ana Karina. “Aqui em casa a educação é muito bem-vinda”: significado do ensino superior para universitários bolsistas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 98, p. 94–109, 2017.

BRUM, Alan da Rocha. A Trajetória escolar de filhos de famílias com baixa escolaridade. 2014. 231 f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2014.

COLEMAN, James S. Social capital in the creation of human capital. American journal of sociology, v. 94, p. S95-S120, 1988.

DIAS, Regina Lúcia Cerqueira. Trajetória escolar de estudantes das classes populares e acesso ao ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 98, p. 212–229, 2017.

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FIGUEIREDO, Alice Cristina. Limites para afiliação à vida acadêmica de estudantes de camadas populares no contexto de expansão universitária. Educação e Pesquisa, v. 44, 2018.

HASENBALG, C. A distribuição de recursos familiares. In: HASENBALG, C.; SILVA, N.V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 55–84.

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LONGO, Flávia Vitor; VIEIRA, Joice Melo. Educação de mãe para filho: fatores associados à mobilidade educacional no Brasil. Educação & Sociedade, v. 38, n. 141, p. 1051–1071, 2017.

MARTIN, Julie P. et al. Understanding first-generation undergraduate engineering students’ entry and persistence through social capital theory. International Journal of STEM Education, v. 7, n. 1, p. 1–22, 2020.

MØLLEGAARD, Stine; JÆGER, Mads Meier. The effect of grandparents’ economic, cultural, and social capital on grandchildren’s educational success. Research in Social Stratification and Mobility, v. 42, p. 11–19, 2015.

PIRES, André; ROMÃO, Paulo Cesar Ricci; VAROLLO, Victor Marques. O Programa Bolsa Família e o acesso e permanência no ensino superior pelo Programa Universidade para Todos: a importância do “eu me viro”. Revista Brasileira de Educação, v. 24, 2019.

[1] Bourdieu (1986, 1988); Coleman (1988); Hasenbalg (2003); Møllegaard & Jæger (2015); Jæger & Møllegaard (2017); Longo & Vieira (2017).

[2] Brum (2014); Brocco (2017); Dias (2017); Figueiredo (2018); Pires, Romão & Varollo (2019); Martin et al. (2020); Evans et al. (2020); Fairley-Pittman (2020).

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Luana Fraga
Economistas no Debate

Doutora em Economia do Desenvolvimento. Pesquisadora do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social.