Economia Criativa e período Pós Pandemia

Andreia Freitas
Economistas no Debate
6 min readApr 20, 2021

A Economia Criativa, definida por Reis[1] como o envolvimento entre o governo, o setor privado e a sociedade civil em um programa de desenvolvimento sustentável, utiliza a “criatividade” para gerar valor simbólico (valor intangível) e valor econômico (valor tangível, derivado da oferta e demanda de mercado). É chamada por algumas nações (entre elas Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália) de Indústria Criativa e/ou Indústria Cultural, com algumas adaptações conceituais. Classificar em economia criativa, indústria criativa e/ou cultural, não é uma tarefa simples, uma vez que a economia criativa envolve questões da economia do conhecimento e da cultura, cujas fronteiras não estão claramente definidas. Isto se percebe na classificação das atividades criativas, que variam de acordo com o entendimento dos agentes que as propõem. Assim, os próprios estudiosos do assunto, tratam a temática, sem dar um maior aprofundamento na essência da definição.

O intuito aqui é chamar a atenção para um crescimento da importância da economia criativa na formação do PIB de uma nação. Embora o conceito de economia criativa tenha sua origem no Projeto Criative Nation, da Austrália, de 1994, essa definição é mais relacionada ao Reino Unido, devido ao primeiro ministro Tony Blair (1997), que viu nas indústrias criativas uma maneira de enfrentar a crescente concorrência global; formando uma força-tarefa multissetorial de analise das contas nacionais do país, das vantagens e tendências competitivas de mercado; e assim desenvolveu a política: Criative Industries Task Force.

Essa política de desenvolvimento das Indústrias Criativas como alternativa à manufatura decadente fez o PIB do Reino Unido crescer em média 8% ao ano no período de 1997 a 2001 e em 2001 foi responsável por 8,2% do PIB. As suas exportações cresceram em média 11% ao ano no período de 1997 a 2002, enquanto que o total de bens e serviços, cresceu 3% . O setor criativo também respondeu por 1,1 milhão de postos de trabalho diretos e 0,8 milhão de postos indiretamente relacionados à atividade criativa. O resultado dessa política é um exemplo de incremento no PIB e inspirou outras nações a olhar com mais cuidado para o setor[2].

A classe criativa de Florida[3] tem como premissa a criatividade, fazer diferente, inovar, independente da ocupação que a pessoa exerça. Dessa forma, a economia criativa envolve setores e processos que têm como insumo a criatividade para produzir os bens e serviços. Fazendo uma analogia ao período da crise sanitária do covid 19, que estamos vivenciando, ressalta-se que de maneira inesperada, a crise apressa tomada de decisão em diversos segmentos, entre eles da ciência, da tecnologia, da inovação e da sociedade.

Ao mesmo tempo em que a pandemia chegou de maneira abrupta na vida das pessoas no mundo inteiro, fazendo-as alterar seus comportamentos e modos de trabalho, os indivíduos foram obrigados a testar sua capacidade de adaptação e muitas vezes a reinventar sua forma de sobrevivência. O fizeram, por necessidade e algumas vezes, de maneira, inconsciente; mas de certa forma, esse movimento fortaleceu o insumo “criatividade” da economia criativa, na medida em que tiveram que fazer/ pensar de maneira diferente.

O mercado de trabalho, que já vinha apresentando transformações em suas ocupações, exigências e formas de atuação, vem, com o isolamento social imposto pela pandemia, experenciar o home Office e novas práticas de trabalho, que pareciam tão distantes, mas que a necessidade fez com que as empresas dos mais diversos ramos alterassem sua forma de atuação no mercado. Fica a vivência, o know how, a constatação do que é possível ser feito e a pergunta de como enfrentar esses desafios tidos como futurísticos, que de uma hora para outra se tornam presente.

Essa realidade atual no cenário do trabalho (home Office, maior flexibilização e informalidade crescente), traz preocupações como a de mitigar a desigualdade social e educacional que já existia e foi agravada com a crise sanitária do Covid-19; além do aumento do desemprego e do desalento. Fica latente a importância da criatividade e habilidade pessoal para manter-se no mercado de trabalho, na medida em que a velocidade tecnológica vai atingindo as empresas, negócios e a vida das pessoas, requerendo mais conhecimento tecnológico e uma maior capacidade de adaptação dos cidadãos.

A criatividade e inovação andam juntas, e falam por si só na diferenciação e destaque nos atributos de qualquer individuo que atua nas mais diversas ocupações. A “habilidade” é o que fará a diferença não só no mercado de trabalho, mas também na vida pessoal de cada um. Dessa forma, a qualidade de ser hábil em criar e inovar, junto com novo modo e local de trabalho (regras mais flexíveis, podendo-se trabalhar em diversos locais e em horários alternativos) conversa com o que Florida chamou de classe criativa em seu livro Ascensão da Classe Criativa, publicado em 2003. Essa Classe ascende pela valorização da criatividade humana, tem um perfil que se importa com o aprimoramento do conhecimento, é simpática a uma maior informalidade no ambiente de trabalho e é atraída por clusters criativos.

Se pensarmos que uma flexibilização maior do mercado de trabalho e, com isso, que esses trabalhos podem ser realizados de lugares diferentes da sede da empresa empregadora, aparece outra transformação oriunda desse movimento, o de morar em outro local que não seja necessariamente próximo ao endereço de localização da empresa. Assim, pessoas podem preferir residir em lugares de amenidades[4], com variedades na oferta de serviço, lazer e cultura[5]. Há uma tendência natural de pessoas a migrar para as cidades e lugares, onde é maior a oferta de produtos, serviços, infraestrutura, transporte e educação[6].

Assim, um período, em que empresas, pessoas, governos tem que se reinventar, onde a busca pelo criativo, pelo novo, aliado as transformações que já vinham ocorrendo e que se aceleraram por conta das circunstâncias, é um momento único. Por que não navegar nessa onda, e desencadear deslocamentos na mesma direção, impulsionando, valorizando e buscando resultados com “a inovação e a criatividade”, como por exemplo: desenvolver políticas de incentivos aos setores considerados criativos, formados por ocupações que envolvam o conhecimento (como as de cientistas, arquitetos, professores universitários, designers, gestores de negócios, dos setores de alta tecnologia, entre outras); recuperação de parques, centros urbanos deteriorados, estímulo ao empreendedorismo; políticas que promovam clusters criativos?

A movimentação derivada das transformações mencionadas pode fazer com que setores muito prejudicados pelo distanciamento social imposto pela pandemia, possam ser beneficiários por essa dinâmica. Locais onde a oferta de lazer, turismo, educação e cultura, assim como lugares detentores de paisagens naturais com diversificadas atividades turísticas podem sair ganhando com o crescimento dessa transformação.

Referências Bibliográficas:

CASTELLS, M. Globalisation, Networking, Urbanisation: Reflections on the Spatial Dynamics of the Information Age. Urban Studies, 2010.

Doi: 10.1177/0042098010377365

FLORIDA, R. Cities and Criative Class. City e Community v.2, n.1, p: 3–19, 2003.

FLORIDA, R. A Ascensão da Classe Criativa Tradução: Ana Luiza Lopes, Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.

REIS, A. C. F. Das Indústrias Criativas à Economia Criativa, In Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável: O Caleidoscópio da Cultura. Editora Manole, Barueri, SP, 2007.

[1] Reis, 2007.

[2] REIS, 2007.

[3] Florida classifica em 2 grupos a classe criativa: i) o grupo hipercriativo — responsável por fazer as pessoas pensarem, que estimula o conhecimento e a inovação (professores universitários, engenheiros, cientistas, pesquisadores, lideranças de pensamento na sociedade entre outros); ii) o grupo criativo — os que pensam em soluções e alternativas por problemas diários, métodos diferentes de execução de tarefas (setores de tecnologia, gestão de negócios, serviços financeiros entre outros).

[4] Lugares com paisagem natural, locais detentores de natureza e beleza, de atratividade turística e cultural, prazerosos de se estar, como parques, praias, montanhas, espaços recreativos, entre outros.

[5] Florida, 2003.

[6] Castells, 2010.

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Andreia Freitas
Economistas no Debate

Doutoranda e Mestre em Economia do Desenvolvimento (PUCRS), Especialista em Economia e Finanças (UFRGS), Graduada em Ciências Econômicas (FICM-RJ).