Livro é coisa para a elite?

Para o atual Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, livros são produtos destinados à elite.

Tatiane Pelegrini
Economistas no Debate
4 min readSep 9, 2020

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Definido como um conjunto de folhas impressas e reunidas em um volume, um livro também pode ser considerado, de acordo com Jorge Luiz Borges, uma extensão da memória e da imaginação.

Para o atual Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, livros são produtos destinados à elite. Como os ricos podem pagar mais por eles, a ideia é taxá-los e dar livros de graça aos pobres — para que eles não sejam prejudicados.

Mestre e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, Guedes certamente ouviu falar da célebre frase de Milton Friedman (agraciado em 1976 com o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas) de que “Não há almoço grátis”. Da mesma forma, não há livro grátis, essa doação aos pobres será feita com a “caridade” do contribuinte.

Desde a Constituição de 1946, o livro é isento de impostos. A Constituição de 1988 manteve essas disposições e em 2004, o mercado editorial foi desonerado do PIS e Cofins. A proposta do governo é de tributar os livros sob uma alíquota de 12% por meio da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).

Essas medidas serão um golpe forte para as editoras, escritores e leitores. De acordo com dados de produção e vendas do setor editorial brasileiro, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a indústria de livros diminui 20% nos últimos 14 anos (2019–2006). Durante este período, houve uma redução de 34% nas vendas totais, sendo que livros técnicos, científicos e profissionais foram os menos vendidos (queda de 41%).

A aplicação de mais impostos sobre os livros deve contribuir para que a tendência de queda seja irreversível. Os indicadores de leitura da população brasileira também mudarão, possivelmente para pior, dadas as maiores barreiras ao acesso.

Em relação aos hábitos de leitura, a mais recente pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, do ano de 2016, estima que entre 2011 e 2015 a média anual é de 4,96 livros por habitante. Entretanto, apenas 2,43 livros foram lidos do começo ao fim. De acordo com o Índice de Cultura Mundial, o Brasil ocupa o 27º lugar na média de leitura entre 30 países avaliados.

A leitura é uma prática social e seu hábito está ligado a uma maior qualidade de vida e formação de um pensamento crítico indispensável na formação de uma sociedade mais consciente (Silva et al., 2019). Um maior acesso à cultura contribui para a formação de capital humano, conjunto de hábitos, conhecimentos e habilidades que são incorporados nas capacidades de uma pessoa realizar seu trabalho e produzir valor econômico. As menores vendas de livros técnicos, científicos e profissionais são um lembrete de que incrementos de capital humano podem ser dificultados.

Outro ponto do aumento de impostos é o fortalecimento da pirataria, especialmente no caso dos e-books que podem ser encontrados na internet. Eu mesma fiz muito xerox, especialmente durante a graduação, por ter dificuldades em adquirir os livros técnicos necessários. Essa prática é muito comum nas universidades, mesmo com grandes bibliotecas disponíveis, sendo que na maioria das vezes são os professores que disponibilizam o material a ser copiado.

Em resposta à pergunta do título, o livro é para todos! Ele não avalia as mãos nos quais repousa, apenas demanda um olhar atento. Incentivar alguém a ler, conhecer determinada obra ou indicar um livro importante para um trabalho/pesquisas são tarefas simples e que fazem toda a diferença.

Cito aqui o caso de uma novela recente, em que os personagens discutiam obras literárias clássicas. Os livros citados tiveram um aumento de 15% nas buscas e aguçaram a curiosidade do público em conhecê-las.

Embora a reforma tributária seja necessária, taxar livros não são a resposta para que se equilibrem as contas ou se promova uma maior igualdade social. Grandes fortunas permanecem intactas, enquanto livrarias e editoras fecham as portas. Precisamos rever as prioridades.

Para aqueles que defendem a ideia de livros são para a elite, sempre é bom lembrar de Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros, de família humilde, neto de escravos alforriados e que cresceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro. Dom Casmurro, uma de suas célebres obras, foi publicado em folhetins em 1899 e ainda hoje é uma obra atemporal, tanto que José Dias¹ ficaria tristíssimo com a taxação dos livros…

Notas

[1] Personagem de Dom Casmurro, também chamado de agregado, tem um amor ao uso de superlativos. É dele a famosa frase “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.

Referências

SILVA, E. D.; DERING, R. O.; TINOCO, R. C. Práticas de leitura. Fólio-Revista de Letras, v. 10, n. 2, p. 390–397, 2019.

INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 4 ed. São Paulo: Sextante: Instituto Pró-Livro: 2016.

CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Desempenho real do mercado editorial. Disponível em:< https://www.publishnews.com.br/estaticos/uploads/2020/07/7w9vpM9YceDqzlmuffIwnOR3CDN8Wf92EITuzvRee5pd4Rei7fPXbO0BDlK2hios3c1wTEl3imq9OnRj.pdf>.

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