Mar de tubarões: o desemprego que ronda os doutores no Brasil

Tatiane Pelegrini
Economistas no Debate
4 min readAug 12, 2020

No ano de 2018, foram titulados 22.894 doutores no Brasil, destes, estima-se que 25% deles estejam desempregados; dentre os mestres a situação é mais alarmante — chega a uma taxa de 35% de 51.610. No mundo, a taxa de desocupação desses profissionais é de, aproximadamente, 2%. Diante disso, pergunto-me: estamos formando mestres e doutores para o desemprego? Neste texto vou citar alguns dos fatores que podem explicar o nível de desocupação destes profissionais.

A pós-graduação brasileira foi reconhecida como nível de ensino a partir de 1965, por meio do Parecer nº 977 do Conselho Federal de Educação, que definiu a pós-graduação, seus níveis e finalidades. Relacionada ao processo de modernização das universidades brasileiras na década de 50 (Sucupira, 1980), durante o regime militar brasileiro a pós-graduação apresentou um aumento progressivo de importância.

O objetivo era claro: formar profissionais para atender as atividades de ensino e pesquisa no país como alternativa doméstica e mais acessível, em termos de custos, de qualificar os professores das universidades federais (Balbachevsky, 2005).

É possível denotar que algumas características militares foram infundidas na pós-graduação, como a disciplina, seriedade e dedicação. O rigor, competição e pressão desse ambiente cobra um preço alto dos estudantes, que têm seis vezes mais chances de enfrentar depressão e ansiedade (Evans et al., 2018).

Depois de alguns anos nadando em um mar infestado de tubarões, ainda é possível morrer na praia. Faltam oportunidades de trabalho para esses profissionais.

O principal mercado de trabalho para mestres e doutores, o setor educacional, está estagnado — queda no número de matrículas — desde 2014 em função da recessão econômica, redução no volume de recursos do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), menores investimentos no ensino superior público e efeitos da conclusão do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

A expansão da modalidade à distância (EaD) promoveu mudanças nos últimos anos, ampliando o número de instituições e a concorrência. Nesse formato, os professores são remunerados por conteúdo elaborado (aulas, material pedagógico) sem contratação. Sem garantias trabalhistas, os professores atuam conforme a demanda por períodos limitados de tempo como profissionais autônomos.

A ligeira recuperação do setor em 2019 foi refreada pela Covid-19 e agora, mais do que nunca, os docentes podem ser demitidos em virtude da redução do número de matriculados e inadimplência. De acordo com a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, o nível de inadimplência em abril chegou a 26,3%, contra 15,3% registrado em abril de 2019.

Fora das instituições de ensino, o mercado tem dificuldade para absorver esses profissionais, muitas vezes em função da falta de experiência e do excesso de qualificação para as vagas disponíveis. A formação predominantemente voltada a pesquisa acadêmica de algumas áreas, como ciências sociais e humanas, bem como a exigência de dedicação exclusiva requerida para os estudantes receberem bolsas de estudo acabam prendendo mestres e doutores em um ciclo vicioso.

A situação é preocupante: a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), principais instituições de fomento em pesquisa no Brasil, anunciaram, no início do ano, uma redução no número de bolsas de pós-graduação. Essa redução descrita como “mudança das normas de concessão” implica em uma redução de incentivos para o desenvolvimento de novos pesquisadores.

Diante de tamanha incerteza e falta de oportunidades, muitos doutores tem seguido o pós-doutorado ou saído do país. A chamada “Fuga de Cérebros” indica um problema estrutural do país em reter cientistas, além de ocasionar a perda de capital humano (Ribeiro, 2019).

Esse pode ser um sintoma do excesso desses profissionais no mercado, entretanto, até que ponto um percentual de 0,8% (pessoas de 25 a 64 anos que concluíram o mestrado) e 0.2% (pessoas que concluíram o doutorado) pode ser considerado um excesso?

Enquanto finalizava este texto, veio ao meu conhecimento que universidades têm lançado editais de seleção para professores, exigindo o título de doutor e, inclusive, experiência docente para trabalharem voluntariamente (sem remuneração).

Seja você favorável ou contra essa prática, acredito que ela escancara a desvalorização desses profissionais. Temos ainda um longo caminho a percorrer para que o conhecimento e sua produção sejam vistos com seriedade.

Nas palavras de Darcy Ribeiro, o Brasil sempre foi um moinho de gastar gentes, assim nossos doutores e mestres não são poupados. No mar de incertezas, que permeia todas as áreas, aqueles atraídos para a pós-graduação brasileira podem chocar-se nos corais do mercado de trabalho na busca de oportunidades.

Referências

Balbachevsky, E. (2005). A pós-graduação no Brasil: novos desafios para uma política bem-sucedida. Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1, 285–314.

Evans, T. M., Bira, L., Gastelum, J. B., Weiss, L. T., & Vanderford, N. L. (2018). Evidence for a mental health crisis in graduate education. Nature biotechnology, 36(3), 282–284.

Ribeiro, H. (2019). Emigração de médicos brasileiros para os Estados Unidos da América. Saúde e Sociedade, 28, 286–296.

Sucupira, N. (1980, October). Antecedentes e primórdios da pós-graduação. In Fórum educacional (Vol. 4, № 4, pp. 3–18).

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