O Brasil está passando por uma crise hídrica, e o que fazer?

Andreia Freitas
Economistas no Debate
5 min readSep 13, 2021

O Brasil passa por mais uma crise hídrica, talvez mais grave que as anteriores, uma vez que o governo nega o avanço do desmatamento na Amazônia e vem cruzando os braços para o descumprimento da legislação ambiental e das mudanças climáticas decorrentes dele. Desde a crise de 2001, quando houve racionamento de energia, os reservatórios não voltaram a operar num percentual de segurança, que seria acima de 50% da sua capacidade. E nesse último período úmido (novembro a abril), tivemos um volume insuficiente para reabastecer os reservatórios, que já se encontram em níveis muito baixos. Essa incapacidade de gerar energia leva ao uso das usinas térmicas, que são mais caras, poluentes e ainda necessitam de muita água no seu processo de refrigeração.

A crise hídrica afeta a vida humana em diversos aspectos: (1) o bolso do cidadão, à medida que a escassez da chuva eleva o preço final da energia; (2) a saúde, que é impactada pela diminuição do uso da água e qualidade da mesma; (3) a produção que repassa ao consumidor o custo da energia mais cara;(4) e o meio ambiente, que é impactado duplamente pela escassez da água, e pela alteração climática, que gera danos à saúde, à economia, alimentando o ciclo de degradação ambiental.

Para um melhor entendimento, a Figura 1 apresenta a Matriz Elétrica, que é o conjunto das fontes de energia elétrica disponíveis para a demanda de um país. Ela faz parte da Matriz Energética, que representa a totalidade das fontes de energia do Brasil.

A matriz energética brasileira tem várias fontes de geração, mas ainda continua muito dependente das usinas hidrelétricas. Como mostra a Figura 2, 60% do total da energia é proveniente de usinas hidrelétricas, baseadas no recurso hídrico. Para diminuir essa dependência, é preciso ampliar os investimentos em outras fontes sustentáveis e renováveis, como energia solar, eólica e biocombustíveis.

Como a hidrografia brasileira tem sido afetada pelo desmatamento

Cerca de 70% da superfície terrestre é coberta por água, Deste total, 97,5% é água salgada, imprópria para o uso direto humano. Os 2,5% restante é água doce. Desse percentual, a maior parte encontra-se congelada (69%) e em aquíferos (29,7%), e uma pequena fração em rios e lagos (0,5%) e o restante na atmosfera. Assim, uma fração pequena de água está disponível para uso. De acordo com José Marengo, pesquisador do INPE, o Brasil tem 1/10 de toda água potável do mundo, concentrada principalmente na Região Norte[1].

A hidrografia brasileira é predominantemente formada por rios perenes, que têm água o ano inteiro; possui a foz estuário, onde o curso d`água deságua num único canal, sem obstáculos no encontro do rio com o mar; e apresenta um regime pluvial[2], cuja a variação da quantidade de água é oriunda da chuva. Dessa forma, o abastecimento de água da região central e sudeste se dão por meio dos rios voadores, isto é, massas de ar úmido que se deslocam da Amazônia para região.

Portanto, o desmatamento da Amazônia diminui a massa de ar úmido transportada, levando a uma queda na quantidade de água na região, gerando alteração no clima, tornando-o mais seco, dado a menor disponibilidade de chuva. Além disso, a região sudeste é de grande densidade demográfica, o que piora ainda mais o quadro: mais pessoas consumindo água, e um menor volume de chuvas, agravando a estiagem.

A ausência da chuva afeta o nível dos reservatórios, o que leva à utilização do volume morto[3], gerando um consumo de uma água barrenta e de má qualidade. Além disso, a qualidade da água também é piorada pelo uso de agrotóxicos, fertilizantes, resíduos de animais em regiões agrícolas, e o esgoto não tratado que é lançado na água, contaminando rios, lagos e represas. Isso polui ainda mais a água que poderíamos consumir[4].

Para a Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas SOS Mata Atlântica, a crise hídrica se explica: (1) pelo aumento do desmatamento da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica, que garantem o abastecimento dos rios voadores, mantendo o ciclo da água; (2) as queimadas que destroem a floresta; (3) o desmonte das políticas públicas; (4) e má gestão dos recursos naturais. Ela chama a atenção para o “momento de urgência climática”, sendo necessário combater o desmatamento da Amazônia e restaurar a Mata Atlântica. Argumenta ainda, que se não tivermos uma gestão integrada de órgãos de recursos hídricos e meio ambiente, o uso da água nas suas diversas funções vai colapsar mais adiante.

O professor Adilson de Oliveira, especialista em energia da UFRJ, acrescenta que a gestão das águas totalmente controlada pelo setor elétrico, tem por prática esgotar os reservatórios, que foram feitos para abastecer a população em períodos de estiagem. Assim, o controle deveria passar para os órgãos do meio ambiente; e a longo prazo, governo e iniciativa privada deveriam investir em energias renováveis, deixando o uso dos reservatórios para os períodos intermitentes, quando não houvesse vento ou sol em níveis suficientemente adequados para geração de energia.

Os impactos gerados pela crise hídrica são muitos e em diversos aspectos. E o que fazer? O setor elétrico aponta o uso de usinas termoelétricas para solucionar a incapacidade de gerar energia das hidroelétricas, que apresentam baixos níveis de água. E nós, enquanto sociedade o que podemos fazer? A proximidade da eleição faz o governo descartar o blackout e racionamento de energia, devido ao impacto negativo que essas medidas causam. Seria prudente a criação de medidas de racionalização do consumo de energia, juntamente com campanhas educativas de melhor uso da água, o que contribuiria para amenizar a situação dos reservatórios e dos bolsos do consumidor, pela economia nas contas de energia. Além disso, a economia vem refreada pela crise sanitária do Covid 19. Como ficaria se a economia passasse a crescer a taxas mais expressivas? Seríamos impedidos pela energia?

É urgente o combate ao desmatamento da Amazônia e a restauração da Mata Atlântica, para mitigar os efeitos sobre o clima, e esses sobre a saúde, a economia e a humanidade. Precisamos restaurar a proteção ao Meio Ambiente, a fim de evitar o ciclo de degradação ambiental; e investir em energias renováveis. Faz-se necessário, que a sociedade assuma o papel de corresponsabilização, cobrando ações governamentais nesse sentido e contribua, racionalizando o consumo de água e energia. E você, está fazendo a sua parte?

Referências:

ALMEIDA, G. A. e WEBER, R. R., Fármacos na Represa Billings, Revista Saúde e Ambiente, 2009.

WALDMAN, M. Recursos Hídricos e Rede Urbana Mundial: Dimensões Globais da Escassez, ANAIS do XIII Encontro Nacional de Geógrafos, João Pessoa- PB, 2016.

http://mw.pro.br/mw/geog_recursos_hidricos_e_a_rede_urbana_mundial.pdf

https://www.youtube.com/watch?v=4tpzfHZa53s

https://www.youtube.com/watch?v=WXvhmyvGeEY

https://www.youtube.com/watch?v=RsUD8CTDdAw

https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/a-distribuicao-agua-no-planeta.htm

https://energes.com.br/diferenca-entre-matriz-energetica-e-eletrica/

https://www.youtube.com/watch?v=gW_7m89zrRg

[1] Walman, 2016.

[2] Exceção do Rio Amazonas, que apresenta um Regime misto, ou seja, formado por águas de degelo (vinda dos Andes) e águas da chuva.

[3] Parte mais baixa do reservatório, que necessita de um processo de canalização para uso da água, acarretando uma água barrenta e com odor.

[4] Almeida, 2009.

--

--

Andreia Freitas
Economistas no Debate

Doutoranda e Mestre em Economia do Desenvolvimento (PUCRS), Especialista em Economia e Finanças (UFRGS), Graduada em Ciências Econômicas (FICM-RJ).