O desenvolvimento e a garantia dos direitos sociais básicos: o caso da habitação

Luana Fraga
Economistas no Debate
4 min readMar 8, 2022

Quando nos referimos à palavra “Economia”, logo relacionamos com algo ligado a recursos financeiros, como poupança, investimentos, taxa de juros. Entretanto, envolve também aspectos sociais e humanos, e que tratam do desenvolvimento do país, levando em consideração o bem-estar da sociedade. Seguindo essa linha, Amartya Sen[1], contribuiu ao estudo das ciências econômicas, ao mostrar que o desenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer sua cidadania, o que inclui a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, além de segurança, liberdade, habitação e cultura.

No entanto, a partir desse conceito de desenvolvimento, e ao olharmos o meio em que estamos inseridos, é questionável se os indivíduos de baixa renda conseguem exercer sua cidadania e se realmente desfrutam de seus direitos básicos. Centramo-nos aqui na habitação, também denominada moradia ou domicílio. Destaca-se o fato de que a moradia é um direito social, estabelecido em lei e que ao lado da alimentação, trabalho, saúde, dentre outros, figura no rol das necessidades mais básicas do ser humano. Trata-se de um aspecto relacionado à sobrevivência e caracteriza-se como um pressuposto para dignidade da pessoa humana.

Porém, apesar de sua importância, ainda verifica-se um grande déficit habitacional no país, ou seja, necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação. No ano de 2019 (últimos dados disponíveis), o déficit habitacional brasileiro era de 5,8 milhões de domicílios. Com o intuito de amenizar esse problema, foi implantado, em 2009, o Programa Minha Casa Vida, que em 2020 passou a se chamar Programa Casa Verde e Amarela, o qual tem como alguns dos seus objetivos, atender às necessidades de habitação da população com diferentes níveis de renda e proporcionar oportunidades de desenvolvimento para o país. Todavia, esse Programa está alcançando seus objetivos? A população de baixa renda está tendo acesso à moradia através do Programa? E dentre os beneficiados, estes estão satisfeitos?

Dados da Caixa Econômica Federal e Ministério das Cidades evidenciam que 1,7 milhões dos 4,2 milhões de imóveis contratados desde o início do programa até 2016 contemplaram famílias com menor renda. Ou seja, um grande número de habitações estão sendo contratadas, contudo, menos da metade delas são destinadas às famílias mais pobres. Krause, Balbim e Lima Neto (2013) salientam que o objetivo inicial de concentrar-se na menor faixa de renda, para redução da expressiva quantidade de déficit habitacional verificado, não está sendo atendido nas proporções estabelecidas. Os autores afirmam que o maior número das contratações do PMCMV é do o público com maior faixa de renda, o que apenas facilita o acesso ao mercado de financiamento à casa própria para aqueles que teriam melhores condições.

Tratando da questão empiricamente, com contato diretamente com os beneficiários da menor faixa de renda em uma cidade do RS e o intuito de verificar a satisfação com o PMCMV, Fraga (2017) encontrou que a grande maioria (83,2%) entende que a sua vida no geral melhorou depois da mudança para a casa própria e que está muito satisfeito com a casa (92,9%). Todavia, em relação ao acesso a instituições públicas de saúde, ao transporte coletivo e o tempo gasto com locomoção, a maioria (68,8%, 54,8% e 66,5%) acha que a mudança acabou piorando a vida nesses quesitos. A maioria concordou ainda, que no bairro tem muito problema de violência (71,4%), que demoram muito pra ir e voltar do trabalho (53,2%) e que as contas são muito altas (65,2%).

Chega-se assim a um paradoxo entre o Programa Minha Casa Minha Vida (ou Programa Casa Verde e Amarela) estar atendendo o objetivo de proporcionar moradia para indivíduos de diferentes faixas de renda e atingir o público que mais necessita, além de melhorar o bem-estar geral, e piorar aspectos importantes para uma boa qualidade de vida da população mais carente. Eis aspectos que devem ser repensados na continuação dessa política pública que pode influenciar diretamente as oportunidades ligadas ao fato de se possuir uma residência própria, desfrutar dos serviços oferecidos na comunidade, e no bem-estar dos indivíduos.

Referências:

KRAUSE, C.; BALBIM, R.; LIMA NETO, V. C. Minha Casa, Minha Vida, nosso crescimento: onde fica a política habitacional? Texto para discussão n. 1853. Rio de Janeiro: Ipea, 2013.

FRAGA, L. S. Programa Minha Casa Minha Vida: uma análise do endividamento e de fatores comportamentais. 2017. 207f. Dissertação (Mestrado em Administração)- Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2019. Disponível em: <https://www.gov.br/mdr/pt-br/noticias/dados-revisados-do-deficit-habitacional-e-inadequacao-de-moradias-nortearao-politicas-publicas >. Acesso em 08 de março de 2022.

[1] Economista indiano, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998.

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Luana Fraga
Economistas no Debate

Doutora em Economia do Desenvolvimento. Pesquisadora do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social.