O impacto da COVID-19 nas Instituições de Ensino brasileiras

Fernanda Picoral Solano
Economistas no Debate
8 min readJun 20, 2022
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Não é a primeira vez que a economia brasileira apresenta suas fragilidades diante de grandes choques internacionais. O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Ricardo Carneiro, ressalta que na década de 70 os choques exógenos, principalmente àquele associado ao aumento do preço do petróleo, junto ao aumento da taxa real de juros, causaram um grau de instabilidade na economia, que se refletiram ao longo da década de 80.

A fim de contextualizar a origem da pandemia do COVID-19 (anteriormente conhecida como 2019-nCov), destaca-se que ela teve a sua origem em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China. De acordo com os economistas Warwick McKibbin e Roshen Fernando, os impactos desta doença tornaram-se bastante aparentes desde o surto inicial em Wuhan diante de um mundo fortemente globalizado, com casos notificados no país ou trazidos por viajantes. Da mesma forma ela saiu da China e se alastrou pelo mundo.

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o Novo Coronavírus (COVID-19) como pandemia, a qual, através da Portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram estabelecidas medidas temporárias de prevenção ao contágio, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça no Brasil, na qual foi previsto: indicação de distanciamento social; evitar aglomerações e higiene reforçada das mãos, devido à natureza e precedentes do vírus em outros países do mundo.

Estas medidas interferiram na natureza das instituições da sociedade, as quais são regidas por regras e regulamentos. Vale aqui destacar que a teoria das instituições pode explicar tanto comportamentos e ações individuais, quanto coletivas, de acordo com o economista Newton Bueno. Mario Coccia, Diretor de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália, salienta que as instituições, em uma sociedade ou em um grupo de pessoas, são definidas como as regras do jogo, ou ainda mais formal, como as restrições que moldam o comportamento e as interações humanas. Desta forma, Newton Bueno entende que as instituições de uma sociedade são moldadas por diversos e complexos processos de negociações entre indivíduos e grupos de indivíduos, a fim de reduzir o custo de transação[1].

Portanto, de acordo com o pesquisador e economista Paul Bush, a sociedade [ou uma comunidade, grupo de indivíduos] pode ser entendida como um conjunto de sistemas institucionais, os quais se configuram como uma série de instituições, que podem ser entendidas como um conjunto de padrões de comportamento socialmente definidos, e tudo está funcionalmente inter-relacionado.

Com a pandemia instaurada, e ações governamentais tomadas no âmbito federal, estadual e municipal, houve muitas mudanças na realidade da vida das pessoas. De acordo com a professora Ítalla Bezerra, os cursos de todos os níveis precisaram utilizar tecnologias remotas, nunca antes testadas, tampouco utilizadas pelos professores e alunos, como metodologia principal do ensino durante a pandemia do COVID-19.

No entanto, os pesquisadores Luana Almeida e Adilson Dalben salientam que historicamente o ensino remoto estava associado a um ensino de menor qualidade em comparação ao presencial. Devido a isto, houve uma diminuição dos investimentos para qualificar o ensino público no Brasil, o que acarretou a não incorporação de tecnologias digitais nas atividades escolares.

Fábio Bento e outros pesquisadores trouxeram, também, as angústias dos professores, os quais precisaram repensar todo o semestre que já havia começado, uma vez que a estratégia inicial não funcionava para aulas remotas. Diante disto, houve um professor que entendeu ter que tornar as aulas mais estimulantes, através de jogos, dinâmicas de grupo e questões aos alunos durante a aula, visando envolver numa aula dada de forma remota.

De acordo com os professores Welington Matos e Maria Menezes, isto acarretou uma sobrecarga de trabalho por parte dos professores, pois eles precisaram ficar se adaptando, e, também, aprendendo a lidar com essa nova realidade. Além disto, muitos educadores tiveram despesas com a aquisição de equipamentos adequados e com a conexão com a internet.

A falta de um modelo pedagógico para educação a distância dificultou bastante este processo. No entanto, este desafio trouxe alguns ganhos para o setor da educação, os quais irão ser mais bem desenvolvidos ao longo dos próximos anos, como a criatividade dos professores que foi desafiada e aprimorada para entregar o conteúdo de qualidade aos estudantes, conforme Walter Leal Filho e colegas pesquisadores.

No entanto, o desenvolvimento do setor da educação deve vir junto com a inclusão de recursos digitais, uma vez que Luana Almeida e Adilson Dalben realizaram um estudo em uma escola pública durante a pandemia, o qual mostrou que os recursos digitais não estão tão difundidos como se poderia imaginar, inclusive na sua utilização e acesso, e a pandemia da COVID-19 explicitou a desigualdade e a falta de processos de aprendizagem através de tecnologias digitais.

A pandemia do COVID-19 mostrou que a educação vai além daquilo ensinado em sala de aula. Existe um amplo contexto social e heterogêneo que os professores precisam entender na hora de organizar suas aulas, de acordo com Fábio Bento e colegas. A professora Mônica Neves-Pereira ressalta que aqueles alunos que não possuem as condições para acessar a educação a distância se afastaram da escola pelo período do isolamento social, acentuando muito forte a desigualdade social.

Dado isto, fica claro que não se encontram todos no mesmo “bote” para enfrentar esta pandemia. Há alunos que frequentam a mesma faculdade com condições completamente diferentes para encarar este cenário de isolamento social mandatório, uns equipados com toda tecnologia e um cômodo da casa exclusivo para seu estudo, e outros sem qualquer equipamento e dividindo um cômodo da casa com o resto da família, de acordo com Mônica Neves-Pereira.

Os professores María Edna Vieira, Graça Hoefel e José Tomas Collado entendem, portanto, que a pandemia da COVID-19 trouxe à tona da importância da educação como motor do desenvolvimento humano, bem como do desenvolvimento de um país.

Fábio Carmona e seus colegas docentes ressaltam, por outro lado, que a pandemia colaborou com a ofertas de palestras, tutoriais e conteúdos abertos e gratuitos, e até mesmo de encontros e eventos científicos entres diferentes instituições de ensino superior do Brasil e do mundo, tornando a forma de transmitir e atualizar conhecimento mais rica e rápida entre estudantes, docentes, corpo clínico e pesquisadores. Os mesmos autores entendem que a pandemia diminuiu a resistência de alunos e professores aos cursos não presenciais, e que isto abre muitas possibilidades para o futuro da educação.

Não apenas Fábio Bento, como outros pesquisadores da área entendem sobre a importância da inserção da tecnologia da informação e comunicação (TIC) na educação, seja na modalidade presencial ou não. Esta inclusão da tecnologia nos currículos visa estimular, aprimorar e potencializar o seu uso, visando atingir um ensino de maior qualidade e inovador.

A pandemia da COVID-19 refere-se a um parâmetro exógeno que causou mudança institucional em nossas escolas e universidades, sejam essas mudanças provisórias ou permanentes. Porém o custo de transação, ou custo de mudança para isto foi muito alto para o país e para o mundo. Isto, pois ocorreu de forma muito rápida, passando de um padrão de comportamento e tipo de aula já institucionalizado na sociedade, para uma forma ainda não explorada para esta finalidade (educação à distância).

Portanto, a pandemia da COVID-19 trouxe à tona da importância da educação como motor do desenvolvimento humano, bem como do desenvolvimento de um país. Sem ela não haveria as pesquisas para desenvolvimento das vacinas contra o COVID-19.

A educação, por sua vez, pode e tem espaço para desenvolver muito ainda, a começar pela inserção da tecnologia acessível, junto com treinamento para a devida utilização para aquelas pessoas que tiveram restrição de acesso no período de isolamento social. Além disto, a utilização de tecnologia na educação pode conectar e aproximar pessoas de diferentes cantos do mundo para compartilhar conhecimentos e pesquisa, bem como permitir o estudo continuado em instituições que são longe geograficamente.

Com isso, torna-se cada vez mais importante a educação digital e acesso da tecnologia para todos, de modo a garantir a inclusão social nesta mudança institucional no campo da educação.

[1] Entende-se por custos de transação aqueles referentes a rompimento de acordos (implícitos ou explícitos), os quais foram estabelecidos no processo de negociação inicial, ponderando os interesses de todas as partes (BUENO, 2004).

REFERÊNCIAS

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Fernanda Picoral Solano
Economistas no Debate

Mestre e Doutoranda em Economia do Desenvolvimento na PUC-RS