Parece ridículo, mas é o modelo de funcionamento de organizações hierárquicas.

Por que as empresas ficam com o pior de cada funcionário? [Parte 1 de 2]

Gabriel Kolisch
ECOO
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5 min readFeb 20, 2018

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Com tempo e níveis o suficiente na hierarquia, todos os cargos estariam ocupados por incompetentes.

Imagine uma empresa convencional. Ela tem uma hierarquia representada em um organograma, diferentes necessidades em forma de responsabilidades e papéis que precisam ser executados, normalmente na forma de vários cargos.

Para funcionar, ela contrata pessoas para preencher essas vagas. Vamos imaginar que uma pessoa, no começo de sua carreira, preenche um cargo baixo na empresa. Habitualmente ele requer alguma capacidade básica de execução.

Caso a pessoa seja competente no que é exigido e obtenha sucesso em seu papel, seu desempenho tenderá a ser reconhecido. E assim como é feito em todas as empresas convencionais, as pessoas são promovidas para um cargo de acordo com seu resultado no cargo anterior.

Vamos assumir que neste novo cargo a pessoa precise ter capacidades avançadas de execução das tarefas. E por ser capaz, e ter seu resultado reconhecido, ela segue sendo promovida. Agora, para um cargo que pede também capacidades básicas de planejamento. Em seguida para outro cargo, que pede capacidade de negociação. A pessoa segue sendo promovida enquanto se mostra capaz no que se é exigido.

Imagine agora que, por ser capaz em todos os cargos, a pessoa é promovida para um cargo que exige liderança, gestão de pessoas e gerenciamento de conflitos. Mas essa pessoa não domina essas competências. Ela alcançou o seu nível de incompetência, de acordo com Laurence J. Peter, o criador do Princípio de Peter.

“Todo novo membro em uma organização hierárquica tende a subir a hierarquia até que ele/ela alcance seu nível de máxima incompetência.” — O Princípio de Peter

O Princípio de Peter diz que todo o trabalho feito hoje é feito por aqueles que ainda não alcançaram seu nível de incompetência.

Esse exemplo é extremamente comum, e a leitora provavelmente consegue reconhecer casos com quem já trabalhou, ou até mesmo já se viu nessa posição. E a frustração que surge é completamente coerente: a incompetência é inevitável. Ninguém será competente em todas as atividades, assim como para qualquer cargo haverá alguém não competente para fazê-lo. Os perfis de cada pessoa vão favorecer competências diferentes. Não ser competente em outro cargo não significa que o cargo é mais difícil, mas que requer capacidades que a pessoa não possui.

Está te esperando.

O grande problema é que o funcionamento das organizações convencionais, hoje, leva a essa armadilha. Não subir na hierarquia significa não ser reconhecido, bem sucedido, bem remunerado e até ser visto como um mau profissional. Recusar uma promoção, em muitas empresas, é visto como falta de motivação do funcionário e pode levar à demissão pouco tempo depois. E depois de chegar ao seu nível de incompetência, a pessoa em questão não consegue mais avançar na hierarquia, mas também não é “retrocedida” — algo raro de ser feito em qualquer empresa. Então ela fica presa em um cargo onde executa mal e muito provavelmente é frustrada.

A outra alternativa para sair desse limbo é a demissão. Mas se a pessoa é competente em seu cargo, ela é analisada por seu resultado. Se ela não é competente, é analisada por seu esforço. A pessoa vai ser julgada por quão cedo chega ao trabalho, por quão simpática e pró ativa ela é, por ser uma boa pessoa etc. A leitora deve concordar, por experiência própria, que só incompetência não é o suficiente para demitir uma pessoa.

A verdade é que existem diversos motivos pelos quais a organização não simplesmente descarta o funcionário incompetente, seja por demissão ou exclusão. Cada leitora que já esteve dentro de uma estrutura desse tipo sem dúvida consegue imaginar uma lista de exemplos, mas alguns dos mais comuns são:

  • Grande conhecimento acumulado sobre o funcionamento da empresa;
  • Alto investimento na formação da pessoa;
  • Bom relacionamento com as pessoas responsáveis pela decisão;
  • Bom relacionamento com outros funcionários;

Caso haja uma demissão, por parte da organização ou da própria pessoa, esta sai mal vista por passar a impressão de que deixou de ser capaz como foi durante o crescimento na sua carreira. Mas, na verdade, a causa real do surgimento dessa incompetência é a mudança de capacidades exigidas da pessoa e criada pela estrutura hierárquica.

Os livros de Laurence Johnston Peter exploram diversas reflexões e observações sobre Princípio de Peter que vão além do que estou trazendo aqui. Mas a ideia básica é que tudo que funciona tende a ser testado até falhar. Inclusive pessoas. O que é ótimo. A inovação vem daí. O problema aparece quando, após os testes, não podemos optar por colocar as pessoas no papel em que melhor performam. O problema é a organização hierárquica.

Na parte 2 deste texto, convido a leitora a refletir sobre alguns possíveis caminhos para que se quebre o ciclo de incompetência e frustração gerados por essa forma de organização.

Todo documento merece e deve ser problematizado. Analisado a quem se destinou, assim como a conjuntura social em que o autor vivia. Nenhum escrito é neutro, independentemente da ideologia que o permeia. Indico que a leitora atenta não desconsidere esta observação, pois garantirá que não se cometa anacronismos ou qualquer outra confusão possível.

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Gabriel Kolisch
ECOO

Educador vivencial, facilitador de grupos, e designer de organizações. Militando por cooperação e anti-hierarquia.