Sem retorno — Livre movimentação.

Porque as empresas ficam com o pior de cada funcionário? [Parte 2 de 2]

Gabriel Kolisch
ECOO
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7 min readMar 20, 2018

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Más soluções ou boas idéias.

Na primeira parte do texto, explorei o Princípio de Peter e seu funcionamento dentro das estruturas convencionais. Este texto aprofunda a discussão que foi iniciada lá. Então, se você ainda não a leu, sugiro que faça isso antes de continuar.

O Princípio de Peter, esse fenômeno observado nas estruturas hierárquicas, principalmente nas convencionais, é recorrente e portanto já foram buscadas diversas formas de lidar com ele. Inclusive o próprio autor do livro sobre o tema, Laurence J. Peter, trás algumas sugestões de como lidar com isso.

Ele sugere ao gerente preso com um empregado incompetente que faça o que chamou de arabesco lateral, ao dar um título maior com menos responsabilidade a ele, para que esse se sinta importante mas não tenha acesso a coisas importantes. Ou uma sublimação percussiva, para se livrar do funcionário, significaria promover ele para uma posição em outra divisão.

Já para o funcionário a ser promovido, e que reconhece que pode sair de seu nível de competência, o autor sugere a incompetência criativa. Basicamente autossabotagem. A pessoa feliz com a própria posição deve tomar atitudes para se parecer indesejável a uma promoção, mas que seja irrelevante quanto a sua capacidade de entregar resultados. Ele sugere como exemplos ser levemente grosso com a esposa do chefe em um evento social, se vestir de maneira levemente inapropriada, usar perfume demais ou parar na vaga do presidente da empresa de vez em quando.

Esses exemplos podem soar ridículos e danosos para a estrutura. E é porque de fato são. Existem ainda mecanismos que muitas empresas constroem para tentar lidar com esse fenômeno, como acompanhamento de habilidades e formações, treinamento para novos cargos etc. Mas essas pequenas reformas não superam o problema real.

Não é difícil achar uma pessoa escalando os cargos, somente para se distanciar de onde poderia gerar mais valor para a organização.

Dá para usar a abraçadeira (enforca gato ou fita hellermann) como analogia: quanto mais a fita entra, mais apertado fica, menos possibilidades existem e não é possível voltar.

Vamos pensar em uma organização como um ambiente fechado, sem poder adicionar ou remover pessoas. E buscamos alcançar o melhor resultado dela, independente de qual seja essa métrica, sem alterar o funcionamento ou estrutura, somente o papel das pessoas dentro dela. A resposta para alcançar isso é óbvia: basta combinar as pessoas com papéis os quais o resultado final é o melhor possível. Mas para isso, seria necessário “subir e descer” pessoas no organograma livremente. E em uma estrutura hierárquica convencional na qual existe um caminho claro a ser seguido, existe uma limitação evidente para que se busque o papel de melhor performance geral de alguém. Não é difícil achar uma pessoa escalando os cargos, somente para se distanciar do que poderia gerar mais valor para a organização.

O motivo pelo qual as pessoas buscam empregar-se em uma estrutura é para alcançar benefícios para si. Vou falar em outro post mais a fundo sobre as diferenças de motivações de um contratado e do dono da estrutura. Mesmo sem explorar ainda, quero colocar como o foco do funcionário sua procura por melhorias dentro da estrutura, o que são reconhecidas como promoção de cargo e aumento salarial e, algumas vezes, aumento de influência (poder) na tomada de decisões.

A competição é também interna, apesar de esforços em construir uma cultura colaborativa, em que “veste-se a camisa” ou forma-se “uma grande família”.

Portanto, enquanto o modo de operar de uma organização poderia ser o de maximizar seu resultado a partir dos recursos internos, o que acontece é diferente. As pessoas contratadas buscam o melhor para si¹. Da mesma maneira, as donas também o fazem, mas para elas isso se traduz na procura pelo lucro da empresa. A competição é também interna, apesar de esforços em construir uma cultura colaborativa, em que “veste-se a camisa” ou forma-se “uma grande família”.

Para possibilitar esse livre movimento entre papéis, seria necessário uma outra forma de organização. Uma que reconhecesse competências necessárias em papéis diferentes, mas não em níveis diferentes. Que conseguisse assim buscar pelo melhor em cada papel.

E se queremos remover a idéia de uma escalada em cargos ou níveis, podemos remover esse conceito na estrutura, retirando a hierarquia.

Já que a quantidade de benefícios nos cargos superiores é o que força as pessoas a abandonar papéis em que são competentes, bastaria acabar com a idéia de cargos superiores e inferiores. Bastaria horizontalizar a estrutura.

Os diferentes papéis podem existir em ambas formas de organização.

Dentro dessas estruturas horizontais, o foco seria combinar as pessoas aos papéis ideais na estrutura assim como o aprimoramento delas em seus cargos. Uma pessoa que se interessasse por explorar novas competências em um cargo diferente poderia mudar “lateralmente”. E caso seja atingido um nível de incompetência, poderia mudar novamente ou até retornar, buscando o ideal.

Exemplo de mobilidade entre cargos. É fácil se questionar, na estrutura hierárquica, porque alguém buscaria descer na estrutura, significando piorar. Já em uma lógica horizontal isso some, por se reconhecer diferentes partes e não melhores ou piores.

É possível criar diferenças de remuneração, estratégias de recompensa, planos de carreira ou até estágios de responsabilidade dentro de uma estrutura horizontal. Permite-se, assim, a mobilidade e ainda sim criando um caminho a ser percorrido.

O meu entendimento é de que a estrutura horizontal pressupõe uma horizontalização de poder/influência. E que funciona em sua melhor forma com horizontalização não somente da gestão (todos têm o mesmo poder de decisão), mas também de propriedade² (todos são igualmente donos). O que tende a criar diversas diferenças em seu funcionamento, desde propósitos institucionais e motivações pessoais até práticas e estruturações.

Um outro ponto importante é que esse modelo tradicional de funcionamento de hierarquia, no qual o objetivo é o topo, não significa maior motivação ou propósito para as pessoas. Apesar de haver motivações extrínsecas ao processo, como compensações, recompensas e punições, existe um limite ao impacto que elas podem gerar na disposição do funcionário. A partir do ponto em que suprem as necessidades básicas, tais motivações passam a se mostrar menos efetivas que as intrínsecas, como autonomia, domínio de competência e propósito.

Essa cultura leva as pessoas a acreditar que status significa um melhor resultado para si.

O Princípio de Peter dentro das estruturas hierárquicas convencionais, quando comparado a estruturas horizontais, revela não somente um fenômeno curioso das primeiras, mas expõe da mesma forma a competição interna existente e a cultura de valorização de títulos e poder, em fatos contrastantes à valorização dos papéis essenciais com pessoas que podem performar bem neles. Essa cultura leva as pessoas a acreditar que status significa um melhor resultado para si. Mas a verdade é que um trabalho em que você possa desenvolver-se e contribuir será mais realizador que qualquer título ou nível em uma hierarquia.

A reflexão que fica é sobre o quanto a estrutura a qual você faz parte cria obstáculos para que você e o resto dos nela inseridos performarem a pleno potencial.

Quanto a estrutura na qual você faz parte cria obstáculos para que você e o resto dos nela inseridos performarem a pleno potencial?

A exploração de alguns conceitos é necessária para complementar o raciocínio. Para simplificar estou quebrando em textos menores. Um deles deve falar sobre a diferença de propósito do dono e do funcionário, outro sobre o valor igual de todos os cargos em uma estrutura.

Cada um dos parágrafos aqui daria mais alguns textos de tanto conteúdo para explorar. Estou buscando sintetizar da melhor maneira possível. Mas convido você para seguir com questionamentos, conversas, argumentos, críticas ou qualquer manifestação nos comentários abaixo, vou responder o mais breve possível. Vou ficar feliz com qualquer contribuição! Inclusive podem gerar novos textos.

  • ¹ Alguns exemplos de como alguém pode buscar o melhor para si sem aumentar o resultado para a organização: criar algum trabalho que projete a pessoa mas não seja alinhado com os objetivos da empresa; sabotar ou não colaborar com outros projetos internos; desviar recursos para si.
  • ²Vou explorar ainda bastante os motivos para isso, suas consequências, possibilidades de funcionamento e experiências em muitos textos ainda.

Todo documento merece e deve ser problematizado. Analisado a quem se destinou, assim como a conjuntura social em que o autor vivia. Nenhum escrito é neutro, independentemente da ideologia que o permeia. Indico que a leitora atenta não desconsidere esta observação, pois garantirá que não se cometa anacronismos ou qualquer outra confusão possível.

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Gabriel Kolisch
ECOO
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Educador vivencial, facilitador de grupos, e designer de organizações. Militando por cooperação e anti-hierarquia.