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Salários diferentes em cargos essenciais — ou — É o faxineiro que dá ao sócio um bom salário.

Gabriel Kolisch
ECOO
9 min readAug 28, 2018

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Quanto vale uma hora sua?

Um dos conceitos importantes de serem esclarecidos, e que muitas vezes é esquecido ou desvirtuado, é o de quão essenciais são os cargos em uma empresa. Soa óbvio. Sem cargos não existe resultado. Empresas, Logotipos, Pessoas Jurídicas, não produzem nada, são as pessoas na estrutura que o fazem.

Cargos, nesse caso, coloco como o papel que reúne responsabilidades a serem executadas por alguém.

Mas o ponto que quero desenvolver neste texto é o de que nas estruturas de hoje, teoricamente, os cargos existentes não são nada menos que essenciais. O sistema no qual vivemos não permite algo diferente. E quero concluir com o que isso significa.

Como funciona hoje

Antes é preciso rever como as estruturas funcionam hoje. Vou discutir em cima do modelo hierárquico tradicional, por ser hegemônico nos dias atuais. Esse é um modelo com um número pequeno de donos e/ou acionistas e com níveis diferentes na hierarquia com remunerações diferentes.

Dentro da realidade atual, existe uma grande diferença na remuneração do cargo mais alto em comparação ao cargo mais baixo de uma empresa. Apesar de não haver uma pesquisa ampla sobre o tema, é possível conseguir alguns dados que deixam claro o tamanho dessa lacuna.

A média da diferença entre a remuneração do Presidente e a do trabalhador médio no EUA foi de 354x.

O Brasil não fez parte do levantamento de dados.

Em um artigo¹ de 2014 é possível encontrar dados de diversos países. Ele mostra que nos EUA, quem respondeu a pesquisa estimou que haveria uma diferença de 30 vezes (30:1) entre a remuneração do Presidente e a do trabalhador médio. A média da diferença foi de 354 vezes (354:1).

E essa distância causa tanto choque, que na Suíça já foi votado um referendo² para tentar limitar a diferença para 12 vezes entre o maior e menor salários.

No Brasil os números podem não ser tão grandes como os estadunidenses, mas ainda consegue diferenças de 14 vezes entre simples gerência ou diretoria (cargo de liderança) e um empregado de nível operacional, como operadores de máquinas³.

Como pode existir essa distância brutal se todos os cargos são, como eu estou afirmando, essenciais?

Todos os cargos são essenciais

As empresas hoje buscam o máximo de lucro. Para isso, buscam o mínimo de custos e gastos. Logo nenhum cargo que não seja essencial para alcançar o resultado desejado é mantido. Cargos que não produzem retorno direto como profissionais de Recursos Humanos, Tecnologia da Informação ou Limpeza, existem porque ainda afetam o resultado indiretamente. Se um cargo custa mais do que trás de resultado, seja direta ou indiretamente, ele não é mantido.

Os 3 papéis são essenciais nessa linha de montagem. Cena do filme Tempos Modernos (1936)

Por maior que seja uma multinacional de bebidas, e por melhor que seja o diretor de logística nacional, nenhuma lata de cerveja sai da fábrica sem que o responsável por empacotar elas o faça. Ele é essencial.

O rendimento total da empresa é um resultado dos esforços coletivos. Sem o responsável pela logística nacional ou sem o empacotador a cerveja não chega onde deve. Ao menos não no volume potencial.

As horas valem o mesmo para a empresa

Se cada cargo é essencial para o resultado, e se sem algum deles o rendimento seria afetado, logo todos os cargos têm o mesmo valor para a estrutura. E se têm o mesmo valor, cada hora de trabalho vale o mesmo.

Vou ilustrar com um exemplo. Imaginemos que em um andar trabalham 8 pessoas de níveis altos da hierarquia de uma empresa. Nesse andar existe uma outra pessoa responsável pela limpeza, manutenção, café e afins. Essa pessoa não está contratada à toa, ela é essencial para a estrutura alcançar o resultado que irá alcançar. E todos trabalham 8 horas por dia.

Imagine que a pessoa que cuida do andar seja demitida, por julgarem não ser essencial. Em uma semana o andar está imundo, bagunçado e sem café. Como esse estado atrapalha não somente as pessoas trabalhando, mas não ajuda com qualquer visitantes, os 8 profissionais resolvem dividir as tarefas para dar um jeito no andar. Cada um abre mão de 1h de seu dia e o andar volta a ficar do jeito que era antes.

(…) o simples fato de essa pessoa assumir a manutenção disponibiliza mais 8 horas de trabalho “especializado”.

Mas agora esses profissionais trabalham uma hora a menos do que trabalhavam antes. Fazendo com que o rendimento deles seja menor, no caso 1/8 menor. Assumindo que quem cuida do andar não tenha as competências necessárias no papel das 8 pessoas, o simples fato dessa pessoa assumir a manutenção disponibiliza mais 8 horas de trabalho “especializado”. Logo, a hora de trabalho dela gera a hora de trabalho “especializado”, que gera o resultado⁴.

8 horas de trabalho de manutenção rende 8 horas de resultado de trabalho especializado para a empresa.

Se para um montante de rendimento de uma organização é essencial todos os esforços envolvidos, logo, para esse resultado final todos têm o mesmo valor.

Salários diferentes para o mesmo valor

Mas se os cargos tem o mesmo valor, porque existem salários diferentes? Existem argumentos como:

  • A pessoa gera mais dinheiro para a empresa.
  • A pessoa investiu mais na sua formação.
  • A pessoa tem mais experiência.

Mas na realidade, o que causa essa diferença de remuneração é somente o poder de barganha. Pessoas com competências mais “raras”, normalmente resultado de formação mais extensa, experiência ou fatores demográficos e/ou comportamentais, conseguem exigir uma remuneração mais alta. Já que são perfis mais escassos, tem mais poder de negociação.

Enquanto competências menos raras, podem ser forçadas a uma remuneração menor. A menor possível para o contratante. Mas só porque existem outras pessoas disponíveis com as mesmas competências.

“Se você não quiser, tem quem queira.”

(Esquerda) Trabalho por comida. (Direita) Trabalho por menos comida. (Abaixo) “Se chama Capitalismo.”

Se não houvesse mais ninguém disposto a fazer o trabalho de empacotar as latas de cerveja. O empacotador poderia pedir um salário maior. Mais próximo da média de salários, diminuindo assim as distâncias de remuneração.

Imagine uma empresa em um ambiente em que não houvesse ninguém disponível para ser contratado, para além dos trabalhadores existentes. Os trabalhadores com menor remuneração logo pediriam para ter salários que julguem mais justos, em comparação com o resto da empresa. O movimento esperado seria o de igualarem os salários dos cargos e não haver uma sobra, em forma de lucro, para quem não produziu. Simplesmente por poder de barganha dos trabalhadores.

Afinal, como justificar que um administrador merece ganhar 100 vezes mais que o empacotador, se quando esse para de trabalhar a empresa não entrega seus produtos?

O Exército de Reserva de Trabalhadores⁵

Existe um conceito que reconhece que o sistema em que vivemos, o capitalismo, cria um contingente de desempregados, pela sua própria natureza. Esse exército de trabalhadores inativos atua como um inibidor das reivindicações dos trabalhadores e contribui para o rebaixamento dos salários.

Basta ser colocada em uma situação vulnerável, que uma pessoa estará disposta a aceitar uma condição abaixo da ideal, mas que já represente uma melhora para si. E para quem não está nessa condição, fica a ameaça “Se você não quiser, tem quem queira” para aceitar condições piores.

É possível experimentar com a simulação.

A condição do desemprego (junto com a falta de uma rede de suporte como um Estado de Bem-estar social) gera salários baixos. E o foco das organizações no lucro garante a manutenção desse grupo de inativos.

Afinal, hora é hora

No final do dia, um trabalhador vai ter dedicado horas para uma função. E como sabemos, horas são um recurso limitado na vida. O trabalho remunerado nada mais é do que uma compra de suas horas de vida. O que significa que mesmo quando todas as horas dedicadas são essenciais, algumas horas de vida são reconhecidas como de maior valor que outras.

Mesmo que exista uma escassez, seja ela real ou artificial, e portanto uma possibilidade de barganha, não torna a remuneração justa perante o valor para o resultado.

Conclusão

Fica claro que o total de horas colocadas para alcançar o rendimento é essencial. Independente de qual papel for, é essencial. Mas a maneira como remuneramos hoje os trabalhadores não tem a ver com uma forma justa com o valor interno ou sequer uma busca por suprir as necessidades da pessoa. Salários hoje são decididos por disputa de força. A estrutura de competição segue existindo externa e internamente. E é o desemprego que mantém salários baixos e desiguais. Assim como é uma busca por lucro que mantém o desemprego.

No final das contas, cada pessoa é remunerada (ou não) pela sua contribuição dentro da sociedade. E com essa remuneração diferente, uma hora de vida de uma pessoa vale mais que uma hora de vida de outra.

Uma hora da sua vida vale menos que a de quem?

Minha pergunta para reflexão é: Como funcionaria a remuneração em uma estrutura com um propósito comum e que internamente funciona de maneira cooperativa?

Dois questionamentos, que valem ser explorados para além desse texto, e serão, são: “Porque um profissional com um doutorado e 20 anos de experiência aceitaria receber o mesmo que um faxineiro?” e “Mas e se um profissional produz o dobro que o outro no mesmo tempo?”.

Convido você para seguir com questionamentos, conversas, argumentos, críticas ou qualquer manifestação nos comentários abaixo, vou responder o mais breve possível. Vou ficar feliz com qualquer contribuição! Inclusive podem gerar novos textos.

Todo documento merece e deve ser problematizado. Analisado a quem se destinou, assim como a conjuntura social em que o autor vivia. Nenhum escrito é neutro, independentemente da ideologia que o permeia. Indico que a leitora atenta não desconsidere esta observação, pois garantirá que não se cometa anacronismos ou qualquer outra confusão possível.

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Gabriel Kolisch
ECOO
Editor for

Educador vivencial, facilitador de grupos, e designer de organizações. Militando por cooperação e anti-hierarquia.