Nas sombras do desamor

Eder Antonio
Eder Antonio
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2 min readAug 2, 2017

Existir em desamor pode ser mais sutil que as sombras causadas por nuvens lerdas e indiscretas. A alma geme. O espírito distrai-se. Mas o corpo, tendo sua fome saciada, afasta de nós a imagem refletida. Com a autoimagem encoberta, a consciência fica à deriva. O corpo separa-se da alma. Cada gozo é manco, incompleto, desgasta os sentimentos feito navalha que não corta mais pelo uso excessivo, e nos conduz às sombras. — O quê que eu tô fazendo aqui?, pergunta a si mesma, nua, prestes a transar, outra vez com alguém que não lhe despertou afeto. — Cara, depois que gozo minha vontade é sumir de perto da mina, diz ele ao amigo.

Vivemos como se tivéssemos uma rachadura em nosso ser que separou alma (emoções) e corpo (desejo). Daí o sentir-se incompleto e sozinho — antes, durante e depois do sexo.

As gerações seguintes à liberação sexual dos anos 60 passaram a viver livremente sua sexualidade, com possibilidades abertas em relação à orientação sexual e troca de parceiros, sem preocuparem-se necessariamente com a construção de vínculos afetivos.

Todavia, o grito pela libertação do corpo esquece-se de perguntar: o quê que se faz com a liberdade? Tendo-a conquistado relativamente, como usá-la?

O moralismo seca a alma, alimenta a inveja. A libertinagem dilui o ser. Ambos produzem sombra. Caminhar entre estes dois extremos parece-me uma boa pista. É nesse lugar ao meio onde o amor aparentemente gosta de estar.

E se o amor não se apresentar como uma possibilidade, o que deverá orientar nossas escolhas? E a sexualidade, como fica?

O sentir-se vazio e incompleto, ao contrário do que parece, não é ausência de amor, antes é sua presença pulsante, como uma nota musical longa e insistente que soa até encontrar lugar de descanso.

Precisamos descobrir a melodia.

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