Ali onde termina o cigarro

Um tempo em que fumar não era pecado, só prazer

Pedro Botton
Editora Canhoto

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Tem aquilo do Marlboro Vermelho né, o filtro bege pintadinho e aquele sabor de torrado. Na hora que você compra logo se sente meio poderoso, meio viril. Ao mesmo tempo se sente entrando pra uma corrente de milhões de fumantes que também fumavam, fumam e fumarão Malrboro Vermelho. É quase uma forma de honrar o tabagismo na sua forma mais pura. No entanto, no decorrer do maço as coisas não são bem assim. O cheiro forte que ele deixa nos dedos, nas roupas e principalmente no hálito, acaba incomodando mais do que o consumo desenfreado dessa marca de cigarro por pessoas das mais diferentes classes sociais sugere.

Aí tem o Lucky Strike. A compra de um Lucky Strike te transporta diretamente para uma época que não é a sua. Um tempo em que fumar não era pecado, apenas prazer. A palavrinha impressa em vermelho ali onde termina o cigarro e começa o filtro, aquele “Luckies” lindo e descompromissado, aquele mini momento de sorte te leva para longe da vergonha diária de gastar uma parte do seu salário ridículo com 20 pequenos atalhos para um cancro qualquer.

Hoje em dia é até estranho de lembrar, mas Free era cigarro de descolado — ou pelo menos é o que o departamento de marketing deles pensava. Tinha aquele comercial do cara pintando uma tela meio Pollock, com o apartamento (um loft né) tudo sujo de tinta, daí o carinha se afastava um pouco para apreender melhor aquela sua Gioconda contemporânea e acendia um Free, sujava tudo o filtro com uma explosão de tintas óleo e fazia uma fumaça densa que só se vê em filme noir ou quando tá muito frio e a fumaça que se solta após a tragada profunda se mistura com a fumacinha que se expira normalmente e as crianças ficam brincando que são fumantes fazendo de conta que qualquer cilindrinho de papel é um cigarro. Fazem isso as crianças que não fumam né, as que fumam não têm tempo pra ficar brincando por aí. Mas tinha isso do Free, tinha o Free Jazz, tinha o “Cada um na sua. Mas com alguma em comum”. Hoje em dia é cigarro de manicure e secretária. A do salão que eu trabalho fuma Free e direto eu pego um dos dela quando acaba o meu Camel, o que nos leva ao próximo parágrafo.

Camel é um mistério. Imagino que tenha começado como algo meio árabe, meio tuareg, camelo tem a ver com deserto, de certo foi isso. Mas logo a Camel deve ter percebido a força de um camelo de jaqueta de couro fumando um garrão gigante e olhando pra você como quem diz “Vai nessa, chapa, você não é camelo mas também leva uma puta responsa nas costas, fuma que alivia”. Joe Camel o nome da fera. E ficou sendo o cigarro do roqueiro, do estradeiro, seria até de caminhoneiro se eles não fumassem Hollywood, ficou sendo o cigarro do cara que torce pra que alguém lhe peça um cigarrinho na rua e ele possa tirar aquele lindo maço enfeitado por um camelo que de fato é um dromedário.

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