Larga isso e conversa comigo
Entrei esses dias e vi
Oi.
Oi, ei, não tinha te visto aí.
Eu vi quando você subiu e achei mesmo que você nem tinha me visto, mas daí você sentou aqui.
Não tinha visto mesmo, sentei aqui por costume. Coincidência mesmo.
Também peguei o costume de sentar aqui no mais alto.
No primeiro mais alto da esquerda.
Sempre nesse, né. Mas não sabia que você pegava esse ônibus.
Eu não pego. É que hoje eu tô indo ali na Liberdade e resolvi pegar o elétrico.
Você tá morando aqui em Higienópolis?
Tô, naquele apartamento do meu pai, que ele alugava, lembra?
Eu nunca fui lá.
Eu sei. Mas você lembra de eu falar, né?
Lembro.
Então. Lá. Eu casei.
Fiquei sabendo.
Então, tamos morando lá, eu e o Anderson, meu marido.
Você não tem um cachorro também?
Tenho, o Belo. Como você sabe?
Vi umas fotos que você postou.
É, só tem foto dele. Olha.
Mas você me segue?
Não.
Não segue, aqui ó, não tem você.
É aberto. Entrei esses dias e vi. Ele que me sugeriu na verdade.
E por que você não me seguiu?
Fiquei sem graça.
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Que bobeira.
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Larga isso e conversa comigo.
Ai, desculpa, tava vendo umas mensagens aqui. Você ainda não comprou um celular?
Comprei. Mas eu deixo em casa, tenho medo de perder, foi bem caro. Na verdade eu ganhei de dia dos namorados, mas ainda assim.
Você tá namorando?
Tô. A gente tá morando junto ali no Tatuapé. Um predinho bonitinho, com varanda, floreira, de tijolinho, perto da Praça Silvio Romero.
Acho que eu sei, com um restaurante no térreo, não é?
Esse mesmo. Você manja o Tatuapé né, tinha esquecido.
Conheço um pouco. E é bom?
O Tatuapé?
Não, o restaurante. O apartamento, sei lá.
Hahaha, o apartamento é bom sim, meio pequeno mas tem uma luz bonita. O restaurante eu não sei, nunca fomos. Mas parece bom.
A gente nunca mais se viu.
Pois é. Sete anos, quase? Um pouco mais do que eu tô com o Anderson.
Vocês se conheceram logo depois, não foi?
A gente já se conhecia antes. E você com a…
É ele. O Afonso. Faz uns cinco anos já. Quer dizer, que a gente tá junto né, que a gente tá morando lá faz um ano só.
Entendi.
Eu não posso acreditar nisso de você não querer me ver.
A gente se amou por tanto tempo.
Nunca achei que você ia me deixar mesmo.
Eu não sei como você se sente.
Desculpa, eu que não sei como você se sente.
É como se eu tivesse um rádio ligado em silêncio dentro de mim.
Difícil dizer se eu tenho algum papel na sua vida.
Me dá mais tempo, por favor.
Espero que você seja mais feliz com ele.
Mas por que você saiu lá da Santa Cecília? Era bom o apartamento.
O prédio tava caindo aos pedaços.
Tava nada, pô.
Tava sim. Era muito barulhento lá também, na frente do ponto de ônibus. E ia ficar meio pequeno pra gente agora.
É, então, a gente vai ter um filho. Uma filha.
Nossa. Você tá grávida então?
Não, o Anderson. Claro que sou eu.
Óbvio, né. Nossa, parabéns. Que legal.
Brigada.
Tem nome já a herdeira?
Hahaha, herdeira. Mais ou menos, eu quero que seja Ísis, mas não decidimos ainda. Na verdade a gente ainda não sabe se vai ser menina mesmo.
Ísis é bonito. Você não falava que queria Sofia?
Queria, mas acho que Sofia era antes. Agora eu quero mais Ísis mesmo. O Anderson gosta de Ísis também.
Então vai ser Ísis, ué.
É, acho que sim. Mas tem tempo ainda, tô de oito semanas só.
É verdade, não dá pra ver ainda.
Não dá.
Vou descer aqui.
Aqui?
No próximo. Vou pegar o metrô ali no Anhangabaú.
Mas você tá vindo de onde?
Tava nadando na piscina do Pacaembu.
Sabia que eu fiz a carteirinha mas nunca fui pegar?
Vai lá, deve estar na secretaria ainda. Faz tempo que você pediu?
Não muito.
Então deve tá lá.
É, precisamos ir pegar.
Eita, passou seu ponto.
Não tem problema, eu desço ali no São Bento. E você tá indo fazer o quê na Liberdade?
Tem um tiozinho que escreve em japonês com uns pincéis, tipo um pôster, eu tô indo lá encomendar uma pintura pra ele.
Já ouvi falar. Mas o que você vai pedir pra ele escrever?
Ísis.
Ah, então vai ser Ísis mesmo.
É, acho que vai.
Agora eu vou descer mesmo.
Talvez eu peça pra ele escrever Sofia também.
Pede, é bom que depois vê.
É.
Tchau, então. Boa sorte aí com tudo.
Bom te ver.
