O deslumbramento
e a vontade

Um corpo que lhes preenchesse

Pedro Botton
Editora Canhoto

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Por que tudo aconteceu nenhum dos 3 sabia dizer, mas como aconteceu era muito claro. $ e £ já namoravam há algum tempo e € sempre fora uma ótima companhia para os dois. $ já conhecia € de longa data, mas, mesmo tendo se conhecido há pouco tempo, £ também se dava muito com €, o humor dos dois era muito parecido e eles costumavam passar horas falando groselhas e dando muita risada juntos. $ também ria muito.

Portanto quando $ e £ foram viajar no feriado prolongado logo convidaram € para acompanhá-los. A casa em que ficariam pertencia a um amigo de £ e era bastante grande, com certeza teria espaço para acomodar mais duas, quatro, seis pessoas tranqüilamente.

O que aconteceu foi que naquele feriado a previsão do tempo era de um sol que há tempos não se via naquele país. A conclusão foi que todos os amigos do amigo de £ tiveram a mesma idéia. Também pensaram que a casa seria grande o suficiente para que eles levassem seus namorados, amigos, primos e toda a sorte de acompanhantes.

A casa todavia era deveras espaçosa, então após o baque inicial de ver toda aquela gente chegando com suas malas, travesseiros e sacos de dormir — sendo que estes seriam utilizados apenas como cobertores — tudo se acomodou. A casa possuía realmente muitas camas, de solteiro, de casal, de viúva, sofás-cama, beliches, bicamas; havia até um quarto que possuía 3 beliches de camas tamanho queen size que surpreendia até o mais experiente viajante de hostel que ali se encontrasse pela primeira vez.

No final das contas todos arranjaram o seu leito. E, talvez pela primeira vez na história daquela casa, todos os leitos arranjaram um corpo que lhes preenchesse. Fato que poderia ser um contratempo para €. € tinha um daqueles empregos nos quais nunca se emendam feriados prolongados, prática absolutamente inútil pois todos naquela cidade emendavam e esses dias se convertiam invariavelmente num longo ócio para qualquer um que tomasse aquele feriado informal como dia útil.

$ até pensou em avisar € que a casa estava cheia e que talvez fosse melhor deixar para uma próxima. £ decidiu passar aqueles 3 dias sem se preocupar com nada que não fosse relacionado a bebidas e cigarros, então nem pensou sobre isso.

Enfim, o que aconteceu foi que € chegou sexta à noite. Todos estavam no imenso quintal em frente à casa realizando atividades típicas das noites quentes de feriados, como era de se esperar. $ foi quem viu € primeiro. Ouviu em sua cabeça a frase, Esqueci de ligar, mas não resistiu ao sorriso de felicidade em ver aquela pessoa tão querida chegando para o que prometia ser um delicioso final de semana. Enquanto $ e € se abraçavam, £ chegou tirando a valise vermelha das mãos de € dizendo, Até que enfim chegou uma pessoa realmente engraçada nessa casa, e os 3 subiram as escadas para ver se havia lugar para que € se acomodasse no quarto onde estavam as coisas de $ e £.

O deslumbramento de € pela casa foi maior que qualquer questão prática, o deslumbramento e a vontade de descer para a imensa piscina no térreo para começar a fazer parte daquela festa infinita que se anunciava pelos próximos dois dias. A valise vermelha de € ficou ali, aos pés da cama de casal, junto com os pertences já meio misturados de $ e £.

Na hora de dormir o que aconteceu foi natural, tão natural a ponto de parecer previamente acertado, tão natural a ponto de ninguém estranhar. Os 3 deitaram-se na cama, já meio despidos por conta do calor que fazia, mas assim decidiram num acordo silencioso terminar de tirar as poucas peças de banho que ainda cobriam parte de seus 3 corpos, não anunciando de forma alguma que aquela noite poderia servir de ocasião sexual entre o trio, mas mais para evitar o cloro, a areia, o sal que ainda havia naqueles maiôs.

A posição dos 3 na cama foi £, $ e €, da direita para a esquerda. $ realmente era o centro daquilo tudo. Ali no meio não como um obstáculo, mas como um elo.

Quando finalmente se deitaram, olharam para o teto. Pela primeira vez um sopro de constrangimento passou pelos 3. O que até ali havia sido espontâneo pela primeira vez foi refletido silenciosamente. £ então estica o braço esquerdo, abraça $ e simultaneamente encontra a mão de € fazendo o mesmo. $ então levanta, na verdade apenas senta-se na cama, em busca da velha câmera fotográfica que lhe acompanhava fosse a viagem que fosse.

Pega a câmera, puxa o rolo para um novo disparo, deita-se novamente entre £ e € e, erguendo os braços para a frente, diz, Nossa primeira noite. A única surpresa daquilo tudo foi o flash disparado.

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