"Para as lutas das odes não costumo ligar"

Revista Kalinka
Kalinka
Published in
3 min readJun 25, 2021

Poema de Anna Akhmátova

Fonte: rodb-v.ru

Para as lutas das odes não costumo ligar
Nem na beleza da elegia nada me soa.
Para mim, nos versos, tudo é fora de lugar,
Não como é o costume, nas pessoas.

Se soubessem de quanto busilhão
Crescem meus versos, sem sentir vergonha,
Como na cerca as flores do almeirão,
Como a bardana, como a beladona.

Grito sentido, cheiro de felugem,
No muro um secreto abolorecimento…
E já vem o verso provocante, em sua penugem,
Para o seu, para o meu contentamento.

Мне ни к чему одические рати
И прелесть элегических затей.
По мне, в стихах все быть должно некстати,
Не так, как у людей.

Когда б вы знали, из какого сора
Растут стихи, не ведая стыда,
Как желтый одуванчик у забора,
Как лопухи и лебеда.

Сердитый окрик, дегтя запах свежий,
Таинственная плесень на стене…
И стих уже звучит, задорен, нежен,
На радость вам и мне.

(1940)

Tradução de Aurora Fornoni Bernardini

***

SOBRE A AUTORA

A poeta Anna Akhmátova (1889–1966), batizada Anna Andréievna Gorienko, nasceu em 23 de junho em Odessa, hoje parte da Ucrânia, mas logo sua família mudou-se para Pávlovsk, nas redondezas de Petersburgo. O sobrenome que adotou desde cedo para escrever, Akhmátova, veio de sua avó materna.

Ao lado de nomes como Nikolai Gumilióv (1886–1921), seu primeiro marido, e Óssip Mandelstam (1891–1938), seu grande amigo, Akhmátova, como uma resposta ao simbolismo, propôs no início da década de 1910 o acmeísmo, defendendo uma linguagem mais simples, clara e efêmera, pautada no mundo sensível e no cotidiano. Apesar de o acmeísmo ilustrar seus primeiros trabalhos, ele não representa toda a obra da poeta. No fim da vida, por exemplo, na época de Poema sem herói (1962), Anna dizia que o simbolismo fora o último grande movimento cultural russo, amalgamado com a cultura de seu país.

Depois da revolução de 1917, Akhmátova, que se separou de Gumilióv em 18, passou por um período de muitas dificuldades e privações. Desde 1925, suas poesias deixaram de ser publicadas, aparecendo apenas clandestinamente. Em 1940, o veto à sua obra foi suspenso com a publicação de De seis livros, mas no mesmo ano todo o material foi recolhido das livrarias.

A beleza e o talento singulares de Anna Akhmátova foram mais de uma vez retratados, como pelos pintores Kuzmá Petróv-Vódkin (1878–1939) e Amedeo Modigliani (1884–1920), que ela conheceu em Paris com Gumilióv em 1911.

SOBRE A TRADUTORA

A ensaísta, escritora, pintora e tradutora Aurora Fornoni Bernardini nasceu na Itália e aos 13 anos se mudou com seus pais para o Brasil. Formou-se em Línguas Orientais (Russo) e Anglo-germânicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde ainda concluiu seu mestrado, doutorado e livre-docência. Atualmente é professora de pós-graduação da USP nas disciplinas de Literatura e Cultura Russa, Teoria Literária e Literatura Comparada.

Traduziu diversos livros do russo, como Ka, de Velímir Khlébnikov (Perspectiva, 1977); O Tenente Quetange, de Iuri Tyniánov (Cosac Naify, 2002); Maria: uma peça e cinco histórias, de Isaac Bábel (Cosac Naify, 2003, com Homero Freitas de Andrade); Vivendo sob o fogo: confissões, de Marina Tsvetáieva (Martins, 2008); O Diabo, também de Tsvetáieva (Kalinka, 2021).

Em 2004, ficou, com Haroldo de Campos, na segunda colocação do prêmio Jabuti pela tradução de Ungaretti: Daquela Estrela à Outra (Ateliê, 2003). Em 2006, foi vendedora dos prêmios APCA (com Homero Freitas de Andrade) e Paulo Rónai, respectivamente pelas traduções de O exército de cavalaria (Cosac Naify, 2006, com Homero Freitas de Andrade) e Indícios Flutuantes (Martins Fontes, 2006). Em 2007, foi contemplada com o Jabuti (terceiro lugar) também por Indícios Flutuantes. Em 2014, foi finalista do Jabuti pela tradução de “Os sonhos teus vão acabar contigo”: prosa, poesia, teatro, com Daniela e Moissei Mountian (Kalinka, 2013).

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