"Para as lutas das odes não costumo ligar"
Poema de Anna Akhmátova
Para as lutas das odes não costumo ligar
Nem na beleza da elegia nada me soa.
Para mim, nos versos, tudo é fora de lugar,
Não como é o costume, nas pessoas.Se soubessem de quanto busilhão
Crescem meus versos, sem sentir vergonha,
Como na cerca as flores do almeirão,
Como a bardana, como a beladona.Grito sentido, cheiro de felugem,
No muro um secreto abolorecimento…
E já vem o verso provocante, em sua penugem,
Para o seu, para o meu contentamento.Мне ни к чему одические рати
И прелесть элегических затей.
По мне, в стихах все быть должно некстати,
Не так, как у людей.Когда б вы знали, из какого сора
Растут стихи, не ведая стыда,
Как желтый одуванчик у забора,
Как лопухи и лебеда.Сердитый окрик, дегтя запах свежий,
Таинственная плесень на стене…
И стих уже звучит, задорен, нежен,
На радость вам и мне.
(1940)
Tradução de Aurora Fornoni Bernardini
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SOBRE A AUTORA
A poeta Anna Akhmátova (1889–1966), batizada Anna Andréievna Gorienko, nasceu em 23 de junho em Odessa, hoje parte da Ucrânia, mas logo sua família mudou-se para Pávlovsk, nas redondezas de Petersburgo. O sobrenome que adotou desde cedo para escrever, Akhmátova, veio de sua avó materna.
Ao lado de nomes como Nikolai Gumilióv (1886–1921), seu primeiro marido, e Óssip Mandelstam (1891–1938), seu grande amigo, Akhmátova, como uma resposta ao simbolismo, propôs no início da década de 1910 o acmeísmo, defendendo uma linguagem mais simples, clara e efêmera, pautada no mundo sensível e no cotidiano. Apesar de o acmeísmo ilustrar seus primeiros trabalhos, ele não representa toda a obra da poeta. No fim da vida, por exemplo, na época de Poema sem herói (1962), Anna dizia que o simbolismo fora o último grande movimento cultural russo, amalgamado com a cultura de seu país.
Depois da revolução de 1917, Akhmátova, que se separou de Gumilióv em 18, passou por um período de muitas dificuldades e privações. Desde 1925, suas poesias deixaram de ser publicadas, aparecendo apenas clandestinamente. Em 1940, o veto à sua obra foi suspenso com a publicação de De seis livros, mas no mesmo ano todo o material foi recolhido das livrarias.
A beleza e o talento singulares de Anna Akhmátova foram mais de uma vez retratados, como pelos pintores Kuzmá Petróv-Vódkin (1878–1939) e Amedeo Modigliani (1884–1920), que ela conheceu em Paris com Gumilióv em 1911.
SOBRE A TRADUTORA
A ensaísta, escritora, pintora e tradutora Aurora Fornoni Bernardini nasceu na Itália e aos 13 anos se mudou com seus pais para o Brasil. Formou-se em Línguas Orientais (Russo) e Anglo-germânicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde ainda concluiu seu mestrado, doutorado e livre-docência. Atualmente é professora de pós-graduação da USP nas disciplinas de Literatura e Cultura Russa, Teoria Literária e Literatura Comparada.
Traduziu diversos livros do russo, como Ka, de Velímir Khlébnikov (Perspectiva, 1977); O Tenente Quetange, de Iuri Tyniánov (Cosac Naify, 2002); Maria: uma peça e cinco histórias, de Isaac Bábel (Cosac Naify, 2003, com Homero Freitas de Andrade); Vivendo sob o fogo: confissões, de Marina Tsvetáieva (Martins, 2008); O Diabo, também de Tsvetáieva (Kalinka, 2021).
Em 2004, ficou, com Haroldo de Campos, na segunda colocação do prêmio Jabuti pela tradução de Ungaretti: Daquela Estrela à Outra (Ateliê, 2003). Em 2006, foi vendedora dos prêmios APCA (com Homero Freitas de Andrade) e Paulo Rónai, respectivamente pelas traduções de O exército de cavalaria (Cosac Naify, 2006, com Homero Freitas de Andrade) e Indícios Flutuantes (Martins Fontes, 2006). Em 2007, foi contemplada com o Jabuti (terceiro lugar) também por Indícios Flutuantes. Em 2014, foi finalista do Jabuti pela tradução de “Os sonhos teus vão acabar contigo”: prosa, poesia, teatro, com Daniela e Moissei Mountian (Kalinka, 2013).